Cardeal de Hong Kong volta a defender democratização do sistema político

Serenidade sem medo

É a segunda carta que D. John Tong dirige aos fiéis em menos de um ano sobre a reforma do sistema político de Hong Kong. O cardeal volta a defender a democratização do processo de escolha do Chefe do Executivo, pedindo o empenho de todos no projecto agora em curso. No entanto, afasta-se dos partidos e movimentos mais radicais, dada a importância de salvaguardar a integridade da República Popular da China.

O cardeal D. John Tong considera que a meta do sufrágio universal, como estipula a Lei Básica de Hong Kong, não poderá ser alcançada sem um comité de nomeação «amplamente representativo» e sem que os procedimentos adoptados sejam «genuinamente democráticos». Para o bispo de Hong Kong «não deverá haver restrições excessivas ou injustas na escolha dos candidatos [a Chefe do Executivo]».

Em carta pastoral datada de 30 de Maio, dirigida aos «estimados Irmãos e Irmãs em Cristo», o prelado diz acreditar que «através do diálogo sincero e de uma acção responsável é possível implementar em Hong Kong um modelo eleitoral genuinamente democrático», quebrando assim «o actual impasse» em que se encontra a reforma eleitoral e ao mesmo tempo «promover o bem comum e o amor nas pessoas de Hong Kong e do País».

Neste âmbito e recuperando o que tem sido a mensagem da Diocese noutras missivas, o cardeal afirma que «a justiça não pode ser alcançada através do confronto ou da violência, mas pelo diálogo mútuo e os esforços concertados e pacíficos de todas as partes envolvidas», reforçando que «sem justiça não pode haver verdadeira paz e estabilidade na sociedade».

Logo nas primeiras linhas, a carta esclarece o propósito da mensagem, com D. John Tong a frisar que «a reforma eleitoral e o sufrágio universal» também preocupam «os cristãos», porque «um sistema político aberto está intimamente ligado ao bem-estar da sociedade». Contudo, salvaguarda que «embora os católicos sejam fortemente encorajados a participar na política, a Igreja não é um partido político», como afirmou recentemente o Papa Francisco.

Ao invés de pedir aos deputados a rejeição prévia do pacote de medidas apresentado pelo Governo liderado por CY Leung, a Diocese de Hong Kong, pela voz de D. John Tong, deixa três recomendações:

Em primeiro lugar, o incentivo ao trabalho em conjunto com o objectivo de harmonizar as «diferentes posições e terminar com mal-entendidos, declarações falsas e a desconfiança» entre os intervenientes no processo da reforma política.

Em segundo lugar, o esforço concertado entre as partes por forma a remediar o «défice democrático e outras deficiências patentes» no documento actualmente em discussão.

E, por último, independentemente da proposta ser aceite ou rejeitada, que «os fiéis continuem a rezar e a apoiar novos esforços para encontrar soluções constitucionais e morais que contribuam para a paz e o bem-estar da sociedade de Hong Kong».

A terminar, o bispo de Hong Kong pede que rezemos para que, «com sabedoria e discernimento, possamos ver o que é realmente bom para a sociedade de Hong Kong. Tenhamos força para o alcançar e a coragem para falar verdade com clareza e caridade».

O cardeal pede também que rezemos por quem detém o poder para que continue a servir a população, «especialmente os mais fracos, os marginalizados e os mais necessitados».

O pedido de oração estende-se ainda aos mais jovens: «Rezem para que os jovens, que são o futuro de Hong Kong, não se sintam enganados e traídos pelos mais velhos, ou por aqueles que detêm a autoridade. Para que não sejam levados ao desespero por falta de esperança e impotência».

Para tal, no entender de D. John Tong, é igualmente necessário rezar para que «os nossos deputados, na hora da votação, ajam de acordo com a sua consciência», tendo em consideração o bem comum. «Que a sua avaliação seja justa e verdadeira», aponta, reforçando a ideia de que «qualquer que seja o resultado da votação, ainda haverá esperança para um amanhã melhor».

 

Soft Power

D. John Tong volta a escrever sobre o processo de reforma política em Hong Kong quase um ano após a publicação da carta pastoral de 15 de Agosto de 2014 – cerca de um mês antes do início da Revolução Guarda-Chuva – e depois de pontualmente, aqui e ali, ter intervindo sempre que solicitado ou quando esteve em causa a imagem da Diocese que lidera desde Abril de 2009.

Num breve exercício de comparação, a maior diferença entre as duas cartas está no actual incentivo do bispo a todos os que acreditam numa reforma credível do sistema político, para que pacificamente não desistam e continuem a lutar pelos objectivos traçados, mesmo que a votação do LegCo não venha a ser favorável às suas pretensões.

O recado está dado: a Diocese de Hong Kong e o seu bispo estão ao lado dos reformistas, desde que não enveredam por posições e acções radicais, pois acima de tudo está a integridade do País.

Este posicionamento não é novo, indo ao encontro das últimas medidas do Governo de D. John Tong, sendo o exemplo mais paradigmático o afastamento do cardeal emérito de Hong Kong, D. Joseph Zen, da linha da frente das manifestações de rua.

A estratégia passa agora por fomentar a reunião dos fiéis, dando primazia aos grupos de leigos – bem activos em Hong Kong, – cujos membros podem influenciar o poder político.

A saída precipitada para a rua, levando a que Igreja possa ser conotada aos partidos políticos e movimentos mais radicais, tem sido desincentivada desde o final dos protestos, até porque cabe a Hong Kong – e Macau – a missão de aproximar a Santa Sé e Pequim. O extremar de posições apenas levaria ao agravar do divórcio entre o Vaticano e a República Popular da China.

José Miguel Encarnação

jme888@gmail.com

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