Maria de Deus Manso, historiadora

«A Igreja Católica ajudou a construir a Lusofonia»

Maria de Deus Beites Manso é professora na Universidade de Évora e investigadora sobre a colonização portuguesa, ou presença portuguesa no mundo, e as questões ligadas à Lusofonia. Tem vasta obra publicada, seja em forma de livros ou de artigos em publicações da especialidade.

O CLARIMDesloca-se com a alguma frequência a Macau. Qual é o seu olhar sobre o território na actualidade?

Maria de Deus Manso – Só conheci Macau depois da entrega do território à China, em 1999. Desde 2004 tenho ido com alguma regularidade a Macau, no âmbito da cooperação desenvolvida com a Universidade de Macau, Departamento de Português, com apoios sobretudo da Universidade de Macau e da Fundação Macau e, por vezes, da Fundação Oriente e Fundação para a Ciência e Tecnologia. O que mais me surpreendeu foi a marca visível deixada pela presença portuguesa no território e um espaço onde se misturam diferentes culturas. Embora Macau tenha sofrido grandes transformações a partir de 1999, quer na sequência da desmesurada construção imobiliária quer com a saída de portugueses e a entrada de chineses vindos do continente, Macau contínua a ter um registo cultural e linguístico que o distingue de qualquer outra região da China, mesmo de Hong Kong, cuja presença inglesa se entendeu no tempo. Sinto que o legado português continua vivo, não tanto como gostaria, mas está vivo. Facilmente encontramos elementos que nos remetem para uma cultura mista, um espaço onde se fala e escreve em diversas línguas. Por exemplo, o nome das ruas, os nomes de muitos estabelecimentos, os locais para onde se dirigem os autocarros está escrito em Cantonense e em Português. Temos igualmente uma culinária tipicamente lusa, a macaense, a chinesa, entre outras, cursos de Língua e Culturas Lusófonas oferecidos na Universidade de Macau e no Instituto Politécnico. Ao que parece com grande procura. Por isso, espero que a cooperação entre Portugal e Macau se fortaleça, tanto no âmbito da preservação do património material e imaterial, como económico e político.

CLApesar de não pertencer à CPLP, não considera que a RAEM tinha a obrigação de conseguir maior visibilidade dentro do espaço lusófono?

M.D.M. – A CPLP foi um excelente projecto criado para aproximar e fortalecer as relações entre os povos que ao longo da história se cruzaram com Portugal e que têm como língua oficial o Português. De facto, Macau não se insere neste último objectivo. No entanto, as autoridades portuguesas deveriam desenvolver esforços para que todas as regiões onde se fala o Português, mesmo não sendo a língua oficial, se sintam ligados à comunidade lusófona, mas promovendo a singularidade que os caracteriza. Estendo igualmente esta ideia a Goa, Damão, Diu, Malaca, etc.

CLComo historiadora, como encara o papel/responsabilidade dos Meios de Comunicação para o conhecimento da História de Portugal além-fronteiras?

M.D.M. – Globalmente não tem sido dada muita atenção a esta matéria e nem sempre a programação será a mais adequada. No entanto, temos profissionais, nomeadamente na RDPi, que se empenham em levar por diante um projecto de afirmação lusófona. Por razões históricas e estratégicas, as autoridades portuguesas deveriam delinear políticas que possibilitassem a afirmação e divulgação da Língua Portuguesa e mantivessem viva a herança portuguesa no mundo. Os Meios de Comunicação são um meio excelente para o promoverem, pois nem em todas as regiões existem universidades que oferecem o curso de Português ou aí existe o Instituto Camões.

CLA supressão da Onda Curta retirou a muita gente o acesso às notícias em Português. Qual terá sido o real impacto de tão polémica medida?

M.D.M. – Caso as populações não disponham de outros Meios de Comunicação que lhe permita ouvir a Língua Portuguesa, gradualmente vão perdendo o interesse pela matéria. Outras línguas irão ocupar este vazio, através da emissão em Onda Curta. Pois são muitos os países europeus que mantêm a Onda Curta.

CLVê-a como um passo atrás na vontade política de disseminação da Língua Portuguesa, ou nem por isso?

M.D.M. – Vejo-a como um passo extremamente negativo, cuja atitude só pode ter sido tomada por razões economicistas, de desconhecimento histórico ou da pouca importância que atribuem à Língua e Culturas Lusófonas.

