Audiovisuais da Toxicodependência Emocional

Cristina e outras excrescências

Fiquei a semana passada a conhecer uma criatura chamada Cristina F. que, pelos vistos, é tida como uma das mulheres mais influentes de Portugal. E isto, à conta de uma revista de conteúdos femininos, de umas quantas marcas de produtos cosméticos, de uma mui frequentada conta no Instagram e, sobretudo, devido à sua função de apresentadora de programas de televisão, ou melhor, de co-apresentadora, pois a mencionada senhora era até há bem pouco tempo a eminência parda do dinossauro José Manuel Luís Goucha, da parte da manhã, e concorrente directa e a solo do rançoso concurso dirigido pelo anafado Fernando Mendes na auto-denominada “estação pública de televisão”, ao fim da tarde. Ah! Então – e isto sou eu agora a confidenciar para com os meus botões – aquela vozinha da cana rachada pertencia à Cristina de quem tanto se fala? Estou esclarecido. Passo, portanto, a associar nome de gente à dita senhora no momento em que ouço falar da transferência milionária do seu passe (sim, na televisão é como no futebol – já só lá se vai com milhares e milhões no bolso) da casa mãe TVI, essa central de embrutecimento e emissão do lixo que diariamente entra nos lares portugueses, para o canal concorrente SIC (idem aspas, aspas, no que se refere à função e ao conceito), pela módica quantia de 80 mil euros mensais, deixando assim órfão o Goucha e roídas de inveja a Júlia Pinheiro e a Fátima Lopes. Uma coisa é certa: só se perde uma freguesia e o galinheiro fica bem mais composto.

Como era previsível, houve quem se escandalizasse com o montante em causa e nas redes sociais manifestasse justificado desagrado, lembrando – e bem – que, em termos comparativos, aufere apenas dois mil euros de salário uma destacada investigadora na luta contra o cancro. Não recordo o seu nome, sendo o importante aqui salientar a relevância duma pessoa dessas para o bem-estar da humanidade em contraste com a insignificância e inutilidade de gente como a Cristina F. É, de facto, pornográfico o valor que essa apresentadora doravante irá empochar, pelo menos enquanto mantiver as audiências no patamar desejado, pois estou certo que no dia em que isso não acontecer será varrida da ribalta num pestanejar de pálpebras e nem o exagero no rímel a salvará.

Na minha modesta opinião, apresentador de palhaçadas televisivas é aquele que nada mais sabe fazer na vida. Não é profissão que se exiba publicamente, a menos que não se tenha vergonha na cara. Podemos ser e fazer muitas coisas e, nos tempos livres, fazermos de apresentadores de palhaçadas televisivas, agora sermos apresentadores de palhaçadas televisivas a tempo inteiro é abuso e função de quem mais nada sabe fazer além de ferir os tímpanos dos telespectadores e desencaminhar velhinhos e velhinhas a esturricar a magra reforma em telefonemas de valor acrescentado com a perspectiva ilusória de virem um dia a ganhar uns milhares de euros de uma assentada só. Esquecem-se de lhes dizer, como seria correcto, que a lógica televisiva é semelhante à aplicada nos casinos: os pouquíssimos que ganham, ganham aquilo que todos os outros perdem. A casa sai sempre incólume.

Mas falávamos dos indignados com os 80 mil da Cristina, que de imediato seriam alvos da fúria de um número indeterminado de advogados de causa alheia que de moral em riste saíram em defesa da pobre senhora argumentando que esses indignados “são mas é todos uns invejosos” e que se ela ia ganhar os 80 mil euros é “porque os merece”, etc., etc., o que me conduz a uma certeira afirmação que li há dias da autoria de um professor de filosofia espanhol chamado José Carlos Ruiz: “a felicidade tornou-se um instrumento de tortura. Vendem-nos a ideia de que a felicidade é algo instantâneo e fácil de adquirir. Trata-se, na realidade, de uma felicidade postiça e mercantil que nos transforma em toxicodependentes emocionais”. Ora, nem mais. A Cristina e terceiros apresentadores de palhaçadas televisivas não passam de disseminadores de toxicodependências emocionais e, por essa razão, constituem uma ameaça à sanidade mental dos cidadãos.

Neste capítulo – o da formação de toxicodependentes emocionais – e em muitos outros capítulos, a RTP não foge à regra: ferozmente concorre com o esterco sem qualquer pudor nem vergonha, enfiando diplomaticamente na gaveta o conceito de serviço público. A filosofia é esta: se eles descem baixo, nós descemos mais abaixo ainda. Temos agora, por exemplo, o cinéfilo Mário A., importado da SIC em tempo recorde (e certamente não foi porque na televisão pública passasse a auferir de salário mais baixo), a prestar esse gigantesco serviço público que é entrevistar estrelas do Hollywood e promover filmes de milionário orçamento (quantas das vezes de dúbia qualidade), como se isso acrescentasse uma pevide que fosse ao interesse nacional. Aliás, aquilo na RTP é um regabofe. A quantidade de comentadores ao seu serviço e, por conseguinte, na sua folha de pagamentos, chega a assustar. Eu, que raramente vejo televisão, já lhes perdi a conta. Sabem uma coisa? A continuar assim, privatize-se a dita. E ontem já era tarde.

Joaquim Magalhães de Castro

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