Testemunhas de Jeová – XI
O Corpo Governante assumiu o controlo das Testemunhas de Jeová em 1976, um ano antes da morte de Knorr. Até aos dias de hoje contam-se mais quatro presidentes do movimento: Frederick William Franz (1893-1992), Milton George Henschel (1920-2003), Don Alden Adams (1925-1919) e o actual, Robert Ciranko (1947- ). Franz governou entre 1977 e 1992, Henschel de 1992 a 2000, e Adams desde este ano até 2014, quando lhe sucedeu Ciranko.
Numa abordagem caleidoscópica dos últimos anos das Testemunhas de Jeová (TJ), assinalemos a purga de Abril de 1980, de todo o pessoal sénior da sede em Brooklyn (Nova Iorque). Esta remoção de elementos de topo na hierarquia deveu-se à descoberta de que nesses escalões mais elevados alguns dos seus membros discordavam das doutrinas centrais da Watch Tower Society (as TJ), particularmente em torno da importância do ano de 1914. Esses críticos propunham cada vez mais que se fizessem alguns ajustes doutrinais para se manter viva a tradição entre as TJ de se mudarem doutrinas. Existia, de facto, um desconforto em relação às chamadas “doutrinas cronológicas” dentro do Corpo Governante, manifestadas particularmente desde os inícios de 1980.
Com efeito, em Fevereiro de 1980, três membros do Corpo Governante – cientes de que os vivos em 1914 estavam a diminuir rapidamente, apesar dos ensinamentos de que essa geração estaria viva para ver o Armagedão – propuseram uma mudança radical nas doutrinas do movimento. Esta exigência prendia-se com a imposição de que a “geração” que veria a chegada do Armagedão era a que estaria viva após 1957, o ano do lançamento do satélite espacial russo Sputnik. A proposta, que prorrogava o prazo para o Armagedão em 43 anos, não conseguiu, porém, obter a maioria dos votos. Em 1995, abandonou-se definitivamente o princípio de que a geração de 1914 não iria ver a chegada do Armagedão.
EVOLUÇÃO DESDE OS ANOS 80
A insatisfação interna com as doutrinas oficiais das Testemunhas de Jeová não cessaria de aumentar. Encetaram-se, nesse sentido, uma série de investigações secretas e audiências judiciais a nível interno. Depois, agiu-se “em conformidade”, ou seja, extirpou-se o mal do grupo. Como? Expulsando-se os dissidentes e críticos. Entre os expulsos constava um ex-membro do Corpo Governante, Raymond Franz. Muitos dos expulsos receberam um rótulo, da parte do Corpo Governante: foram qualificados como “fornicadores espirituais”, “doentes mentais” e “loucos”. A purga, claro está, foi fracturante. Resultou em vários cismas no movimento no Canadá, na Grã-Bretanha e no Norte da Europa, além de levar à formação de grupos “soltos” de ex-Testemunhas insatisfeitas. A resposta à crise por parte da hierarquia das TJ deu-se, no entanto, com uma atitude nova e endurecida em relação ao tratamento que se deu a desertores e Testemunhas expulsas. Era mais uma cisão, mais uma querela interna, fracturante como sempre.
Neste sentido de definição espiritual, em 2000, membros do Corpo Governante renunciaram a cargos nos conselhos de administração da Sociedade e das suas empresas subsidiárias, para se concentrarem em questões puramente doutrinárias. A partir de 2004, várias propriedades do movimento em Brooklyn foram vendidas como preparação para o estabelecimento de uma nova sede mundial em Warwick (igualmente em Nova York), que viria a ser concluída em 2016. Entretanto, procedeu-se à definição da geração de 2008 se tornar a geração “remanescente dos ungidos” ou dos “ungidos vivos cujas vidas se sobrepõem ao ungido de 1914”.
Nestes tempos de reestruturação, cíclicos nas TJ, procedeu-se também à reorganização das sociedades jurídicas do movimento, com destaque maior para a separação do Corpo Governante em relação à presidência corporativa e à direcção da Sociedade Torre de Vigia. Isto é, em vez de serem dirigidos por uma única corporação, cujos directores eram membros do Corpo Governante e o presidente era quem controlava o movimento, as Testemunhas de Jeová separaram as funções religiosas das administrativas. O Corpo Governante concentrou-se a partir de então em assuntos espirituais, com várias corporações sem fins lucrativos a dividirem as várias tarefas administrativas e responsabilidades legais entre si. A gestão e os trabalhadores dessas empresas eram todos voluntários e também Testemunhas de Jeová.
Em 2000, Milton Henschel deixou o cargo de presidente da Watch Tower Society, mas permaneceu no Corpo Governante até à sua morte, em Março de 2003.
No Século XXI, um outro acontecimento atingiu as TJ de forma impactante. Em 2004 deu-se uma grande perseguição ao movimento na Rússia. Em concreto, durante algum tempo, as Testemunhas de Jeová na Rússia tiveram a sua liberdade restringida, com grandes dificuldades na missão e com a expansão no País inactivada. Esta situação seria agravada em Junho de 2004, quando um tribunal de Moscovo proibiu a actividade das Testemunhas de Jeová na cidade. Esta proibição aumentou o assédio às Testemunhas de Jeová também noutras partes da Rússia. Contudo, houve uma reacção, com um recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em relação à decisão do tribunal de Moscovo. Apesar destas contrariedades, o movimento não sofreu abalos de maior, embora os seus efectivos tenham decrescido em muitos países.
Uma palavra para a organização das TJ. A sua estrutura é, na essência, vertical. É constituída pelas bases de pregadores até à cúpula superior das congregações: circuitos, distritos, ramos, zonas e o chamado “corpo governante”, com sede oficial em Nova Iorque. Este corpo é, no fundo, uma empresa com características comerciais. É formado por doze pessoas. O trabalho de base, a pregação e a venda de publicações é levado a cabo por congregações de aproximadamente cem pessoas por grupo de trabalho (de acordo com as tarefas do mesmo). Cada uma dessas congregações é dirigida por um servo ministerial (administrador das instalações, limpeza, organização semanal das reuniões, etc.). É seguido hierarquicamente pelo corpo de anciãos ou presbíteros, que se encarregam de zelar pelo comportamento dos membros e controlar o grau de participação dos mesmos no que se refere à divulgação das suas ideias ou “pregação”. Formam a “comissão judicativa”, que tem a função de admoestar ou, em casos extremos, expulsar aqueles que discordam das doutrinas básicas ou que se envolveram em pecados graves. O circuito é composto entre vinte e 25 congregações, sendo liderado pelo superintendente ou “servo de circuito”. Acima está o distrito (grupo de circuitos), administrado por um “servo distrital”. Ambos os servos cumprem a função de controlar o estado das congregações na ordem moral e organizacional. Eles são seguidos pelos superintendentes de zona e filial. Cada uma dessas filiais é chefiada por um director. Estes, por sua vez, respondem à centralidade nos Estados Unidos, ou seja, o corpo governante, de presidência rotativa.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa