Chira Sirisambhand, ex-alto funcionário da Casa Real Tailandesa

«Os políticos não querem saber do povo»

Com formação académica nos Estados Unidos e trabalho numa das campanhas presidenciais de Jimmy Carter, Chira Sirisambhand está consciente dos equívocos das potências ocidentais quanto à actual situação política na Tailândia. A’O CLARIM, o descendente de uma nobre família tailandesa diz que em qualquer parte do mundo os políticos não querem saber do povo, mas apenas deles próprios. Acrescenta que o modelo “Um país, dois sistemas” não se adequa ao seu país, e que após o general Prayuth devolver o poder à sociedade civil os problemas anteriores vão regressar. No campo religioso elogia o relacionamento entre o Budismo e o Cristianismo e defende que os imãs que incitam à violência devem ser responsabilizados.

O CLARIMQuais as suas raízes?

CHIRA SIRISAMBHAND – A família Sirisambhand descende da linha maternal da princesa-mãe Srisuralai, mãe de Rama III do Sião [reinado entre 1824 e 1851]. O meu pai, Mongkol Sirisambhand, foi um homem de negócios bem sucedido que fundou a United Flour Mills SE. A minha mãe “Nenet” (Belmonte Makana), proveniente das Filipinas, também foi uma empresária muito bem sucedida, ao criar ela própria um império de negócios, sendo um deles a empresa “The Little Home Bakery”. Estudei nos Estados Unidos, desde o ensino secundário até fazer o mestrado em Ciência Política. Durante cerca de quinze anos servi e fui membro do séquito da princesa Galyani Vadhana [irmã mais velha do rei Bhumibol Adulyadej] até ao seu falecimento em 2008. Fui representante honorário do Canadá na Tailândia. Também fui homem de negócios, mas já me reformei.

CLQue análise faz à actual situação política na Tailândia?

C.S. – É a mesma. Seja com Thaksin, com a família Shinawatra ou com este regime militar, acredito que todos os políticos são iguais. Mesmo assim, de alguma forma parece que está agora um bocado diferente porque os militares mantêm a paz e a ordem. Contudo, os políticos são políticos, seja na Tailândia, em Portugal ou nos Estados Unidos, porque só pensam neles próprios, já que o povo não é a sua prioridade.

CLPensa que o general Prayuth Chan-o-cha, actual Primeiro-Ministro que liderou o último Golpe de Estado, também tem esse tipo de mentalidade?

C.S. – Apesar de não o conhecer bem, acredito que é uma pessoa decente. A minha única preocupação é que as pessoas que o rodeiam sejam iguais às outras. Os políticos cuidam dos seus próprios interesses. O povo tailandês nunca vai tirar dividendos porque está muito longe do sistema político.

CLE as reformas que o general Prayuth está determinado a implementar para o bem do País antes de entregar o poder à sociedade civil?

C.S. – [Entre 2011 e 2014] tivemos manifestações a inundar Banguecoque, além de motins e mortes. Precisamos de reformas e de mudanças. No entanto, há muitos países ocidentais a pensar que é preciso haver uma eleição imediata… Por exemplo, os Estados Unidos são um deles.

CLFoi lá que estudou…

C.S. – Sim, foi onde me formei em Ciência Política. Além disso, trabalhei para a campanha presidencial de Jimmy Carter.

CLOs Estados Unidos criticaram com veemência o Golpe de Estado na Tailândia…

C.S. – Os Estados Unidos são sempre do género “somos todo-poderosos”. Isto é irracional. É preciso olhar para todas as heranças culturais. Por exemplo, os Estados Unidos têm algum termo específico para traduzir a palavra tailandesa “kreng jai”? Não têm nenhum! Somos diferentes culturalmente. Já éramos um reino quando os Estados Unidos ainda nem existiam, porque quem então habitava no actual território eram os índios americanos. Os britânicos ainda nem tinham chegado. Só porque os americanos têm dinheiro e armamento pensam que podem controlar o mundo e impor os seus conceitos na cabeça de todos os outros.

CLEstará a indústria de Hollywood a contribuir para a americanização global?

