A Terra Santa – X

A Igreja Católica na Terra Santa

Hoje vamos fazer uma pausa na história da Palestina, ou melhor, da sua definição político-geográfica e respectivo processo de formação. O tema de hoje versa assim a história da Igreja Católica na região e a sua responsabilidade na existência da Terra Santa, como lugar e como designação. A Terra Santa é acima de tudo um espaço inter-religioso, mas sem sombra de dúvida que o deve em grande parte à Igreja Católica, instituição perenemente enraizada na região. A história das comunidades cristãs na Terra Santa começou, de facto, durante a vida e ministério de Jesus. A primitiva Igreja, apostólica, a que estava em Jerusalém e arredores, manteve-se una e coesa ao longo dos primeiros séculos, pelo menos até aos primeiros concílios ecuménicos. A sua história desses tempos é menos conhecida, mas a presença da Igreja é indesmentível.

A ocupação muçulmana deu-se no séc. VII, já o vimos. Achou uma Jerusalém cristã, mas já então dividida em grupos, até seitas, ou tendências, mas todos partilhando os Lugares Santos. Ou disputando a sua posse. Só com as Cruzadas os cristãos voltariam a ter preponderância, embora se tenha acentuado o chamado “praedominium” da Igreja Latina (Roma) sobre as demais. As rivalidades quanto aos Santos Lugares começavam então, entre cristãos, mantendo-se sem tréguas durante os domínios mameluco e otomano, até à declaração do Statu Quo em 1852.

Importa referir que esta Terra, dita Santa, é todo um símbolo para todos os cristãos, como é a Terra Prometida do Judaísmo e ao mesmo tempo o lugar, para o Islão, até onde Maomé, o Profeta, cavalgou em sonhos e subiu depois aos céus, a partir precisamente de Jerusalém (onde está a mesquita/Cúpula do Rochedo). Por toda esta confluência simbólica e religiosa, tornou-se fonte de conflitos e disputas, não apenas religiosos mas também culturais e políticos.

Quando tribos turcas convertidas ao Islão conquistaram a região da Terra Santa, tomaram-na das mãos de outros muçulmanos e das comunidades judaicas que lá viviam. Esta ocupação turca marcou-se pelo encerramento da região às peregrinações cristãs, pois pretendia evidenciar perante o mundo que eram ainda mais observantes zelosos do Islão que os árabes que por lá habitavam. A notícia do perigo em que se tornou a Terra Santa para os peregrinos chegou aos ouvidos do Papa Urbano II, que terá ficado irritado. Para mais, dizia-se que a região estava nas mãos de infiéis desde o séc. VII. Ordenou-se então a Primeira Cruzada, a apelos de Guerra Santa lançados pelo Papa, em Clermont-Ferrand, França. Para que os cristãos pudessem voltar a peregrinar aos Lugares Santos.

 

DEUS VOLT, DEUS VOLT

“Deus quer, Deus quer”, gritaram os cruzados, que cada vez mais se tornariam em grupos armados e militarmente organizados. Oito Cruzadas se fariam, todas de pouco êxito, como já vimos. Um conjunto de conflitos entre cristãos e muçulmanos, ao contrário de hoje em dia, que é entre estes últimos e judeus (israelitas). Mas as Cruzadas serviram para implantar a Igreja Latina (Roma) na Terra Santa, com as suas instituições, clero e tradições. Criou para tal o Patriarcado Latino de Jerusalém, mais activo e implantado durante as Cruzadas (1099-1291).

Depois o Patriarcado ganhou uma importância mais honorífica, a qual se manteve até 1847, quando a sua sede se reestabeleceu definitivamente em Jerusalém. Até então, como também depois, a comunidade católica foi (e é) enquadrada e orientada, atendida, pela Ordem dos Frades Menores (Franciscanos), que desde o séc. XIV exercem as funções de Custódia Latina dos Lugares Santos: guardam 49 lugares bíblicos, dinamizam 29 paróquias e 79 igrejas ou capelas, dirigem 16 escolas com cerca de dez mil alunos, além de uma série de instituições culturais e científicas.

 

O PATRIARCADO LATINO DE JERUSALÉM

Na região, os católicos romanos (pois há os católicos “orientais”) são designados por “latinos”, sendo dirigidos pelo Patriarca de Jerusalém, que é assistido por três bispos auxiliares e um vigário para as comunidades de língua hebraica em Israel. A liturgia é celebrada desde o Concílio Vaticano II em língua vulgar, o Árabe, excepto o Latim usado em alguns Lugares Santos (Santo Sepulcro em Jerusalém e basílica da Natividade em Belém).

O Statu Quo de 1852 foi importante para a Igreja na Terra Santa. Definiu dois tipos de lugares santos: os que são propriedade exclusiva de católicos ou de ortodoxos; os que são propriedade comum, ou onde várias comunidades cristãs exercem direitos de propriedade e de culto (Santo Sepulcro, Natividade, por exemplo). É a este segundo tipo que se aplica o Statu Quo: “deixar as coisas como estavam antes” (em Latim “statu quo”). Mudar um candeeiro, uma vela, varrer umas escadas: o co-proprietário pode sentir-se lesado no “statu quo” e impugnar os direitos do que o violou. O Statu Quo é pois um conjunto de tradições históricas e de condicionamentos, regras e leis que estabelece as relações, actividades e movimentos nas basílicas e lugares de propriedade comum a várias confissões cristãs. O decreto do Statu Quo foi assinado pelo sultão otomano em 1852, sob pressão russa, para acabar com tentativas de favorecimentos de várias confissões. Segue ainda em vigor, com registo de inúmeros incidentes, que resultam em conflito: liturgias interrompidas por “ultrapassagem” da hora, com pugilato; por causa de cadeiras afastadas uns metros do limite…; escadas esquecidas que não podiam ser retiradas por falta de acordo…

Na actualidade, o Patriarcado Latino da Terra Santa engloba a Igreja Católica em Israel/Palestina, Chipre e Jordânia. Subordinado à Congregação das Igrejas Orientais, em 2014 contava com cerca de 261 mil fiéis, em 66 paróquias, contando 464 sacerdotes (78 diocesanos e 386 religiosos), nove diáconos, 1677 religiosos leigos e 67 seminaristas. Ao Patriarcado Latino estão associadas as seguintes Igrejas em comunhão com Roma: a Igreja Católica Grega Melquita (1724, cisma da Igreja Grega Ortodoxa de Antioquia); a Igreja Católica Síria, separada da Igreja Ortodoxa Siríaca, em comunhão com Roma desde 1863; a Igreja Católica Arménia, separada da Igreja da Arménia em 1741, unindo-se a Roma; a Igreja Católica Caldeia, descendente da antiga Igreja Apostólica do Oriente (Assíria), estabelecida em 1552, ligada desde 1903 a Roma; e a Igreja Católica Copta, em união com Roma desde 1741.

O Patriarca Latino da Terra Santa é também, por inerência, o Grão-Mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém. A Terra Santa, na Palestina, entre árabes e judeus…

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

 

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