25 de Abril sem preconceito

Muitos acontecimentos nacionais e sobretudo internacionais mereceriam hoje um meu comentário, mas não podia deixar passar a data histórica do 25 de Abril de 1974, sem evocar a comemoração de um dia que representou tanto… para quase toda a gente.

E quando digo quase toda a gente estou a lembrar-me de dois tipos distintos de pessoas: os privilegiados do antigo regime, que excluo da satisfação geral pela data e muitos daqueles que, nas antigas colónias, tiveram que regressar ao País, despojados de tudo o que tinham adquirido, após uma intensa vida de labuta, culpabilizando o golpe militar por tudo o que lhes aconteceu.

Quanto aos primeiros, os antigos privilegiados, reduzidos a uma dúzia de famílias e aos verdugos do antigo sistema, o 25 de Abril perdoou-lhes a infâmia e ainda lhes deixou oportunidades, algumas das quais nos vieram a custar bem caro, ainda hoje… Quanto aos regressados das colónias, o país metropolitano e paupérrimo que nós éramos permitiu-lhes uma modesta segunda oportunidade, embora nunca conseguisse fazê-los esquecer os dissabores porque passaram, tornando difícil fazê-los compreender a inevitável mudança histórica, regional e mundial que se nos impunha e a consequente morte anunciada do regime.

Por tudo isso, o 25 de Abril de 74, a que o Movimento dos Capitães deu um “empurrão” decisivo, foi uma revolução de tolerância e de cravos nas espingardas. Uma transformação pacífica que apenas foi possível porque o anterior regime caiu de podre, implodiu!

A guerra, que muitos da minha geração viveram em África, não tinha solução a nosso favor durante muito mais tempo, pese embora alguns militares ainda hoje pensem que, nalguns casos, estávamos em vantagem bélica, esquecendo-se no entanto que estávamos em completo isolamento internacional. A continuação da política do “orgulhosamente sós” iria conduzir-nos a um beco sem saída, à inutilidade de mais mortes e, mais tarde ou mais cedo, à consciência popular da necessidade de uma revolta sangrenta contra a ditadura.

Além disso, os movimentos de libertação atingiam o auge do seu reconhecimento pela guerra que travavam, aumentando o seu poder militar e o reforço da sua credibilidade junto das suas populações.

De nada vale pensar-se hoje que muitas dessas populações passaram por muitos piores momentos depois da nossa descolonização, ou que poderiam estar socialmente melhor se tivessem permanecido com alguma ligação politicamente estruturada a Portugal. Isso é inverter a análise do decurso da história depois de ela ter acontecido. Eles estavam motivados para serem donos das suas próprias terras, passaram e passam por duras experiências e são donos do seu destino. Só nos compete aceitá-lo ou criticá-lo sem qualquer intenção saudosista, mas por imperativo da nossa consciência de valores éticos e humanos que devem prevalecer em todos os regimes.

O 25 de Abril de 74 colocou Portugal no ciclo histórico das outras nações e deu a oportunidade aos portugueses de construírem um país melhor. E ele está à vista para quem ainda não esqueceu de como vivíamos antes.

Sei que alguns contestam esta data histórica pela barafunda política que se viveu alguns tempos depois, confundindo deliberadamente duas coisas distintas: o dia 25 de Abril e o período revolucionário que se seguiu. Mas é um erro considerá-las como se fossem uma e a mesma coisa.

O 25 de Abril foi uma explosão colectiva de alegria pela conquista de uma liberdade tanto tempo reprimida, um momento único na vida das gerações que sofreram, de uma forma ou de outra, a pressão física, económica e intelectual de um sistema caduco, que recusava obstinadamente adaptar-se à modernidade dos tempos, numa cegueira cada vez mais indisfarçável de apelos à Pátria, que mais não eram do que súplicas para manter um regime retrógrado e ditatorial.

O que se passou depois foi o resultado de “apetites” estrangeiros pelo estado de iliteracia política e cultural em que se encontrava a imensa maioria do povo português, após quase meio século de censura e repressão. Foi o desbravar colectivo de ideologias, sustentadas romanticamente pela defesa dos interesses populares, após uma leitura apressada dos catecismos teóricos que as alimentavam. Foi percorrer, em passo apressado, toda a história mundial que nos tinha escapado. Mas foi também um inevitável contributo, embora com algumas consequências negativas, para a aprendizagem de uma democracia que, mau grado as suas insuficiências e defeitos, preserva o essencial da liberdade humana e dá-nos a capacidade de sermos os autores da nossa própria história, tornando-nos responsáveis pela sua evolução.

O 25 de Abril deve ser lembrado por isso mesmo. O dia da libertação da repressão por se pensar de forma diferente e da censura que nos conduziu ao atraso cultural em que vivíamos. O fim de uma estrutura social corporativa, dominada por um poder autoritário e autocrático que concentrava o poder legislativo, executivo e judicial e o exercia de forma discricionária.

Razões de sobra para que esta data continue a ser festejada como o movimento mais importante do meio século que o antecedeu.

Viva o 25 de Abril!

LUIS BARREIRA

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