Na capacitação é que está o ganho
Fundada em 2016, a Macau I Can Too (IC2) é a única associação do território dirigida por portadores de deficiência. A organização opera, na Avenida Horta e Costa, o café Tak Chong, um projecto inclusivo com contornos únicos na RAEM.
É um projecto singular, como não há igual em Macau. De portas abertas desde 2018, o café Tak Chong, a dois passos do Mercado Vermelho, é o único estabelecimento de restauração no território cujo serviço é integralmente assegurado por portadores de deficiência intelectual ou neurodivergentes.
Situada nas instalações da igreja evangélica Sheun Tao, na Avenida Horta e Costa, o pequeno “snack bar” opera todas as manhãs durante a semana e proporciona a um leque fiel de clientes um menu simples, mas aprazível, de bebidas, sanduíches e refeições ligeiras.
A cafetaria é o projecto mais emblemático da Associação Macau IC2, uma entidade que prima, ela própria, pela diferença. Até ao momento, é a única associação acreditada junto do Governo de Macau em que os corpos gerentes são constituídos inteiramente por adultos portadores de deficiência. «A Macau IC2 é uma associação que agrupa pessoas com deficiência, em particular pessoas neurodivergentes. Ou seja, pessoas cujo funcionamento cognitivo, comportamental e neurológico se afasta da norma. Por que razão a Macau IC2 foi fundada em 2016? Porque os membros da associação queriam poder decidir por eles aquilo que podiam ou não fazer, em vez de se limitarem a acatar ordens», disse Ada Lo, entrevistada pel’O CLARIM.
Antiga professora da Universidade de Macau e da Universidade de São José, Ada Lo conhece bem os desafios com que se deparam os portadores de deficiência. Antiga presidente da direcção da Macau Special Olympics, há mais de cinco anos que colabora, como voluntária, com a Macau IC2. A associação faz da capacitação absoluta dos seus membros um ponto fundamental, para que as suas vozes sejam ouvidas e as suas necessidades satisfeitas. «Em Macau, o apoio financeiro facultado pelo Governo é bastante significativo e as associações podem, por isso, contratar os profissionais de que necessitam: assistentes sociais, terapeutas da fala ou fisioterapeutas. As associações do sector podem contratar a ajuda profissional de que necessitam e, obviamente, este aspecto é bastante bom», referiu.
A antiga docente universitária deu um testemunho pessoal: «Trabalho com portadores de deficiência há 22 anos. Vi crescer muitos dos membros da Macau Special Olympics e também desta associação. Conheço alguns deles desde crianças».
Ao longo dos últimos nove anos, a associação fez mais do que apenas dar voz e visibilidade aos seus membros. Através de projectos, como o café Tak Chong, a Macau IC2 quer deixar claro que os portadores de deficiência não são um fardo para a sociedade e estão plenamente capacitados para servir os outros. «O objectivo principal da associação não é necessariamente garantir o acesso dos seus membros ao mercado de trabalho, até porque agrupa pessoas com capacidades e níveis de neurodivergência muito diferentes. É claro que, no caso dos mais capacitados, a obtenção de um emprego acaba por ser uma das finalidades mais importantes, mas não é a única», explicou Ada Lo. «O café Tak Chong acaba por ser uma boa plataforma que lhes proporciona a oportunidade de conhecer outras pessoas e um maior envolvimento com a comunidade. O café permite-lhes assumir as suas diferenças, numa perspectiva diferente do habitual. Sim, é verdade que eles são diferentes, mas não estão à espera única e exclusivamente de ser servidos. Eles também podem servir os outros. No café Tak Cheong, preparam a comida e as bebidas que são comercializadas e, para além disso, todas as semanas visitam um lar de idosos. Servem os outros e querem que as pessoas os deixem de ver como alguém que necessita de ser servido e o passe a entender como alguém que também pode servir os outros e a sociedade», acrescentou.
SEMEAR CASAS FELIZES
Com cerca de duzentos membros, com idades compreendidas entre os dezasseis e os 62 anos, a Macau IC2 tem no café Tak Cheong o seu projecto mais emblemático, mas a organização, liderada por Leong Ka Cheng, oferece outras modalidades de capacitação aos seus associados. Ada Lo está entre os cerca de cinquenta voluntários que oferecem cursos e acções de formação na sede da organização, a chamada “Casa Feliz”. «Neste momento, há entre quarenta a cinquenta voluntários a colaborar com a Macau I Can Too. Não podemos tomar decisões por eles, mas podemos fazer uso das nossas mais-valias e do nosso saber para os ajudar. Vamos supor que eu tenho experiência na organização de eventos. O que posso fazer é colocar esse conhecimento à disposição da associação e ensiná-los a organizar os seus próprios eventos», exemplificou Ada Lo.
Mais, continuou, «os voluntários dominam determinadas competências e transmitem esse conhecimento aos membros da associação, que depois os vão transmitir a outros associados. Alguém que sabe costurar propõe-se leccionar um curso na “Casa Feliz”, mediante a sua disponibilidade. Esta pessoa vai ensinar esse curso e o membro da associação que alcançar o melhor desempenho durante a formação vai depois ensinar os outros associados. A Macau IC2 promove com alguma frequência este tipo de formações para formadores. Este é outro aspecto em que a Macau I Can Too se distancia de outras associações do sector».
Os cursos oferecidos mudam de acordo com a disponibilidade e com a área de especialização dos formadores, mas áreas como costura, culinária, panificação, pintura e caligrafia, estão entre as mais requisitadas pelos membros da organização. Em 2024, os associados da Macau IC2 organizaram e participaram em mais de vinte actividades, tanto na RAEM como na China continental.
Marco Carvalho