Sacrifício corporal e espiritual
“Agradeçamos ao Santo Padre, com obras e com oração, a convocação deste jubileu especial, verdadeiro tempo de graça para a Igreja e para o mundo.
Queridíssimos: que Jesus me guarde as minhas filhas e os meus filhos!
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação (2 Cor 1, 3), que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou: estando nós mortos pelos nossos pecados, deu-nos a vida em Cristo (…) e com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar lá nos Céus com Jesus Cristo (Ef 2, 4-6).
Palavras de S. Paulo que ajudam a centrar, desde o início, o que me proponho transmitir-vos com estas linhas. Leva-me a escrever-vos o desejo de que nos preparemos o melhor possível para viver o Ano da misericórdia, convocado pelo Papa Francisco, por ocasião dos cinquenta anos do encerramento do Concílio Vaticano II. Começará, como sabeis, no próximo dia 8 de Dezembro, e terminará na solenidade de Cristo Rei, no dia 20 de Novembro de 2016.
Quando o Santo Padre comunicou o seu propósito de convocar este ano santo extraordinário, sentimos a alegria cristã de que coincida com a parte final do ano mariano pela família, que estamos a viver na Prelatura. Entendemo-lo como outro sinal da protecção de Nossa Senhora, que invocamos na ladainha como Regína famíliæ e Mater misericórdiæ.
Com a intercessão da nossa Mãe, acolhemo-nos à bondade do Senhor, refúgio seguro e sempre disposto a atender as nossas petições e a remediar as nossas necessidades pessoais. Da misericórdia divina, podemos conseguir um aumento da caridade, da compreensão, da fraternidade, do interesse pelas almas, pois – como membros da Igreja – queremos contribuir para «dar um sentido mais humano ao homem e à sua história». Caminhemos dia após dia com uma sólida esperança: o Céu não deixa de nos dar os meios para nos encher de paz, seguros de que a Trindade Santíssima está sempre atenta à Criação. Como recorda o Papa Francisco, ascendamos a partir das criaturas para contemplar a mão paternal e amorosa de Deus.
Agradeçamos ao Santo Padre, com factos e com oração, a convocatória deste jubileu especial, verdadeiro tempo de graça para a Igreja e para o mundo. A todos nos enche de júbilo acolher o apelo do Pai comum para procurarmos Nosso Senhor com mais intimidade, na vida interior e na celebração dos sacramentos – sobretudo o da Penitência e o da Eucaristia – e também nas manifestações concretas de caridade fraterna com o próximo. Se formos dóceis ao Espírito Santo, configurar-nos-emos mais com Jesus Cristo e assemelhar-nos-emos mais ao Pai do Céu, cujo rosto misericordioso nos foi revelado em Jesus Cristo.
S. Josemaría ensinou-nos a encher os caminhos da terra com a misericórdia que Jesus Cristo trouxe ao mundo, e concretizou: a nossa entrega ao serviço das almas é uma manifestação da misericórdia do Senhor, não só para connosco, mas para com toda a humanidade. Avancemos guiados pela mão do nosso Padre para colaborar com o Senhor, para que superabunde, em cada um dos cristãos e em todos os homens de boa vontade, a corrente de amor misericordioso que, do Coração ferido de Jesus, se derrama continuamente sobre a humanidade.
Com estes sentimentos e desejos vos convido, minhas filhas e meus filhos, a começar com verdadeiro Amor e alegria o Ano da misericórdia. Inspirar-nos-emos nos ensinamentos da Sagrada Escritura, cujas páginas constituem um canto maravilhoso à clemência divina. E deter-nos-emos de modo especial no exemplo de Cristo, na Sua vida e nos Seus ensinamentos, procurando seguir, nesta intimidade de vida com o Redentor, os passos de S. Josemaría, que voltava constantemente o seu olhar para a figura do Bom Pastor que entrega todo o Seu ser pelas Suas ovelhas (cfr. Jo 10, 1-18), e que nos sugeria, a nós e a tantos outros homens e mulheres, que olhássemos cada vez mais para o Senhor do Céu e da Terra.
A misericórdia de Deus para com a humanidade
Também o Antigo Testamento proclama em muitas das suas páginas a insondável misericórdia de Deus para com as Suas criaturas. O Senhor é clemente e compassivo, lento para a ira e rico em misericórdia. O Senhor é bom para com todos, e a Sua misericórdia estende-se a todas as Suas obras (Sl 144 [145] 8-9). E os profetas não se cansam de alertar: convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque é clemente e compassivo, lento para a ira e rico em misericórdia, e dói-Se com o mal que se faz (Jl 2, 13).
Na Última Ceia, o Senhor rezou – segundo a tradição judaica – o Grande Hallel ou o grande canto de louvor, um Salmo que enumera as maravilhas realizadas por Deus na Criação e na História. E no final de cada versículo, repetem-se como um estribilho as seguintes palavras: porque a Sua misericórdia é eterna (Sl 135 [136]).
