A postura pacifista da Santa Sé

AMEAÇA DE UMA CATÁSTROFE NUCLEAR

A postura pacifista da Santa Sé

Numa altura em que o mundo corre o sério risco de enfrentar uma catástrofe nuclear, razão suficiente para evocar aqui o recente encontro dos Estados subscritores do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN), um ambicioso pacto de desarmamento assinado por 93 países (mais recentemente pelo Sri Lanka) e que entrou em vigor a 22 de Janeiro de 2021.

Este é o tipo de encontro onde é normal descobrir pessoas como o activista anti-nuclear japonês Hirotsugu Terasaki, entrevistado por Victor Gaetan, repórter do National Catholic Register.

Recorde-se que a Santa Sé foi um dos primeiros signatários do TPAN. «Esta foi realmente uma conquista milagrosa», confirmou Terasaki, que credita ainda o “Pax”, grupo católico holandês pela paz, e o Conselho Mundial de Igrejas. Por outro lado, não constitui surpresa que o TPAN não tenha sido assinado pelos nove países com capacidade nuclear: Rússia (cinco mil 889 ogivas), Estados Unidos (cinco mil 224 ogivas), China (410), França (290), Reino Unido (225), Paquistão (170), Índia (164), Israel (90) e Coreia do Norte (30). Nem pelos cinco Estados que mantêm estacionadas nos seus territórios armas nucleares norte-americanas: Itália (35), Turquia (20), Bélgica (15), Alemanha (15) e Países Baixos (15).

Hirotsugu Terasaki ocupa o cargo de director-geral do movimento leigo budista Soka Gakkai International (SGI), que conta com cerca de doze milhões de pessoas em todo o mundo. Fundado em 1930, o Soka Gakkai, o maior grupo religioso organizado do Japão, inspira-se nos ensinamentos de Nichiren, um monge budista do Século XIII.

Colaboradora regular com a Santa Sé, a SGI participou na conferência do Vaticano de 2017 subordinada ao tema “Perspectivas para um Mundo Livre de Armas Nucleares e para o Desarmamento Integral”. Mais recentemente, em Novembro de 2023, o Papa Francisco enviou condolências públicas aquando o falecimento de Daisaku Ikeda, personagem altamente influente do Soka Gakkai International. O compromisso de desarmamento desta organização remonta a mais de meio século e está directamente ligado à trágica experiência do holocausto atómico experienciado pelo Japão. O sector juvenil da SGI iniciaria em 1972 uma campanha com o objectivo de “proteger o direito humano fundamental à sobrevivência”, reunindo e documentando testemunhos de guerra de sobreviventes do pesadelo atómico, conhecidos no Japão como “hibakusha” (pessoas afectadas pela bomba). Dos 650 mil “hibakusha” reconhecidos pelo Governo japonês, mais de 113 mil estão ainda vivos.

Em 2007, uma parceria fortuita com os Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear, que em 1985 ganhou o Prémio Nobel da Paz, ajudaria a ampliar o compromisso anti-nuclear da SGI. O organismo de carácter médico dera início à Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares (ICAN) e pedira à SGI que se inscrevesse como uma das suas principais colaboradoras, de forma a ajudar a obter a aprovação global do TPAN. Estas organizações, doravante, mostrar-se-iam especialmente empenhadas em mobilizar todos os sectores da sociedade, sobretudo a juventude. A propósito, lembrou Hirotsugu Terasaki, «para concretizar a nossa visão de um mundo livre de armas nucleares, sentimo-nos compelidos a criar uma vasta rede global empenhada em educar as pessoas sobre as realidades devastadoras das armas nucleares. Os nossos esforços começaram com a organização de grupos de estudo para diplomatas de todo o mundo, aumentando a sensibilização para as consequências de uma exposição nuclear».

A principal mensagem dos activistas do TPAN é que as armas nucleares são as armas mais desumanas alguma vez criadas. Violam o Direito Internacional, causam graves danos ambientais, minam a segurança global e desviam os orçamentos para resposta às necessidades humanas. As armas nucleares devem ser eliminadas e não apenas controladas.

«À medida que o mundo enfrenta desafios crescentes, a influência do discurso moral torna-se cada vez mais pertinente», afirmou Hirotsugu Terasaki. Esta é uma posição fortemente mantida pela Santa Sé. Como declarou o Papa Francisco em Nagasáqui, em 2019, «a paz e a estabilidade internacional são incompatíveis com as tentativas de construir sobre o medo da destruição mútua ou da ameaça de aniquilação total. Eles só podem ser alcançados com base numa ética global de solidariedade e cooperação».

Uma das salas da sede das Nações Unidas em Nova Iorque guarda uma estátua de Santa Inês – conhecida por resistir a múltiplas tentativas de assassinato –, que constitui em si uma “lembrança perturbadora da devastação nuclear”. Esta imagem da santa sobreviveria à bomba atómica lançada sobre Nagasáqui pelos Estados Unidos, a 9 de Agosto de 1945. O projéctil explodiu a quinhentos metros da catedral de Urakami, a maior igreja católica da Ásia na época, incinerando no processo entre sessenta e oitenta mil pessoas, das quais apenas 150 eram militares. A estátua de Santa Inês foi encontrada, de bruços, intacta, nos escombros da catedral…

Documentos desclassificados do Pentágono resolveram de vez o enigma do ataque a Nagasáqui. Apesar dessa cidade não constar na lista inicial de alvos, seria, no último minuto, acrescentada ao rol por mão incógnita, pois o objectivo era obliterar a comunidade católica mais representativa do Japão. E isto, como retaliação pelo estabelecimento de relações diplomáticas do Vaticano com o Japão em 1942.

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *