ASSOCIAÇÃO DE REABILITAÇÃO FU HONG LANÇOU NOVA LINHA DE PRODUTOS

ASSOCIAÇÃO DE REABILITAÇÃO FU HONG LANÇOU NOVA LINHA DE PRODUTOS

Arte contra o estigma

O prolongado impacto económico da pandemia de Covid-19 deixou as associações de beneficência e as organizações de solidariedade social de Macau “agarradas à calculadora” e cada vez mais dependentes de mecanismos e estratégias que gerem receitas próprias. No caso da Associação de Reabilitação Fu Hong, os produtos concebidos pelos utentes da instituição sempre constituíram uma importante fonte de rendimentos, mas a impossibilidade de os vender em campanhas de rua tem vindo a limitar o sucesso dos esforços de auto-financiamento.

Paz, alívio, lazer e sonhos. Estes são os quatro conceitos que inspiram a mais recente linha de produtos de autor lançada pela Associação de Reabilitação Fu Hong, uma colecção de oito fronhas de almofada com diferentes motivos, concebidas pelos utentes da instituição.

Os adereços, cuja venda se tem revelado uma importante fonte de financiamento para a organização, estiveram no início do mês expostos ao público no Centro de Ciência de Macau, numa mostra também composta por sacos reutilizáveis, lenços, canecas e outros produtos que ao longo dos últimos anos despertaram um grande interesse junto da população local.

A exposição, que se prolongou por pouco mais de dez dias, teve como grande finalidade familiarizar os residentes de Macau sobre a relevância do trabalho desenvolvido pela Fu Hong em prol dos portadores de deficiência do foro intelectual, e também apelar à solidariedade e à dádiva, até porque a pandemia de Covid-19 continua a afectar a capacidade da associação para gerar receitas. «Outubro e Novembro costumavam ser os meses em que nos dedicávamos à angariação de fundos. Em Macau é hábito vender-se selos no meio da rua, mas nós não o fazemos. Vendemos, isso sim, os nossos produtos. Não são caros, as pessoas compram-nos e o fruto dessa angariação de fundos reverte para o trabalho que conduzimos com os utentes no âmbito do desenvolvimento da Arte. Acreditamos que os podemos ajudar a reabilitar através da Arte», explicou Fátima dos Santos Ferreira, em declarações a’O CLARIM. «Por causa da pandemia, o nível de vendas baixou bastante. Não podemos utilizar os alunos na rua, por exemplo. Há dois anos que não o podemos fazer. É só através de iniciativas como esta e do passa-a-palavra que temos conseguido escoar os nossos produtos», acrescentou a presidente da Assembleia Geral da Associação de Reabilitação Fu Hong.

TALENTO EM BRUTO

Para a boa aceitação dos produtos comercializados pela Fu Hong contribuiu, em grande medida, a descoberta quase acidental da misteriosa arte de Leong Ieng Wai, um jovem autista com grandes dificuldades de expressão, mas com uma extraordinária capacidade artística. «A descoberta deste talento sucedeu meramente por acaso. Como ele[o artista]não fala, nós não sabíamos muito bem quem tinha sido o autor daqueles trabalhos. Alguém encontrou no chão uns papéis rabiscados, mas bem desenhados, com carros de todas as formas e feitios, bem detalhados, com pessoas dentro. Mas ele não se acusou. Deve ter julgado que o trabalho dele era outro e que não podia estar a fazer desenhos», contou Fátima dos Santos Ferreira.

O talento – bruto, mas ao mesmo tempo refinado – de Leong Ieng Wai deixou os funcionários e responsáveis pela Fu Hong estupefactos. Os trabalhos do artista, que se tornou conhecido pelo nome ou código “0.38”, foram transformados em adereços e objectos do dia-a-dia que depressa se tornaram um sucesso entre residentes e visitantes. «Os desenhos que faz são transformados em sacos reutilizáveis, copos, lenços ou meias. O fruto desse trabalho reverte para o artista, para lhe comprarmos roupa. Tudo para que ele também se possa sentir orgulhoso do seu aspecto», sublinhou a dirigente. «Há dois anos fizemos lenços que tiveram uma procura extraordinária. É verdade que também houve alguma sorte porque foi o ano do vigésimo aniversário da transferência[da soberania de Macau para a China]. Muitas associações tinham festas organizadas e compravam os nossos produtos para oferecer aos participantes. Para eles, era algo que lhes saía barato. E para nós, constituiu um apoio extraordinário», reconheceu.

As panorâmicas – minuciosas, rendilhadas e frágeis – de 0.38 abriram as portas ao reconhecimento da arte de Ip Chi Kin e de outros dos utentes da Associação de Reabilitação Fu Hong, mas Leong Ieng Wai ocupa, ainda assim, um lugar à margem no contexto do singular universo de talento dos pacientes da entidade. Para além das oito fronhas que integram a colecção, agora lançada pela Fu Hong e vendidas ao preço unitário de vinte patacas, há duas outras com panorâmicas do Largo do Senado e do lago Sai Van, que são comercializadas a valores mais elevados.

Mais do que o valor comercial das criações e do contributo para o financiamento das operações da Fu Hong ou da arte pela arte, o sucesso do trabalho desenvolvido pela associação de reabilitação de portadores de deficiência intelectual – fundada por Fátima dos Santos Ferreira e por um grupo de voluntários em 2003 – torna-se palpável de forma bem mais significativa. «A arte ajudou a integrá-los e permitiu que as famílias se sentissem orgulhosas, porque sentiam que os seus membros são capazes de algo extraordinário. Têm uma deficiência, sim senhor, mas são capazes de fazer algo. O importante é conseguirmos descobrir o talento de cada um, porque todos têm um talento qualquer», assegurou Fátima dos Santos Ferreira. «Eu luto pela inserção social. Em relação aos deficientes, as coisas melhoraram bastante. Até recentemente a comunidade chinesa tinha a ideia que, se existe um elemento com estas características na família, era sinal de que algo errado teriam feito no passado, e é por isso que estão a pagar. Houve um trabalho grande que foi feito para lutar contra esta ideia, porque isto é um mito cultural. Só depois de muito trabalho feito é que se chega a este tipo de resultados», concluiu.

Os produtos comercializados pela Fu Hong [N.d.R.: uma boa escolha para uma prenda de Natal] podem ser encontrados nos vários centros que a organização tem espalhados pela cidade e também no espaço comercial que a possui no Anim’Arte Nam Van, na zona da Praia Grande.

Marco Carvalho

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