TEMPO DA QUARESMA

TEMPO DA QUARESMA

Via de purificação rumo à Páscoa

O Tempo da Quaresma tem início na próxima quarta-feira, apelidada “de Cinzas”, no dia 2 de Março. É um período longo de quarenta dias – seis semanas – que termina na Quinta-feira Santa. Um caminho rumo à Páscoa e um dos momentos mais altos do Calendário Litúrgico e da vida espiritual. São dias de recolhimento, reflexão e purificação, por meio de jejum, esmola e oração. Desta forma, seguindo o exemplo de Cristo, o católico mortifica as tentações que lhe são impostas no seu “deserto” da vida quotidiana em que peregrina para a eternidade.

Brant Pitre, professor das Sagradas Escrituras no Augustine Institute, numa das suas reflexões sobre a Quaresma, (disponível no YouTube), lembra-nos que Jesus no deserto – início do Seu ministério – toma o caminho da humildade e segue o plano do Pai ao invés das tentações do demónio. Pitre refere que para um judeu do primeiro século as três tentações de Jesus no deserto chamam à mente outro episódio (bíblico) em que o Homem foi tentado com três tentações: a queda de Adão e Eva no livro do Génesis que, curiosamente, é a primeira leitura do Primeiro Domingo da Quaresma.

Aqui interroga-se: «Então por que caíram? Quais foram as razões para a queda? Muitas vezes as pessoas gostam de especular sobre isto: como poderiam ter caído se estavam no Paraíso? E num estado de graça? E coisas do género. O Génesis diz-nos que as razões para a queda são três [Gênesis 3:6]».

Para o professor, esta narrativa é de extrema importância, pois os antigos judeus reconheceram nas três razões para a queda as três causas de raiz de todos os pecados do mundo. «Na verdade, eles tinham um conceito daquilo a que mais tarde se irá chamar tripla concupiscência ou tríplice luxúria», adianta Pitre, que defende poder vermos esta ideia da tríplice concupiscência na primeira carta de João Evangelista: «Pois tudo o que há no mundo – os apetites baixos, os olhos insaciáveis, a arrogância do dinheiro – são coisas que não vêm do Pai, mas do mundo[1 João 2:16]». Assim, o académico identifica três tentações: prazer, posses, orgulho ou vaidade – a luxúria da carne, a luxúria dos olhos e o orgulho da vida.

Na leitura do livro do Génesis, o que tem tudo isto a ver com Jesus? Pitre coloca a questão e responde: «Bem, se olharmos agora para o Evangelho, o que faz Jesus no deserto? Ele não é apenas um novo Israel no deserto, é também um novo Adão, por isso, enquanto Adão foi tentado no jardim do paraíso, agora Jesus, o novo Adão, é tentado no deserto. Porque foi isto o que o nosso pecado fez, transformou o paraíso da criação num deserto. E tal como Adão foi tentado pelo demónio no livro do Génesis, agora Jesus é tentado pelo demónio no deserto, no Evangelho. E tal como Adão teve três tentações: a luxúria dos olhos, a luxúria da carne e o orgulho da vida, assim também agora o demónio atinge Jesus com as mesmas três tentações. Mas ao contrário de Adão, Jesus conquista-as».

Posto isto, então o que é suposto fazermos durante a Quaresma? De acordo com o nosso “interlocutor”, devemos ir para o deserto com Jesus para enfrentar a batalha contra o maligno. Para lutarmos contra as tentações e sermos testado neste tempo de provações e purificação.

De seguida, coloca-nos outra questão: E como o podemos fazer durante a Quaresma? «A maioria de nós, no contexto contemporâneo da Quaresma, tende simplesmente a reduzi-la a um tempo de abstinência, certo? Como se me abstivesse de chocolate ou de café. Mas na verdade, o que a Igreja nos chama a fazer durante a Quaresma são três coisas: rezar, jejuar e dar esmolas».

Pitre acentua que as leituras da Quarta-feira de Cinzas remetem para o sermão de Jesus na montanha sobre esmola, jejum e oração, sendo que nesse mesmo dia – o primeiro do Tempo da Quaresma – a Igreja diz-nos serem estes os três deveres que devemos cumprir durante quarenta dias.

PEREGRINAÇÃO INTERIOR

O Papa Bento XVI, na sua mensagem para a Quaresma de 2006, proferida a 29 de Setembro de 2005, diz-nos que a Quaresma é o tempo privilegiado da peregrinação interior até Àquele que é a fonte da misericórdia. Que nesta peregrinação, Ele próprio nos acompanha através do deserto da nossa pobreza, amparando-nos no caminho que leva à alegria intensa da Páscoa. «Mesmo naqueles “vales tenebrosos” de que fala o Salmista [Salmos 23:4], enquanto o tentador sugere que nos abandonemos ao desespero ou deponhamos uma esperança ilusória na obra das nossas mãos, Deus guarda-nos e ampara-nos. Sim, o Senhor ouve ainda hoje o grito das multidões famintas de alegria, de paz, de amor», exulta o Santo Padre.

Na Quaresma aprofunda-se um caminho de conversão. Eis as palavras de frei Cantalamessa, na sua primeira pregação da Quaresma, realizada em 2021: «Uma mudança profunda no modo de conceber as nossas relações com Deus. Exige passar da ideia de um Deus que pede, que ordena, que ameaça, à ideia de um Deus que vem com as mãos cheias para se dar todo a nós».

O professor Brant Pitre sublinha que somos criaturas de Deus e que precisamos da Sua ajuda; precisamos da Sua graça. Neste âmbito, explica como se correlacionam as leituras da Quarta-feira de Cinzas com as leituras do Primeiro Domingo da Quaresma: «A Igreja está a dar-nos directivas de Jesus. Aqui, durante a Quaresma, é muito simples o que queremos fazer: queremos rezar mais, queremos jejuar e queremos dar mais esmolas aos pobres, para que nos possamos unir ao mistério de Jesus no deserto».

Miguel Augusto

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