China quer construir barragem no Saltinho.
A Guiné-Bissau está a aproveitar as oportunidades do Fórum Macau para a captação de investimento chinês, algo que poderá ganhar especial relevo com a construção de uma barragem hidroeléctrica que tornará a economia guineense mais competitiva, sustenta Malam Becker Camará. Apesar da instabilidade política vivida no país africano, o delegado da Guiné-Bissau no Fórum Macau acredita numa resolução pacífica e elogia os esforços da Igreja Católica a favor da paz e da reconciliação nacional.
A China Machinery Engineering Corporation (CMEC), empresa estatal chinesa listada na bolsa de valores de Hong Kong, pretende construir uma barragem hidroeléctrica na Guiné-Bissau, revelou a’O CLARIM, Malam Becker Camará, delegado do país africano no Fórum Macau.
A pretensão da CMEC resulta do memorando de entendimento assinado com o Governo da Guiné-Bissau durante o Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, realizado em Abril último em Bissau.
«Na sequência da assinatura, enviaram uma equipa técnica para fazer alguns levantamentos, sobretudo relacionados com a localização de uma hidroeléctrica no Saltinho, onde passa o rio Corubal. É um dos pontos seleccionados onde possivelmente se pode construir uma barragem», sublinha o delegado guineense, que chegou a Macau na passada segunda-feira, após deslocação ao seu país, onde acompanhou de perto o envolvimento da empresa chinesa nos trabalhos de prospecção.
«É função do delegado informar as necessidades da Guiné-Bissau, sobretudo em grandes projectos, e criar condições para que as empresas interessadas possam investir no País», assinala Malam Camará, acrescentando que já se tinha «reunido» este ano com os responsáveis da CMEC, aquando da deslocação dos delegados do Fórum Macau a Pequim, onde apresentaram cumprimentos aos embaixadores dos PLP acreditados na capital chinesa.
A construção da infra-estrutura hidroeléctrica vai dar um «novo impulso à economia guineense» e «reduzir a carência do abastecimento energético». No entanto, o Governo vai continuar a «aproveitar a electricidade produzida na barragem de Kaleta», na vizinha Guiné-Conacri, «através de uma rede de transmissão de electricidade transfronteiriça, implementada no quatro da OMVG (organização para a gestão e exploração do rio Gambia)», tendo a «CMEC manifestado interesse na construção da rede de distribuição eléctrica».
De acordo com Malam Camará, o memorando de entendimento assinado com o Governo da Guiné-Bissau prevê o envolvimento da CMEC em «seis áreas de intervenções possíveis», ao nível das «infra-estruturas portuárias, energéticas, rodoviárias, de águas e saneamento, das pescas e da energia eléctrica, com realce para a hidroeléctrica».
Plataforma
A Guiné-Bissau, ao contrário de outros países dos PLP, tais como Portugal, Angola ou o Brasil, está a tirar maior partido das relações empresariais por via do Fórum Macau, do que pelos acordos bilaterais realizados ao mais alto nível entre Estados.
«O factor “Fórum Macau” está a ajudar bastante o nosso país. Há nações em que a via bilateral é muito mais forte, mas no caso da Guiné-Bissau é mais pela via empresarial, e também pelo Fórum Macau, que conseguimos atrair investimento de empresas chinesas», explica Malam Camará.
Segundo dados por ele compilados, as trocas comerciais com o gigante asiático situaram-se, de 2009 a 2012, entre os 22 e os 25 milhões de dólares ao ano. De 2012 a 2015 subiram consideravelmente, até aos 67 milhões de dólares.
«É quase um aumento de 300%. Nós exportamos matéria prima mineira, que é comércio detido pelo Estado. No caso das trocas com a China comercializa-se mais produtos alimentares e de florestas (castanha-cajú, óleo de palma, madeira, etc.), sendo um tipo de comércio normalmente detido por empresários privados. Se cresceram essas trocas é porque tem aumentado o relacionamento empresarial entre a China e a Guiné-Bissau», analisa o mesmo responsável.
«Em termos de constituição de empresas chinesas na Guiné-Bissau posso dizer que até 2012 não havia mais do que cinco, mas agora há mais de 55 empresas formalizadas», reforça.
Para ele, «a China é um parceiro importante», visto que «a relação não foi construída há pouco tempo», até porque «como gosta de mencionar o embaixador da China na Guiné-Bissau, foi por Mao Tsé-Tung e por Amílcar Cabral».
«É uma relação antiga, tem os seus valores e teve algumas diferenças nos tempos modernos, mas os dois países, e povos, dão importância e têm consciência dessa relação», descreve, ao lembrar que «a China tem realizado muitas obras na Guiné-Bissau», algumas «de raiz», como são os casos dos emblemáticos «Palácio do Governo, Palácio da Assembleia e Estádio Nacional 24 de Setembro», sendo também responsável pela «reconstrução do Palácio da República, e instalações anexas».
Futuro
A instabilidade política pela qual passa a Guiné-Bissau não deixa indiferente Malam Camará, que confia num desfecho que traga estabilidade à nação africana: «Acredito no futuro do meu país, porque o povo guineense tem consciência da situação e conhece os problemas. Depende dele a mudança, ou o que deve ser corrigido. Penso que todos os guineenses estão convictos que a breve trecho vai tudo ficar resolvido. Se fosse uma situação desconhecida, era mais difícil».
De igual forma, afirma: «o que se passa hoje a nível político e institucional está no âmbito da democracia. Não está nada fora dela. Uma instituição até pode tomar uma posição contrária à outra parte, mas no âmbito da democracia, pois já saímos da fase do Golpe de Estado. É um avanço na tomada de consciência democrática. As pessoas podem agora ir para a luta política, mas sem recorrer à força das armas, o que me deixa convicto que, no exercício democrático, vão lá chegar [à estabilidade política]».
Igreja Católica a favor da paz (Caixa)
«Há liberdade religiosa» na Guiné-Bissau, assume Malam Camará, porque «qualquer guineense se entrecruza normalmente com as diferentes religiões». No caso da Igreja Católica, destaca o papel da comissão de reconciliação e paz entre os guineenses, dirigida pelo padre Domingos da Fonseca, com o objectivo de sarar feridas antigas. «As duas maiores religiões – Cristianismo e Islão – não estão à margem do que se está a passar. Estão sempre preocupadas, emitem as suas observações e procuram apelar à calma. Mesmo o poder religioso tradicional, os animistas, tem várias vezes apelado à calma», conclui.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA