Atlantic Rally Crossing

Vida e morte fazem parte do dia-a-dia. São uma constante que não é possível mudar e que nos mantém, permanentemente, em cheque. Há dias vi partir uma pessoa muito querida, a minha última memória de infância relativa aos meus avós. O meu avô paterno morreu quando eu era ainda jovem, o avô materno morreu já eu vivia na Ásia, assim como a avó paterna. Desta vez foi a avó materna, fechando um ciclo de boas memórias que começam a desvanecer. Resta-me agora tentar imortalizá-las.

Desta avó guardo as mais queridas lembranças. Foi com um misto de saudade e tristeza que recebi a notícia da partida. Triste, por um lado, mas também de certa forma feliz por, finalmente, ter visto o seu calvário terminar. Desde o falecimento do marido – aconteceu à sua frente sem que nada fosse possível fazer face ao fulminante ataque de coração que sofreu – estava dependente de terceiros. Nos primeiros meses ainda insistiu em ficar em casa sem que ninguém a assistisse, mas os filhos viram-se obrigados a procurar ajuda profissional. Os últimos anos de vida foram passados numa cama devido à débil saúde e à avançada idade, com constantes idas ao hospital. Como mulher activa que era, agricultora que trabalhava desde o nascer do Sol até à noite e sem nunca ter tido férias, penso que se tivesse tido a oportunidade de escolher não queria estar acamada. Infelizmente não foi possível porque a sanidade mental foi-se com o choque da morte do marido.

Entretanto, revimos velhos amigos. Quem nos segue deve lembrar-se que ao sairmos de St. Thomas, nas Ilhas Virgens Americanas, deveríamos tê-lo feito com um casal germano-americano. Por diferentes vicissitudes tal não foi possível e acabámos por seguir rotas diferentes. Mas, passados quase dois meses, eis que nos bateram à porta. Bom, não foi bem à porta, foi mais no casco do veleiro.

July e Gunner e os seus dois enormes cães estão agora ancorados mesmo atrás do Dee e têm passado algum tempo connosco, trocando experiências e revivendo histórias do que passámos em St. Thomas quando fomos “vizinhos”, apesar de ancorados em lados opostos da baía.

No dia 16 estiveram a jantar no nosso veleiro para comemorar mais um aniversário a bordo, desta feita o da minha mulher.

Com a chegada da época alta da vela nestas paragens, o vaivém de veleiros e barcos a motor é uma constante em Rodney Bay. A baía está constantemente cheia e muda de ocupantes diariamente. É impressionante ver tantos barcos de tantos tamanhos e formas, e pessoas vindas dos mais variados países. Mas o melhor ainda está para vir e iremos estar aqui para o presenciar. Quem se interessa por vela está a par do ARC (Atlantic Rally Crossing), uma travessia do Atlântico que se realiza anualmente, desde as Ilhas Canárias até St. Lucia.

Este ano participam mais de 300 veleiros, divididos em duas travessias (a ARC+, mais virada para competição, e a ARC, mais para o lazer) e provenientes dos mais diversos pontos do mundo. Falámos com a organização e a pergunta que nos fizeram foi porque é que o Governo de Macau não nos tinha apoiado para participarmos, ou pelo menos para estarmos presentes no ponto de chegada com as cores de Macau, dado que é um evento visto por mais de 500 milhões de pessoas em tempo real. Quando lhes tentámos explicar a falta de visão, a expressão facial é difícil de descrever. Mas a justificação mais hilariante que ouvi veio de um agente da polícia (membro da organização) que disse poder estar relacionado com o facto de St. Lucia reconhecer oficialmente Taiwan. Achei piada na ocasião pelo descabido da afirmação mas, sinceramente, nunca se sabe!

Voltando à ARC, sabemos que participa um veleiro de Portugal na categoria ARC+, pelo que esperamos ter a oportunidade de nos encontrarmos com a tripulação. Pelo acompanhamento que temos feito do rally, parece estarem em último lugar e com um atraso de dez dias na chegada. Deveremos pois regressar de Nova Iorque a tempo de os ver ancorar em Rodney Bay. Às vezes também é bom ser último!

Infelizmente teremos de ir aos Estados Unidos para renovar o meu passaporte e o da Maria, uma vez que Portugal não tem aqui representação diplomática. A mais próxima é na Venezuela mas, curiosamente, fica mais barato voar para os Estados Unidos do que para a Venezuela, mesmo sendo mais do triplo da distância. Singularidades do custo de vida na América Central, segundo me explicaram da embaixada de Portugal em Bogotá, na Colômbia.

Enquanto vos escrevo, não me canso de olhar em redor. O número de turistas e de veleiros faz lembrar a Praia da Rocha, em pleno mês de Agosto.

João Santos Gomes

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