A arte de bem sobreviver em quarentena
Vai de férias a Portugal e não sabe muito bem como lidar com a inevitabilidade de ter de se submeter a uma quarentena de 21 dias no regresso a Macau? Há mais de uma década a residir no território, Maria Brito foi uma das dezenas de cidadãos portugueses que tiveram cumprir, por razões sanitárias, um período de 21 dias de reclusão num quarto de hotel. O processo acabou por se revelar menos exigente do que antecipava, mas há técnicas e truques que tornam a quarentena menos onerosa. Maria Brito revela algumas daquelas a que recorreu, em declarações a’O CLARIM.
A descoberta, na passada terça-feira, de quatro infecções locais pela variante Delta do novo coronavírus voltou a colocar Macau sob a ameaça directa do Covid-19, mais de quinhentos dias depois do espectro da pandemia ter paralisado pela primeira vez o território, em Fevereiro de 2020.
Desde então, a RAEM havia sido confrontada episodicamente com a identificação de casos importados que pouco ou nenhum impacto tiveram na vivência dos residentes locais, excepção feita aos que, por razões de natureza pessoal, tiveram de se ausentar para outras regiões que não dentro da China. Quem o fez, teve – e continua a ter – de se submeter a um regime de 21 dias de quarentena numa unidade hoteleira reservada para o efeito, com medições frequentes de temperatura e a realização de pelo menos dois testes de despistagem do SARS-CoV2.
A perspectiva de permanecer em isolamento durante três semanas demoveu muitos dos residentes estrangeiros de Macau da intenção de regressar aos países de origem. Grande parte dos que o fazem, fazem-no por razões de força maior, cientes – mas nem sempre preparados – para o desafio que têm à sua espera no regresso ao território. Não foi esse o caso de Maria Brito. A residente regressou à RAEM no final de Março, na sequência de uma estadia em Portugal, e garante que o período de quarentena não foi, nem de longe, nem de perto, tão exigente como antecipara. «Preparei-me psicologicamente para a quarentena. Quando decidi vir, quando decidi regressar a Macau, tomei como certo que não me ia questionar em nenhum dos dias. Foi uma decisão que tomei e para a qual me preparei. “Vou porque quero ir e sei que para isso vou ter que ficar 21 dias fechada num hotel”. Para mim a quarentena foi um processo muito fácil», afiança Maria Brito, em declarações a’O CLARIM.
Para a desenvoltura com que enfrentou o processo contribuiu, em grande medida, o facto de ter acompanhado a experiência de isolamento «de uma pessoa muito próxima» em condições muito mais exigentes do que aquelas que são oferecidas por Macau. «Tive conhecimento de uma experiência, que envolveu uma pessoa muito próxima de mim, em que a pessoa teve de estar fechada durante algum tempo, numa condição que não teve nada que ver com estar num hotel, em que dentro do quarto poderíamos fazer o que quiséssemos», esclarece. «Pelo facto de nunca ter ouvido ou de ter ouvido muitas poucas queixas sobre as razões pelas quais essa pessoa ali estava, por ter vivido essa experiência muito próxima num curto espaço de tempo antes da quarentena, isso foi para mim uma lição. E foi uma lição que fez com que eu estivesse melhor preparada quando chegou a minha vez», admite.
ROTINA E PARTILHA
Durante os 21 dias da quarentena, Maria Brito nunca sentiu «que estivesse fechada ou privada do que quer que fosse», mas para que o tédio ou o desespero não tomassem conta, optou por colocar em prática uma série de técnicas e truques que facilitaram a gestão do tempo de clausura. «Optei por desenvolver uma rotina. Desde a hora em que me vinham tirar a temperatura até à noite – se dormi uma ou outra sesta, foi muito – decidi colocar em prática uma rotina de tomar o pequeno-almoço, fazer exercício dentro do quarto, ler livros que trouxe, organizar o computador e as pastas que vamos deixando para ali acumuladas, bem como fazer coisas que ao longo do dia-a-dia não vamos tendo tempo para fazer», explica. «Também ajuda bastante sentir que, apesar de estarmos enclausurados, não estamos propriamente sozinhos. Nós éramos quatro ou cinco portugueses que viemos juntos no mesmo voo, criámos um grupo e isso ajudou muito. Todos os dias trocávamos mensagens, falávamos de manhã e à noite. Quando recebíamos algo no quarto partilhávamos fotografias entre nós. Éramos muito poucos, mas isto ajudou a criar um sentido de comunidade. Os nossos temas de conversa eram iguais. Estávamos ali a partilhar algo em comum».
Em três semanas de isolamento, há – reconhece a residente – tempo para tudo. A dúvida e a introspecção não são excepção. «Há muitos momentos em que não estamos a fazer absolutamente nada e a oração, para alguns, a evocação da memória e do que se viveu, para outros, acabam por ser importantes. Há momentos para isso. A quarentena também serve para ajudar a digerir este ano e meio que vivemos, o que aconteceu e para ponderar sobre caminhos diferentes que poderemos vir a viver no futuro. Há espaço e tempo para tudo isto», reconhece Maria Brito.
Para quem tenha, ao fim de dois anos de ausência, sucumbido à saudade e decidido passar férias em Portugal, a nossa entrevistada deixa alguns conselhos sobre a arte de bem navegar o isolamento e a solidão. O essencial, sustenta, é manter a mente liberta e livre. «A quem vá agora de férias e tencione regressar, o que aconselho é que deixe já algumas coisas aqui preparadas para que alguém lá possa ir depois entregar: os livros de que gosta, a comida de que goste mais, um bom pijama, roupa para vestir para não vir carregado de lá, até porque não vale a pena», começa por dizer. «Aconselho ainda quem tenha de se submeter a este processo a desenvolver uma rotina. Acho que é essencial termos uma rotina. E se no aeroporto percebermos que temos ali três ou quatro ou cinco pessoas, que falam a mesma língua que nós, mesmo não estando todos no mesmo hotel, como nos aconteceu a nós, o que aconselho é que formem um pequeno grupo, com o propósito de partilhar o correr dos dias, de partilhar vivências. Eu acho que isto é muito importante», conclui Maria Brito.
Marco Carvalho