Campanha do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas

Agora a culpa é das árvores.

Uma das provas mais evidentes de que Portugal está entregue a uma quadrilha de incompetentes e tresloucados é a campanha de prevenção de incêndios levada a cabo no início deste ano pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), em colaboração com o Ministério da Administração Interna. Provavelmente a mais desastrosa das iniciativas alguma vez lançada por esses organismos seria agravada, dias depois, por um ameaçador e-mail enviado a todos contribuintes pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Ora, essa missiva continha informações altamente enganadoras, pois dava a entender que as pessoas eram obrigadas a abater todas as árvores e arbustos que se encontrassem a menos de cinquenta metros de suas casas.

Ei-la: “Antes que seja tarde, antes que o atinja a si, limpe o mato 50 metros à volta da sua casa e 100 metros nos terrenos à volta da aldeia. Até 15 de Março é obrigatório e vital. É obrigatório: Limpar o mato e cortar árvores: 50 metros à volta das casas, armazéns, oficinas, fábricas ou estaleiros; 100 metros nos terrenos à volta das aldeias, parques de campismo, parques industriais, plataformas de logística e aterros sanitários; limpar as copas das árvores 4 metros acima do solo e mantê-las afastadas pelo menos 4 metros umas das outras; cortar todas as árvores e arbustos a menos de 5 metros das casas e impedir que os ramos cresçam sobre o telhado”.

Logo depois era feita a ameaça: “Se não o fizer até 15 de Março, pode ser sujeito a processo de contraordenação. As coimas podem variar entre 140 a 5 mil euros, no caso de pessoa singular, e de 1500 a 60 mil euros, no caso de pessoas colectivas. E este ano são a dobrar”. Atente-se ao teor “pidesco” da frase final, destacada do texto e começada por “e”.

Receosos dessa máquina de aterrorizar cidadãos – implacável caçadora de multas junto do pobre do mexilhão e displicente e branda para com os salafrários da mais vis espécies – muitos dos notificados, fossem eles meros cidadãos ou entidades públicas, como é o caso das autarquias, sem pensarem duas vezes, toca a cortar a eito as árvores que lhes davam sombra, a debastar os jardins que lhes embelezavam o espaço circundante, a dizimar os pomares que lhes garantiam a fruta fresca e biológica. E tudo isto, porque terão sido poucos os que se deram ao trabalho de ler a lei na sua totalidade, o que é natural. Afinal, quantos de nós escrutinamos ao pormenor as letras de tamanho bíblico presentes nos contratos, prescrições de medicamentos e papiros do género? A confusa mensagem (?) da referida campanha do ICNF, intitulada “Portugal Sem Fogos”, nem sequer menciona a Lei 76/2017, de 17 de Agosto, aplicável à situação em causa. Se a ela atentarmos verificamos que se restringe às zonas rurais e se circunscreve ao “controlo de matéria combustível”, isto é, “matos, matéria seca, árvores mortas, ramos e restos de abates ou zonas de produção florestal”. Ou seja, não se aplica aos espaços urbanos e “a árvores saudáveis e sem matéria combustível na copa ou debaixo dela e em zonas sem povoamentos florestais”. Acresce ao grave erro de comunicação o apertadíssimo prazo de quatro semanas, o que impediu qualquer possibilidade de debate público ou esclarecimento.

Não contente com o servicinho, a AT veio com ameaças de “multas a dobrar”, aliando-se com unhas e dentes às forças da ordem que castigaram os prevaricadores como se estes fossem criminosos do foro comum. Pelos vistos, já não se pode gostar de árvores em Portugal! Na verdade, não só a lei é uma péssima lei, pois incentiva o debaste infundado do mais diverso tipo de arvoredo, fundamental ao nosso bem-estar e ao bem-estar das demais criaturas, como não passa de uma infame campanha de desinformação que levou os cidadãos a fazerem absurdos cortes de árvores. Nem os jardins escaparam! Um dos casos mais sintomáticos é o da Câmara Municipal de Setúbal, onde um indivíduo de apelido Pisco mandou abater mais de um milhar de árvores para prevenir os incêndios. Como disse um dia Henry Thoreau, filósofo e naturalista americano, “qualquer idiota pode fazer uma regra e qualquer idiota a seguirá”. Em frente, pois, com o gadanho e a motosserra. Pelos vistos, o exemplo vem de cima. É conhecido o ódio à natureza do edil lisboeta Manuel Salgado e o próprio António Costa disse, a 28 de Fevereiro passado, num debate na Assembleia da República, o seguinte: “Sobre a limpeza das matas mais vale cortar a mais do que a menos, quanto mais cortar menos risco existe”. Mas o que é isto?

Era tão simples resolver a questão e rever essa lei. Limpar, sim, mas há que ter bom senso, anulando, desde já, a regra dos quatro metros entre árvores – pois não é por ficarem mais espaçadas entre si que as árvores deixarão de arder. Convém não esquecer que o mato agora cortado permitirá o desenvolvimento de herbáceas que no fim do Verão serão já excelente pasto de chamas. Além do mais, é preciso ter em conta ainda que alguns tipos de corte expõem irremediavelmente o solo à erosão.

Em suma: o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas demonstrou ser uma entidade irresponsável, pois não só não faz o faz que lhe compete (defender os nossos já raros espaços verdes), como incita à sua destruição. E isso é, tão só, um acto de lesa nação. Não vale a pena tentar dourar a pílula.

Joaquim Magalhães de Castro

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