CLApós a Onda Curta, foram também eliminados espaços informativos e até certo tipo de música na programação da RDP Internacional. Será que chegaremos alguma vez a concretizar a Lusofonia se continuarmos a aplicar medidas deste teor?

M.D.M. – Assim, tenho dúvidas.

CLO seu trabalho, a Oriente, tem incidido sobre o papel dos missionários, nomeadamente os jesuítas. Porquê o interesse específico por essa Ordem?

M.D.M. – Globalmente a Igreja foi uma instituição que juntamente com a Coroa Portuguesa – outros agentes – ajudaram a construir o que hoje designo de Lusofonia. A Companhia de Jesus, criada na Idade Moderna, época da grande colonização portuguesa, pela preparação e metodologias missionárias usadas, foi a Ordem que mais difundiu a religião católica e a Língua Portuguesa.

CLA mulher é também temática de eleição. Qual foi, exactamente, o papel das mulheres na formação do Império? Será justificável aplicar, no caso do Oriente, a velha máxima “por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher”?

M.D.M. – Em parte. Aqui, eu penso que o Império não foi apenas construído por homem e por elites, a mando exclusivamente do monarca. A mulher europeia e não europeia foi igualmente um elemento fundamental na colonização. Falo das “orfãs d’El Rei” enviadas de Portugal para a Índia e para o Brasil, falo da escrava, da índia, da mulher hindu e tantas outras que voluntaria ou forçadamente ajudaram a colocar em pé o projecto expansionista.

CLEstá a trabalhar num novo livro, a ser publicado por uma conhecida editora portuguesa. Pode adiantar-nos algo acerca disso?

M.D.M. – Foi-me lançado o desafio para escrever algo não académico para o público em geral, que fale numa perspectiva religiosa e cultural do Império Português. Espero conseguir concretizar o objectivo.

 

CAIXA

 

Em defesa da RDP Internacional

E-mail enviado por Maria de Deus Manso em defesa da RDPi e que deu origem à entrevista feita pela Provedora do Ouvinte (ouvir em: http://www.rtp.pt/play/p933/e183376/em-nome-do-ouvinte-iv).

 

“Sou Maria de Deus Manso, Professora na Universidade de Évora e investigadora sobre a colonização portuguesa/presença portuguesa no mundo e as questões ligadas à Lusofonia.

Tive conhecimento que, brevemente a RDPi, passará apenas a dar notícias sobre as comunidades portuguesas e deixará a sua aposta na Lusofonia e na projecção do prestígio e valores lusófonos, com destaque para os portugueses, aspectos que têm marcado os últimos anos da RDPi. Possivelmente, as medidas resultam de uma proposta de reestruturação que infelizmente quase sempre assentam na fusão de uma série de serviços, tendo em vista reduções orçamentais.

Embora, haja outros canais que transmitem uma programação abrangendo as diferentes regiões de expressão portuguesa, não significa que o seu labor seja suficiente. As comunidades lusófonas são heterogéneas (dispersas no espaço, inseridas em diferentes culturas) e, por isso, necessitam de uma programação “específica” e constante, tendo em atenção as regiões onde se localizam.

Por razões históricas e estratégicas, as autoridades portuguesas deveriam delinear políticas que possibilitassem a afirmação e divulgação da Língua Portuguesa e mantivessem viva a herança portuguesa no mundo. Atendendo a que nem sempre é possível disponibilizar-se em “larga escala” o ensino da Língua Portuguesa em muitas regiões do Mundo, sobretudo na Índia (Goa), Malaca, Macau, etc., cabe à comunicação social portuguesa o papel de alimentar esta ferramenta, este elo linguístico e cultural. Neste sentido, apelo para que se mantenha e reforce o trabalho desenvolvido pela RDPi na promoção da Língua e Cultura(s) Portuguesa (s), não apenas, nas comunidades emigrantes da Europa e da África lusófona, mas em regiões mais distantes, onde a Língua Portuguesa é falada por uma opção histórica/cultural. Pois acredito que através de um trabalho sério e planeado, a transmissão de programas em Português e sobre as Culturas Lusófonas ajudarão a fortalecer os laços históricos e económicos. Serão certamente um motor para o fortalecimento da cooperação no seu sentido mais vasto do termo.

Ciente da importância da matéria apelo para que o assunto que aqui trago mereça a atenção de Vossas Excelências.

Os meus respeitosos cumprimentos,

Maria de Deus Manso”

Joaquim Magalhães de Castro

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