CENTENÁRIO DA CHEGADA DO PRIMEIRO DELEGADO APOSTÓLICO À CHINA

CENTENÁRIO DA CHEGADA DO PRIMEIRO DELEGADO APOSTÓLICO À CHINA

Cardeal Celso Costantini, “Servo de Deus”

Assinala-se este mês o centenário da chegada a Pequim do cardeal Celso Costantini, após uma longa viagem. Era assim instalado na China, por iniciativa do Papa Pio XI, o primeiro Delegado Apostólico. A missão do prelado transalpino seria mantida em segredo até à sua chegada a Hong Kong, a 8 de Novembro de 1922, pois qualquer uma das potências europeias poderia ter a tentação de sabotar a iniciativa. Na realidade, não tinha assentado ainda no velho continente a poeira levantada pela Rebelião dos Boxers (1900) e subsequente intervenção no terreno da Aliança das Oito Nações.

Como culminar de uma década de agitação e muita violência sobreviria o colapso da monarquia chinesa através da Revolução de 1911. Confessou o cardeal Costantini, nas memórias que redigiu, tudo ter feito para evitar que acusassem a Igreja Católica de estar sob os auspícios das nações europeias. “Quis exercer a minha liberdade de acção na área dos interesses religiosos e recusei-me a ser acompanhado, na recepção que tive com as autoridades locais, por representantes de nações estrangeiras. Se o fizesse daria a impressão de a elas estar associado”, escrevia o religioso.

Recorde-se que até1622a missão católica na China estava vinculada ao Padroado Português do Oriente, que tinha a exclusividade da evangelização; aí, e no resto do continente. Porém, com a fundação nesse ano, em Roma, da (Congregação) Propaganda Fide, o Padroado viu a sua actividade limitada aos domínios portugueses. Passaria a ser a França, através dos sacerdotes da Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris, apoiada pela Propaganda Fide, a coordenar doravante todo o trabalho missionário. Aliás, a sua ortodoxa postura no terreno muito contribuiria para a controversa “Questão dos Ritos” (de 1630 a 1740), que levaria à expulsão dos missionários da maior parte do território chinês. Girava a dita em torno da relutância da Igreja – contradizendo a “estratégia de adaptação” desde o início adoptada pelos jesuítas – em reconhecer os costumes confucionistas locais de honrar os familiares falecidos. Para os chineses, tratava-se de um inquestionável e antigo ritual; para o Vaticano, um exercício religioso incompatível com o dogma católico. Na realidade, era o Governo francês quem ditava o comportamento dos católicos na China, bloqueando os esforços do Papa Leão XII (1823-1829) de tentar estabelecer relações directas com o Celeste Império. Houve mesmo, após a Revolução de 1911, padres reformistas e leigos católicos locais que denunciaram junto da Santa Sé o “chauvinismo e desdém em relação à China” por parte da maioria dos clérigos gauleses. Os seus confrades chineses eram sistematicamente discriminados e, como consequência, muitos deles abandonaram o Sacerdócio.

Podemos dizer, em boa verdade, que a missão do cardeal Celso Costantini (Delegado Apostólico entre 1922 a 1933) foi a de pôr em marcha o processo de “descolonização” eclesiástica, tendo pelo caminho conseguido convocar o primeiro Concílio da Igreja Católica na China (Xangai, 1924). Graças ao seu empenho seriam nomeados, em 1926, os primeiros seis bispos chineses e, em 1927, criado o Congregatio Discipulorum Domini, importante instituto religioso eclesiástico na China. Também contou com o seu apoio a inauguração da primeira universidade católica da era moderna – não esqueçamos o Colégio de São Paulo, em Macau, essa sim a primeira universidade ocidental na China –, a Universidade Fu Jen, hoje sediada na Formosa.

Só após a guerra, em 1946, numa altura que eram já quatro milhões os membros da Igreja Católica na China, seria elevada à categoria de Nunciatura a Delegação Apostólica sedeada em Pequim. No mesmo ano, Pio XII estabeleceu a hierarquia episcopal chinesa, “reconhecendo a sua responsabilidade e autonomia de governo em relação às instituições ocidentais”. Também aqui houve a “mão” do cardeal Celso Costantini, que continuara a apoiar o florescimento da Igreja Católica na China, mesmo após ter sido nomeado em Roma, em 1935, secretário da Propaganda Fide. Só a 8 de Dezembro de 1939, esta instituição – a pedido do Papa Pio XII – adoptaria uma nova estratégia de missionação, deixando de considerar supersticiosos os costumes chineses, antes “uma maneira honrosa de estimar os familiares e, portanto, permitidos pela Igreja Católica”.

O Governo da então República da China estabeleceu relações diplomáticas com o Vaticano em 1943, três anos depois de o cardeal Celso Costantini ter registo profeticamente no seu diário o seguinte: “Se a Itália apoiar Hitler nesta guerra, estará a aliar-se ao Anticristo”. Costantini, um conselheiro próximo de Pio XII, possuía uma intuição que poucos dos seus contemporâneos conseguiam igualar. Os seus diários oferecem acutilantes olhares sobre as grandes questões da época – a ocupação nazi, a queda de Mussolini, o tumultuoso fim da monarquia italiana e o nascimento da democracia republicana. Costantini ocuparia ainda o cargo de secretário do Dicastério Missionário até 1953, cinco anos antes da sua morte, ocorrida 17 de Outubro de 1958.

Em Setembro de 2016, a Conferência Episcopal da região italiana de Triveneto anunciou ter emitido um parecer favorável para o início do processo de beatificação do cardeal Celso Costantini (1876-1958), “figura de grande entusiasmo missionário e caridade pastoral, bem como evangelizador da China originário da Diocese de Concordia-Pordenone”.

Joaquim Magalhães de Castro

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