C.S. – Eu vejo os filmes americanos. São puro entretenimento. Vejo-os e quando chegam ao fim, acabou. Não quero viver assim, mas parece que muitos jovens andam confusos, pois vêm os filmes e fantasiam: “Oh, quero ser desta ou daquela maneira”. Por isso a Comunicação Social é a coisa mais importante no mundo. Internet, televisão, jornais, redes sociais, tudo!

CLTem algum exemplo específico que retrate esse equívoco que os americanos têm sobre a Tailândia?

C.S. – Tenho um engraçado. Um jornalista americano meu amigo, especialista em política, que trabalha para um jornal de renome mundial, esteve cá durante os últimos grandes motins e fui com ele fazer trabalho de campo. A equipa desse jornal tinha coletes à prova de bala, capacetes… Era tudo tecnologia de ponta. Perguntei-lhe: «Não tens calor com este tempo quente na Tailândia?». A resposta dele: «É preciso por causa da apólice de seguro». Andámos então entre os manifestantes e comprei “kanom” (sobremesa), sumo e ouvi música, ao que ele desabafou: «O que estou aqui a fazer? Isto parece uma festa». Os americanos simplesmente ouviram os noticiários e pensaram que andávamos a matar-nos uns aos outros.

CLAinda tem fé na Tailândia?

C.S. – Tenho fé. No entanto, o resultado deste Golpe de Estado será o mesmo. Vamos ter reformas e uma eleição, mas quando se trata de eleições nas províncias eles [os políticos] ainda pagam [aos eleitores]. É em toda a parte!

CLO que sugere?

C.S. – Se o Estado não tiver um olho cego na prostituição, nas drogas e no jogo como é que eles [os políticos] sobrevivem? Isto aplica-se a qualquer país do mundo.

CLA Tailândia nunca foi colonizada por uma potência ocidental, mas durante a sua História teve que ceder muitas terras que pertencem agora ao Laos, ao Myanmar, ao Camboja, ao Vietname, à Malásia…

C.S. – Não é verdade! O Sião era muito maior porque colonizámos essas terras. Não considero que tenhamos perdido essas terras, mas devolvemos o território aos respectivos países de origem. Infelizmente a História diz que perdemos essas terras para os franceses e para os britânicos. Nunca as perdemos realmente porque eram terras extras que possuíamos.

CLPode o modelo “Um país, dois sistemas”, como a República Popular da China tem para Macau e Hong Kong, ser uma boa solução para a problemática área do Sul Profundo (compreende as províncias de Narathiwat, Yala e Pattani) que é severamente afectada pelos insurgentes?

C.S. – Funciona para a China, mas não para a Tailândia. Primeiro que tudo a Constituição tailandesa não permite a divisão do País.

CLMas a Constituição pode ser alterada…

C.S. – É verdade, mas nenhum país terá alguma vez estabilidade se houver muitas alterações na sua Constituição, porque uma pessoa chega ao poder e muda o que não lhe agrada. Depois, será que a China pode ser governada num sistema totalmente democrático? Nem pensar! Consegue imaginar o caos que seria? Por outro lado, convém não esquecer que a Tailândia é uma monarquia constitucional com vários partidos políticos, em vez de ter um único partido político estatal, como é o caso da China.

CLQue análise faz ao conflito nas três províncias problemáticas do Sul Profundo?

C.S. – Sou católico, mas tenho raízes muçulmanas da parte do meu pai. O que está a acontecer no Sul da Tailândia, ou no Médio Oriente, não é porque a religião muçulmana é má. É porque alguns imãs incitam à violência. Os americanos estão a matar civis inocentes ao bombardearem certos lugares do Médio Oriente. Para mim, a maneira mais simples de atacar a espiral de violência muçulmana é apanhar esses imãs de modo a responderem pelos seus actos.

CLTrata-se de algo difícil de acontecer…

C.S. – Quando hoje falamos de política, e não olhemos apenas para a Tailândia, os americanos aparecem sempre na fotografia. Põem sempre a mão em tudo, mas não conseguem mudar a Tailândia.