«Em virtude da misericórdia, todos os acontecimentos do Antigo Testamento aparecem cheios dum valor salvífico profundo». E esta qualidade manifesta-se também em plenitude no Novo Testamento, mediante a encarnação redentora do Filho de Deus. O próprio Jesus, ao oferecer a Sua vida no Sacrifício cruento da Cruz, ao instituir a Eucaristia e os outros sacramentos, constituiu esse ato supremo de Amor como conteúdo fundamental da misericórdia divina.
Voltemos com frequência às passagens do Evangelho que manifestam a compaixão e a compreensão de Jesus Cristo para com a humanidade, desde o Seu nascimento em Belém até ao holocausto no Calvário. Detenhamo-nos com constância em tantas demonstrações da Sua compassiva misericórdia: quando curava os doentes e libertava os endemoninhados, quando alimentava as multidões famintas, quando repartia, a mãos cheias, o pão da doutrina, quando saía ao encontro dos pecadores arrependidos e lhes perdoava, quando escolhia os discípulos, quando os repreendia com palavras ou com o olhar, quando chamava os Apóstolos para os mandar por todo o mundo, quando nos deu a Sua Mãe por nossa Mãe, quando nos enviou o Espírito Santo prometido, etc. Em qualquer das Suas obras e das Suas palavras, o Senhor mostra com clareza o rosto clemente de Deus Pai.
O mesmo acontece ao longo da História da Igreja, depois da Ascensão de Jesus Cristo ao Céu. No meio das luzes e sombras que surgem no caminhar dos cristãos, nunca faltaram as intervenções da indulgência divina. Por meio do Espírito Santo que habita na Igreja, e com a presença real de Cristo na Eucaristia, além da intercessão sempre actual da Santíssima Virgem, revelam-se-nos as torrentes de misericórdia que se derramam constantemente sobre o mundo. Não paremos de o agradecer ao nosso Pai celestial. Abramos de par em par as portas do nosso coração, e procuremos que também outras pessoas se deixem embeber pela graça divina.
As obras de misericórdia corporais
A doutrina católica sintetizou assim as obras de misericórdia corporais: «Dar de comer a quem tem fome, albergar quem não tem teto, vestir os nus, visitar os doentes e os presos, sepultar os mortos. Entre estes gestos, a esmola dada aos pobres é um dos principais testemunhos da caridade fraterna e também uma prática de justiça que agrada a Deus». Todas, afinal, põem em prática o mandátum novum (Jo 13, 34), o mandamento novo da caridade, que Jesus Cristo nos entregou. Seguindo esta recomendação do Salvador, a Igreja manifestou sempre um amor de predilecção pelos pobres, os doentes, os desamparados, as pessoas que carecem de lar… E teve presentes aquelas palavras do Senhor no juízo final: em verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequenos, a Mim o fizestes (Mt 25, 40). Com a parábola do bom samaritano, Jesus mostrou que a nossa caridade se abre a toda a pessoa humana.
No Opus Dei, parte viva da Igreja, insistem-nos em que nunca abandonemos as obras de misericórdia corporais. O nosso Fundador realizava-as já nos primeiros anos da Obra, com as suas visitas aos doentes dos hospitais de Madrid, com a sua dedicação generosa aos pobres mais pobres e pobres aos envergonhados que ocultavam as suas privações sob o véu de uma vida aparentemente normal. E assim ensinou a actuar às pessoas que se aproximavam do seu apostolado. Confiou essas actividades a Nossa Senhora, e assim nasceram no Opus Dei as visitas aos pobres da Virgem, que continuam a realizar-se em todos os lugares onde se encontram os fiéis da Prelatura. Ao sábado, dia dedicado a Santa Maria, convidam-se os jovens a dar esmolas que se destinam a ajudar quem precisa. Ajudando os pobres, honra-se a Senhora e exercita-se a caridade. Estas visitas são um meio de formação, porque fomentam a generosidade da juventude, e assim se cresce no amor.
Quantos jovens – rapazes e raparigas – e também pessoas adultas, ao descobrirem e considerarem as indigências mais prementes do próximo, descobriram Cristo pobre nesses irmãos ou irmãs, e melhoraram as suas disposições de serviço aos outros! O Senhor, infinitamente mais generoso, encheu as suas almas com graças especiais. Só Ele conhece as profundas conversões que muitos experimentaram, as decisões de entrega total ao serviço de Deus e da Igreja nascidas ao calor dessas visitas aos necessitados, aos idosos, aos doentes, aos presos…
Com o desenvolvimento da Obra de Deus, mediante a espontaneidade apostólica dos fiéis e dos Cooperadores do Opus Dei, as actividades de serviço material ao próximo foram adquirindo novas formas, de acordo com as situações das épocas e as circunstâncias dos diferentes lugares. Surgiram assim, no campo e nas periferias das grandes cidades, escolas para a formação profissional de pessoas de ambientes muito diversos, dispensários médicos e hospitais em bairros degradados destinados a pessoas sem recursos, e multiplicaram-se as actividades assistenciais – como as ONG’s para ajudar países menos desenvolvidos, ou os bancos alimentares em países considerados mais desenvolvidos, para citar apenas alguns exemplos –, que em momentos de crise económica, como os actuais, permitem a muitos homens e mulheres superar as carências materiais próprias e as das suas famílias.
