A indiferença e o medo também matam

As imagens televisivas do drama dos refugiados não ilustram todo o sofrimento de milhares e milhares de homens, mulheres e crianças, vindas de um inferno de guerras e miséria, arriscando tudo pelo futuro das suas famílias. Ninguém pode agora ficar indiferente quando esses desgraçados apelam directamente à nossa solidariedade.

Durante anos assistimos passivamente ao massacre de populações, provocados aparentemente por ódios religiosos, sede de poder, violência de regimes ditatoriais ou pela directa interferência dos países ocidentais, numa região do mundo a viver permanentemente em equilíbrios instáveis, que não sabemos ou (supostamente) não queremos resolver. E digo que não queremos porque duvido que os cenários de guerra que afectam a Síria, o Afeganistão, o Iraque, a Somália, a Líbia, o Sudão e o Sudão do Sul, origem da quase totalidade dos refugiados que hoje nos batem à porta, não façam parte de uma estratégia geopolítica para manter a instabilidade naquela área do globo, assegurando a presença de tropas ocidentais no terreno, como precaução contra um eventual conflito com o Irão ou para teste e treino de novas técnicas de guerra, comércio de armas com todas as partes em oposição e outras vantagens económicas.

Todos os horrores destas guerras nos entraram pela porta do nosso televisor mas, porque era longe e era “outra gente” que morria, a nossa indiferença acomodava-se no “sofá da nossa indiferença” e ninguém pedia responsabilidades aos nossos governantes ocidentais, antes tão motivados com o incremento da “Primavera Árabe”.

Mas nem todos os “indiferentes” se têm situado no “cantão” desta (des)União Europeia. Bem mais perto da origem dos refugiados que hoje nos procuram estão países riquíssimos, como a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes Unidos, o Qatar, o Kuwait, Omã ou o Bahrein, com culturas e religiões semelhantes às do refugiados, o que permitiria que a integração social destas populações se fizesse com mais facilidade, mas que, no entanto, resistem a recebê-los.

Porque já ninguém consegue fechar os olhos a este drama social, começam agora a surgir sinais de uma certa fobia social entre os europeus, com receios de vária natureza para com a entrada dos refugiados nos seus respectivos países. Ou porque são islâmicos, na sua maior parte e esse facto leva alguns europeus a classificá-los como prováveis terroristas, esquecendo-se que os atentados na Europa foram cometidos por gente criada e educada na Europa. Ou porque (estranhamente até alguns portugueses) têm medo que estes novos imigrantes lhes “roubem” o trabalho ou lhes condicionem o acesso ao emprego, esquecendo-se que nesta Europa de livre circulação quantos milhões de pessoas beneficiaram da solidariedade dos países de acolhimento onde se encontram.

Apesar de algumas boas vontades de alguns países europeus, a Europa não vai conseguir absorver os milhões de deslocados que, por razões humanitárias, solicitam a nossa solidariedade. Seremos capazes de atenuar o sofrimento dessas populações, que atravessam o Mediterrâneo sem se afogar ou que calcorreiam milhares de quilómetros em condições de enorme sofrimento, mas não conseguiremos ultrapassar a dimensão do problema sem colocar à escala global a sua resolução. O que passará, inevitavelmente, por uma efectiva pacificação dos seus países e por um investimento sério no seu desenvolvimento económico, beneficiando as suas populações. Só assim poderemos ver regressar todos estes expoliados às suas terras de origem, garantindo a paz e um futuro para toda esta gente e para nós próprios. Deixá-los no mar ou erguer muros à volta dos nossos países é matá-los! E isso não pode fazer parte da solução.

A Europa e todos os países do mundo ditos civilizados, apesar dos egoísmos nacionais que tendem a aumentar nestas actuais circunstâncias, não podem prescindir dos valores cívicos e morais que nos devem caracterizar e distinguir.

O nosso humanismo não deve ser visto como um sinal de fraqueza, mas como uma arma e uma referência no combate por um mundo melhor.

LUIS BARREIRA

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