CLQue perspectiva para a Tailândia após serem implementadas as tão esperadas reformas e se devolver o poder à sociedade civil?

C.S. – Ficará tudo como dantes. A Tailândia tem agora três poderes institucionais, que são a Monarquia, e os poderes Judicial e Legislativo. A Monarquia mudou e as forças armadas estão a caminho de se tornarem num outro poder. Em termos legais não pode acontecer, mas na prática já são o quarto poder.

CLAcredita que Thaksin Shinawatra irá voltar à vida política?

C.S. – Ele e a família ainda sonham com isso. Mas o que aconteceu nos últimos dez anos à família? O senso comum diz que a política está fora de questão para a sua família.

CLMas Yingluck Shinawatra foi Primeira-Ministra imediatamente antes do general Prayuth…

C.S. – Provavelmente poderá acontecer com alguém da sua [Thaksin] influência. Se eu fosse seu conselheiro nunca lhe tinha dito para sair do País, porque certamente ainda agora poderia ser Primeiro-Ministro.

CLO que distingue a Monarquia das outras?

C.S. – A monarquia tailandesa está de mãos dadas com o duro trabalho que é desenvolvido em benefício da Tailândia. Há membros da família real decididos a dar total apoio ao desenvolvimento do País, o que poderiam delegar e deixar que o Governo o fizesse. Viajam até às áreas mais remotas, onde levam não só desenvolvimento material, como também cuidados de saúde. Devido à sua fortuna podiam ficar confortavelmente instalados nos seus palácios e viver recatadamente. No entanto, trabalham duro para o povo tailandês. Fiquei uma vez surpreendido pelo comentário de um amigo ocidental, que me perguntou quanto dinheiro era preciso para manter a família real. Não tive que dar resposta, porque ele encontrou-a rapidamente ao dizer que, custasse o que custasse para manter o rei e a sua família, valia bastante a pena porque o que fazem pela nação está para além dos valores monetários, pois são uma força unificadora que não tem comparação com qualquer outro monarca do mundo.

 

Catolicismo

CLA Tailândia, antigo Sião, adoptou há bastante tempo o Budismo Theravada como religião de Estado. Os primeiros padres católicos que chegaram a Ayutthaya, antiga capital siamesa, foram dois dominicanos portugueses em finais do século XVI. Como vê as actuais relações entre o Budismo e o Catolicismo?

C.S. – A sorte dos cristãos, e não apenas dos católicos, é que o Budismo é uma religião pacífica. Os budistas não têm regras para atacar os outros. A fé dos budistas e dos cristãos coexiste muito facilmente na Tailândia. Não há problema, nem mesmo nos tempos de Ayutthaya. Os franceses, que vieram depois dos portugueses, quase converteram o monarca Narai [reinado entre 1656 e 1688].

CLQuando o Papa Francisco visitou o Sri Lanka no mês passado entrou num tempo budista…

C.S. – E porque não? Quando as pessoas visitam o Sri Lanka gostam de ir aos tempos budistas. O Papa Francisco é humano…

CLMas não é algo comum num Papa…

C.S. – Isso não é verdade. Quando o Papa João Paulo II veio à Tailândia também foi a um templo budista e Sua Majestade Bhumibol Adulyadej conheceu dois Papas pessoalmente: João XXIII e João Paulo II.

CLE quando irá o Papa Francisco visitar a Tailândia? Estará algo planeado nesse sentido?

C.S. – Sim, a visita é possível. Penso que é uma grande honra o facto do Vaticano ter recentemente nomeado um segundo cardeal tailandês, porque não temos sequer 500 mil católicos no País. A Igreja Católica está na Tailândia há muito tempo. Muitas das boas escolas que temos são católicas e muitas pessoas influentes estudaram nessas escolas. São pessoas que respeitam os padres, os frades e conhecem o significado da fé católica. Por isso, têm no Catolicismo um lugar especial no seu coração. No entanto, seria melhor se a Igreja Católica desse um passo em frente e se registasse como pessoa colectiva na Tailândia.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

em Banguecoque, Tailândia

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