A antiga ligação da Igreja e da Ciência

O Observatório Astronómico Vaticano

No Estado da Cidade do Vaticano, a estrutura que governa o Estado homónimo, encontram-se vários organismos de governo e funcionamento do mesmo. Uma dessas instituições é o Observatório Astronómico Vaticano, que apesar de depender directamente da Santa Sé, tem como órgão superior de referência o Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano. Recorde-se que a Santa Sé dirige a Igreja Católica no Mundo, enquanto que o Estado da Cidade do Vaticano governa este território romano (e suas dependências), onde o Papa e a Santa Sé residem e trabalham.

O Observatório Astronómico Vaticano, também conhecido como Specola Vaticana, é um instituto de referência e renome internacionais na pesquisa da Astronomia, sendo mesmo um dos institutos mais antigos do mundo na área. Ilustrando o apego da Igreja à ciência, em particular à Astronomia, este Observatório foi fundado pelo Papa Gregório XIII, em 1572, por recomendação do Concílio de Trento (1545-1563), no mesmo sentido em que aquele magno conselho da Igreja considerou e recomendou, entre outras muitas reformas, também uma alteração no calendário.

A reforma do calendário juliano por parte da Igreja evidencia toda a relação com a ciência, além da pertinência da criação de tal Observatório. Com efeito, foram as observações de Christovam Clauvius e Aloisius Lillios, astrónomos, que evidenciaram a acumulação de erros do antigo calendário juliano e que suscitaram a sua reforma pelo mesmo Papa que, por isso, fundaria o Observatório, no sentido de modernizar o conhecimento científico ao serviço da Igreja. Instalou-se o Observatório então nos Palácios Vaticanos, na Torre dos Ventos. Desde logo a plêiade da Astronomia e da Matemática da Companhia de Jesus constituiu o cerne dos cientistas do Observatório, que no entanto incorporaria, ulteriormente, cientistas provenientes do clero secular como também de outras ordens religiosas, como Oratorianos, Barnabitas ou Agostinhos, reflexo da investigação astronómica no seio da Igreja desde sempre, mesmo no mundo monástico, como o provam os monges beneditinos austríacos e alemães. Mas sim, têm sido os Jesuítas de facto a assumirem a maior parte da coordenação e funções no Observatório, como na actualidade, com uma comunidade dos filhos de Santo Inácio a dirigir a instituição.

É importante referir que não foi o único Observatório astronómico na Roma papal, pois no Colégio Romano e no Capitólio existiram outros, igualmente sob a direcção do Papa (depois nacionalizados em 1870). Todos estes Observatórios romanos trabalharam em prol da ciência, confirmando desde sempre que a Igreja não era adversa à investigação científica. Foi por exemplo no Observatório do Colégio Romano que o padre Angelo Secchi (1818-1878), da Companhia de Jesus, pioneiro na espectroscopia astronómica, classificou as estrelas segundo os seus espectros, tendo sido um dos primeiros cientistas a afirmar com autoridade que o Sol é uma estrela.

Durante muito tempo o Observatório foi obscurecido pelos Observatório do Colégio Romano e o Observatório do Capitólio, ambos localizados em Roma e sob a responsabilidade do Papa. O reformador activo Leão XIII, Papa entre 1878 e 1903, reestruturou o Observatório em 1889, num esforço de refundação e inserção nos tempos modernos. Instalou-o então nos Jardins Vaticanos, que estão situados atrás da Basílica de S. Pedro. Em 1939 seria transferido para Castel Gandolfo, junto à residência estival do Papa, por ordem de Pio XI, o que permitiu modernizar tecnologicamente o Observatório, além da criação de um departamento de Astrofísica para estudo da estrutura e evolução da Via Láctea. A menor poluição da região, em comparação com Roma, além do afastamento das agruras urbanas da Segunda Guerra Mundial, então a iniciar-se, potenciaram ainda mais esta reinstalação do Observatório Astronómico Vaticano, que ali ganhou novo alento. Mas as mudanças não ficaram por ali. Setenta anos depois daquela mudança, em 2009, de Castel Gandolfo o Observatório trasladou-se para a vizinha cidade de Albano, pois os turistas e visitantes que cada vez mais acorriam ao Observatório, principalmente no Verão, perturbavam a quietude do remanso papal no seu palácio de Verão. Além disso, a luz que provinha do crescimento de Roma, não permitia as melhores condições de observação do céu em Castel Gandolfo.

Uma biblioteca com cerca de 22 mil títulos, desde livros antigos e raros, como obras de Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Isaac Newton, Johannes Kepler, Brahe, Clavio ou Secchi, além de outros cientistas famosos, até autores modernos, confere uma maior latitude científica ao Observatório, aguçando ainda mais o apetite científico dos que o demandam, que ali encontram igualmente uma relevante colecção de meteoritos.

Mas o Observatório Astronómico Vaticano é também universal como a Igreja que serve. Com efeito, em 1981, com a bênção de São João Paulo II, foi criado um outro grupo de investigação, o Grupo de Pesquisa do Observatório Vaticano (Vatican Observatory Research Group, ou VORG). Mas não na Itália. Nem na Europa. Mas sim no Novo Mundo, nos EUA, em Tucson. Em parceria científica com a Universidade do Arizona, o que abriu ainda mais os horizontes de investigação dos astrónomos do Vaticano. A conclusão da construção do Telescópio de Tecnologia Avançada do Vaticano (VATT), no Monte Graham, no deserto do Arizona, EUA, em 1993, reforçou ainda mais esse escopo científico da Igreja, pois é um dos melhores equipamentos do género no mundo. Monte Graham é, unanimemente, considerado um dos melhores locais de visibilidade astronómica, atraindo astrónomos e astrofísicos de todo o mundo.

De referir que as principais linhas de investigação científica do Observatório, nos seus dois pólos, são a fotometria e espectroscopia sobre aglomerados estelares, o estudo da distribuição espacial das estrelas de diferentes tipos espectrais, a pesquisa de órbitas de estrelas duplas, além da produção de atlas de espectro de interesse astrofísico, entre outras actividades e orientações em parceria total com a comunidade científica internacional. Em 1987, por exemplo, o Observatório Astronómico Vaticano, que está ligado aos mais avançados e prestigiados centros de investigação congéneres no mundo, iniciou, com o Centro para a Teologia e as Ciências Naturais da Universidade da Califórnia, em Berkeley, um grupo interdisciplinar para estudar a acção divina na perspectiva científica. O Observatório é, de facto, um dos grandes construtores da cartografia do atlas dos céus…

 Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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