Quando esta crónica for publicada estaremos, certamente, a um ou dois dias de zarpar para as Antilhas Holandesas. Uma segunda tentativa que espero que corra melhor do que a anterior. Pensamos ter tudo em ordem no veleiro mas, como a experiência nos tem ensinado, imprevistos acontecem nas piores alturas quando não se tem qualquer apoio oficial e dependemos apenas do nosso génio e do nosso curto orçamento.
A família está reunida desde meados de Dezembro e a Quadra Natalícia foi passada com grande animação e na companhia de um outro velejador português – um professor do Ensino Superior reformado que saiu de Portugal há uns anos com o seu pequeno veleiro de 33 pés (está à venda por um preço muito convidativo e em excelentes condições, apesar de ser um barco dos anos 70) e que já passou por Cabo-Verde, pelo Brasil (onde ficou mais tempo visto ser casado com uma senhora brasileira) e está agora nas Caraíbas. Conhecemo-nos aqui no ancoradouro de Fort de France, estava eu na faxina num final de tarde. Veio a nadar até ao nosso veleiro intrigado com a bandeira portuguesa.
Ainda não o conhecíamos pessoalmente mas já tínhamos conhecimento de que estaria nesta zona, porque temos amigos comuns que nos foram falando da existência de outro velejador português. É que não somos muitos, o que causa curiosidade em quem nos vai conhecendo. Ele também sabia de nós, mas não conhecia o Dee.
O professor José partilhou a Ceia de Natal a bordo do nosso veleiro. Comeu bacalhau cozido com batatas e legumes, e bolo-rei – uma ceia, segundo ele, completamente inesperada porque se dizia pronto para celebrar o Natal sem qualquer sabor da consoada de Portugal e sem qualquer companhia. Não comemorou connosco o fim de ano dado que poucos dias após o Natal levantou âncora e rumou a Norte. Ia com destino a St. Martin, tendo um encontro marcado com a tripulação do El Caracol, na ilha de Monserrate. Depois de vários meses entre Bonaire e Curacao, nas Antilhas Holandesas, o El Caracol decidiu colocar termo à tentativa de dar a volta ao mundo e irá regressar a Portugal ainda este ano. O catamaran foi adquirido, com a nossa ajuda, na ilha de Santa Lúcia, quando os proprietários e os filhos ainda viviam em Macau, tendo passado um ano nas Caraíbas antes de rumar ao Panamá, aportando nas Antilhas Holandesas.
A nossa passagem de ano foi assinalada por volta das oito horas locais. No final do jantar, ainda com a Maria acordada, fizemos um pequeno fogo-de-artifício (uns pauzinhos de estrelas para crianças) e uns brindes entre nós – a Maria não consegue aguentar até à meia-noite e nós muito a custo.
A título de curiosidade, o final do ano em Martinica é assinalado na noite de 30 para 31 de Dezembro. Houve fogo-de-artifício no forte de São Luís e o ancoradouro ficou repleto de barcos que vieram de todos os lados para assistir ao espectáculo. Por falta de coordenação das autoridades, que não se deram ao trabalho de avisar quem aqui estava ancorado de que iria haver necessidade de uma área de segurança, fomos obrigados a mudar de local durante a noite quando já dezenas de embarcações se movimentavam na zona. Uma manobra bastante complicada e perigosa que as autoridades poderiam ter evitado com um pouco mais de coordenação, avisando atempadamente. Esta falta de zelo valeu-lhes inúmeras críticas, nomeadamente dos vários barcos franceses que aqui estavam ancorados e que também foram obrigados a deslocarem-se. No próximo ano já não devem repetir a asneira.
Relativamente ao fogo-de-artifício, foi de excelente qualidade e prolongou-se por quase uma hora, iluminando o céu por cima dos nossos veleiros, acompanhado de uma banda sonora interessante. No jardim e no forte estiveram milhares de pessoas a assistir ao espectáculo. Depois do fogo foi a vez da música que se prolongou até altas horas da madrugada.
Pelo que ficámos a saber, o Governo da ilha assinala a passagem de ano em antecipação para que na noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro todos possam estar em família ou com os amigos.
O evento teve início de manhã cedo e incluiu várias actividades, desde provas de natação, parques de diversões para as crianças, corridas e regatas, culminando num grande concerto ao ar livre num enorme palco montado no parque da cidade, mesmo de frente para o ancoradouro onde nos encontramos.
Com o regresso da NaE ficou decidido que não iríamos sair de Martinica antes do aniversário da Maria (7 de Janeiro). E como dia 8 é uma sexta-feira, dia de mau augúrio para quem vive a bordo (sexta-feira é o dia da morte de Cristo e os navegadores, desde tempos imemoriais, recusam-se a velejar nesse dia) deveremos sair ou no sábado ou no Domingo para uma viagem que deverá demorar quatro a cinco dias.
Esperamos na próxima crónica já ser capazes de dizer como correu a experiência e dar a conhecer um pouco do nosso dia-a-dia quando estamos em alto-mar.
JOÃO SANTOS GOMES