Em tempos assisti a um interessante documentário sobre uma casta muito especial de madeirenses. Falo dos ilhéus convertidos ao protestantismo no século XIX que, vítimas de perseguição, abandonaram o arquipélago em 1846, tendo buscado refúgio no continente americano numa peregrinação rumo a oeste. Primeiro em Trinidad e Tobago. Depois em Springfield, no Estado de Illinois. Daí para São Francisco foi um passo. E da Califórnia para o Havai, outro. Nessa ilha do Pacífico passaram a ser conhecidos por “bagaços” ou “bagaceiros”. Os responsáveis pelo termo pejorativo eram outros portugueses, madeirenses como eles, mas católicos, que tinham rumado ali em vagas sucessivas para trabalhar nas plantações da cana-de-açúcar na sequência de um acordo assinado entre os monarcas havaiano e português. Mas que bela matéria para o cineasta Sam Mendes (American Beauty, lembram-se?), descendente de uma dessas famílias de madeirenses protestantes! Será que um dia ousará o galardoado por Hollywood levar à pantalha a odisseia dos seus antepassados? Ou admitirá ele ignorância, como o fez um dos entrevistados desse documentário – um reverendo originário de Kentucky, antigo combatente no Vietname, hoje à frente de parte dessa comunidade de madeirenses errantes – confessando, «com toda a sinceridade», que quando ali chegara «pensava que os portugueses eram espanhóis»?
Já nem vale a pena falar da nossa, agora já histórica, derrota frente à Grécia na final do Euro 2004. Sinal do nosso falhanço – e já que estamos no campo da sétima arte – é o facto de Spielberg, ou qualquer outro dos muitos realizadores ou produtores de origem judaica, não se terem lembrado ainda de recriar na tela o percurso altruísta do diplomata Aristides de Sousa Mendes, que comprometeu o seu futuro e o da sua família para salvar a vida a milhares de refugiados judeus ameaçados pelo terror nazi.
Sinal do nosso falhanço é empresários portugueses chegarem à conclusão que, da China, “agora só restam os ossos” que “já nem para uma sopinha chegam”, pois, como dizia Joe Berardo, o ex-accionista da Portugal Telecom que resistiu com unhas e dentes à OPA de Belmiro de Azevedo, «quem viu o que nós vimos em Xangai acha que pode vir à China ensinar-lhes o quê?».
Sinal do nosso falhanço é os chineses praticamente desconhecerem a cultura e a história de Portugal, como admitiu o jornalista Shui Junyi na entrevista que fez ao então Presidente Sampaio no canal 1 da CCTV. E logo nós, que por estas andanças, latitudes, nos movemos há quinhentos anos.
Sinal do nosso falhanço é o tímido assumir da costela portuguesa por parte da mulher do senador Kerry e o mentor do projecto Jamiroquai, Jay Kay, ter problemas em assumir a sua ascendência pelo facto do pai, o lado luso deste músico britânico, ser um homem violento e agredir a própria esposa, etc., etc., etc…
O estúdio de Dino de Laurentis ardeu aqui há uns tempos, e logo quando se preparava a rodagem de mais uma série, a milésima, quiçá!, relativa aos desmandos do Império Romano. Mas não se preocuparam os produtores pois nova epopeia, a enésima, talvez!, sobre o mítico rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda estava na forja, pronta a sair. Outros sucessos, “Troy” e “Alexander”, se seguiriam. Mesmo assim, os gregos queixaram-se porque acharam mal admitir publicamente a homossexualidade do helénico herói… Entretanto, o mundo continua em falta para connosco. Ou melhor dizendo: continua em falta para com o nosso incrível passado histórico.
Felizmente pessoas mais ou menos anónimas como Richard “Rik” Lagarto, escritor e encenador australiano de origem portuguesa, fazem o que podem para alterar o panorama. Lagarto pôs em cena a controversa peça de teatro “Marinheiro” que, nas entrelinhas, lá vai dizendo que muitos anos antes de Cook, navegadores portugueses espreitaram a orla costeira desse novo continente onde constava que havia muito ouro… Eis um bom exemplo de como se pode ir ensinado os factos históricos como eles são, sem deixar de denunciar torpezas e vis actos praticados nessa altura.
O nacional falhanço, aliado a um masoquista cultivo da pobreza de espírito, remete-nos para os comentários proferidos por um dos convidados da jornalista Judite de Sousa no espaço Grande Entrevista. Manuel Paiva é cientista, físico mais exactamente, e já trabalhou para a agência espacial NASA. Um dos primeiros portugueses a ter esse privilégio. Dizia Paiva, a propósito do seu regresso à pátria, muitos anos depois da partida: «Voltei com a ingénua ideia que as mentalidades tinham mudado, mas depressa me apercebi que estava errado. Em Portugal o mérito continua a não valer grande coisa».
Paiva destacou-se na NASA pelos seus trabalhos sobre a imponderabilidade no espaço e a sua importância para os astronautas. Falou da possível ida do homem a Marte, sem se esquecer de estabelecer paralelos entre a conquista do espaço e as viagens marítimas portuguesas – que o incontornável Carl Sagan, num profundo desprezo por todos nós, ignorou numa sua obra sobre as descobertas da humanidade. Algo que nunca lhe poderemos perdoar, por maior que tenha sido o seu mérito.
Num espaço de entrevista onde habitualmente só aparecem políticos e trutas do género, ouvir Manuel Paiva foi um grande/pequeno passo em direcção à mudança.
Joaquim Magalhães de Castro