As obras de misericórdia espirituais
S. Josemaría confiava-nos: atrevo-me a dizer que, quando as circunstâncias sociais parecem ter banido de um ambiente a miséria, a pobreza ou a dor, precisamente então se torna mais urgente esta delicadeza da caridade cristã, que sabe adivinhar onde há necessidade de consolo, num meio de aparente bem-estar geral.
Pensemos que os gestos de amor ao próximo não se limitam a uma contribuição material, por mais necessária que ela seja. O Romano Pontífice lamenta que «a pior discriminação que os pobres sofrem é a falta de atenção espiritual». A Igreja sempre se caracterizou, ao longo da sua História, pela promoção das obras de misericórdia espirituais, tão reais e sempre actuais: «Dar conselho a quem dele precisa, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as ofensas, suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo, rezar a Deus pelos vivos e defuntos».
Que fina é esta caridade espiritual! E como é imprescindível nestes tempos actuais, quando tantos e tantas sofrem de solidão, de incompreensão, de perseguições, de maledicências e calúnias, ou então se debatem na dúvida, sem conhecer o caminho que conduz ao Céu! Porque a generalização dos apoios sociais – que tornam hoje possível conseguir resultados humanitários que noutros tempos nem se sonhavam – contra as pragas do sofrimento ou da indigência, nunca poderá suplantar, porque esses remédios sociais estão noutro plano, a ternura eficaz – humana e sobrenatural – do contacto imediato, pessoal, com o próximo: com aquele pobre de um bairro próximo, com aquele outro doente que vive a sua dor num hospital imenso, ou com aquela outra pessoa, rica talvez, que carece de um tempo de afectuosa conversa, de uma amizade cristã para a sua solidão, de um amparo espiritual que remedeie as suas dúvidas e os seus cepticismos.
Recordemos aquele episódio da mendiga a quem S. Josemaría apenas pôde oferecer a sua dedicação espiritual e o seu afecto humano sacerdotal. Como retribuição, a mulher decidiu oferecer a sua vida pela Obra. Ao reencontrá-la mais tarde num hospital e conhecer a oferenda dirigida ao Senhor por aquela mendiga, qualificou-a como a primeira vocação de entre as suas futuras filhas.
Entre as numerosas acções de solidariedade ou de fraternidade cristã, detenho-me só em algumas: ensinar o que não sabe, dar conselho a quem precisar, perdoar as ofensas. São demonstrações de uma caridade esmerada que temos de praticar com todos, e especialmente com aqueles que se encontram mais perto de nós: os membros da nossa família, os amigos e colegas de trabalho, os conhecidos…
Apostolado da Confissão
Outra obra de misericórdia espiritual especialmente importante consiste em ajudar a que as pessoas recuperem a amizade com Deus, perdida pelo pecado. Quanto insistiu S. Josemaría – e o Bem-Aventurado Álvaro del Portillo – no apostolado da confissão! Também eu vos tenho falado frequentemente deste assunto, pois não há possibilidade de alguém progredir no conhecimento e amor de Jesus Cristo sem cuidar da limpeza da sua alma, sem o recurso frequente ao sacramento da Penitência.
O Papa refere-se muito a este sacramento. Na bula de convocatória deste Jubileu, refere: «Bem convencidos, pomos de novo no centro o sacramento da Reconciliação, porque nos permite experimentar na própria carne a grandeza da misericórdia. Será para cada penitente fonte de verdadeira paz interior».
Meditemos ao mesmo tempo no conselho que o Fundador do Opus Dei – assim lho pedia a alma – dava aos seus filhos sacerdotes, aplicável a todos os presbíteros: a paixão dominante dos sacerdotes do Opus Dei (…) é dar doutrina, dirigir almas: pregar e confessar. Nisto tendes que vos gastar, sem medo de vos esgotardes, sem vos preocupardes com as contrariedades: qui séminant in lácrimis, in exsultatióne metent (Sl 125, 5), os que semeiam com lágrimas recolhem com alegria. A missão dos leigos, dos meus filhos e das minhas filhas, é encher de trabalho – e, por isso, de alegria – os seus irmãos sacerdotes, aproximando muitas pessoas do seu ministério.
Os confessores – escreve o Papa – representam já por si um «verdadeiro sinal da misericórdia do Pai. Ser confessor não se improvisa. Consegue-se quando, antes de mais, nos fazemos nós penitentes em busca de perdão. Nunca esqueçamos que ser confessor significa participar da mesma missão de Jesus e ser sinal concreto da continuidade de um amor divino que perdoa e que salva (…).
Com todo o afecto, abençoa-vos o vosso Padre”
+ Javier