«Quando alguém como o Bártolo parte, é uma perda para todos»
Transmontano de berço, macaense de coração, homem de letras, pai de família e soldado de Deus. José Maria Bártolo, ex-aluno do Seminário de São José e antigo colaborador d’O CLARIM, faleceu na passada segunda-feira aos oitenta anos de idade, vítima de doença prolongada. A missa de corpo presente realiza-se amanhã, pelas 20 horas, na Casa Mortuária Diocesana.
Autor de dois livros de poesia (“A Última Pérola: Macau” e “Arengas à Lua”), nos quais se evidencia uma sólida formação clássica e um amor inabalável pela terra que o acolheu, José Maria Bártolo exerceu funções nas Obras Públicas e na Imprensa Oficial, onde chegou a ser administrador durante dois anos. Já depois de se ter aposentado, em Novembro de 1993, tornou-se colaborador do já extinto Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), ajudando o organismo a fazer um uso rigoroso da língua portuguesa.
O rigor, nota Eduardo Tavares, é de resto um dos conceitos que melhor definem José Maria Bártolo e que ilustram a forma como o transmontano foi ultrapassando os obstáculos que a vida lhe colocou pelo caminho. Antigo colega de Bártolo no Seminário de São José, Tavares recorda um homem vertical, um amigo verdadeiro e um trabalhador incansável. «Era uma pessoa muito inteligente, muito correcta, muito amigo do seu amigo. Não era pessoa de dar muito nas vistas, mas era um homem muito sério, muito trabalhador, tanto nas Obras Públicas, onde trabalhou, como na Imprensa Oficial», ilustra o antigo seminarista, hoje com 79 anos de idade. «Depois de ser aposentado, trabalhou na Câmara das Ilhas e também no Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. Continuou a trabalhar aí, onde deu um apoio muito grande à língua portuguesa. Era um homem que se devotava à língua portuguesa e até, como sabe, escreveu alguns livros. Não há dúvida nenhuma: quando alguém como o José Maria Bártolo parte, é uma perda para todos. Para a família, para os amigos e para Macau», acrescenta Eduardo Tavares.
A impressão de que José Maria Bártolo era alguém que inspirava profunda seriedade é partilhada por Francisco Manhão. O presidente da Associação dos Aposentados, Pensionistas e Reformados de Macau (APOMAC) também conheceu o transmontano no Seminário de São José, ainda que em circunstâncias distintas. «Eu conheci o José Maria Bártolo no Seminário de São José. Ele era interno e eu era externo, se bem que ele era mais velho do que eu. Mas eu já o conhecia desde o tempo do Seminário de São José», recorda Manhão. «Depois, por alguma razão – por não ter a vocação ou por se ter deixado assaltar por alguma dúvida – acabou por sair do Seminário e, salvo erro, foi trabalhar para as Obras Públicas. Mas era uma pessoa afável, simpática. Uma pessoa que não incomodava ninguém. Quando tinha necessidade vinha até à APOMAC, falava connosco e às vezes até nos deixava algumas sugestões para melhorar a associação. De um modo geral, era um grande amigo», conclui o dirigente associativo.
MACAU, VOCAÇÃO E DÚVIDA
Nascido a 1 de Janeiro de 1941, na freguesia de Bemposta, concelho de Mogadouro, no coração da “Terra Fria Transmontana”, José Maria Bártolo chega a Macau em Fevereiro de 1955 para estudar no Seminário de São José. Aporta com catorze anos acabados de fazer, integrado num grupo de rapazes mais ou menos da mesma idade e com um único desígnio: a ordenação sacerdotal. Dos seis, nenhum chega a professar os votos, mas José Maria é quem mais perto fica de uma vida consagrada por inteiro ao serviço de Deus. «Fomos colegas no Seminário de São José durante doze anos. Viemos ambos para Macau e para o Seminário de São José com esse fim, com o propósito de nos tornarmos padres. Ele deixou o Seminário no quarto ano de Teologia, já quase no final», recorda Eduardo Tavares, que manteve uma forte ligação à diocese de Macau e ainda hoje integra a Comissão Diocesana para as Infra-Estruturas.
Diligente, José Maria ainda recebe as chamadas “ordens menores” (posteriormente abolidas pelo Papa Paulo VI) e tem a cabeça tonsurada, mas a 26 de Novembro de 1966, a pouco mais de um mês de cumprir 26 anos, o seminarista sucumbe a um sentimento forte – a solidão – e deixa de ser um arauto de Cristo. Uma semana depois rebenta o motim do “1,2,3”, a fachada das Ruínas de São Paulo enche-se de propaganda comunista e o Seminário, onde continua a viver durante algum tempo, é desactivado.
José Maria Bártolo corta o cordão umbilical que o liga a uma vida de entrega à missão da Igreja, mas nem por isso se afasta dos ensinamentos de Cristo, como bem relembra Eduardo Tavares. «A fé nunca lhe faltou e a ligação à Igreja também não. Foi essa ligação que o levou a colaborar durante muito tempo n’O CLARIM. Foi colaborador d’O CLARIM durante muitos anos e a sua dedicação ao jornal foi muito boa e muito longa. Foi um óptimo colaborador durante muito tempo», sustenta o antigo seminarista. «Ele fazia ainda parte da Associação dos Antigos Alunos do Colégio de São José e foi um dos fundadores do Coro de São Tomás de Aquino. O coro ainda existe, mas é apenas um grupo que se reúne para cantar e para ensaiar. Tínhamos dois maestros, o Simão Barreto e um antigo colega que foi viver para Hong Kong e que vinha cá de propósito. Mas o coro até nem é assim muito antigo. É um projecto bastante moderno; ainda continuamos a ensaiar e a cantar», refere Eduardo Tavares.
Na cidade onde não nasceu, mas que adoptou como se fosse sua, José Maria Bártolo acabou por constituir família. Com Rosalina Maria Bártolo, já falecida, teve quatro filhos, tendo perdido a primogénita.
A missa de corpo presente realiza-se este sábado, 31 de Julho, pelas 20:00 horas, na Casa Mortuária Diocesana. No Domingo, 1 de Agosto, pelas 9:30 horas, celebra-se a Missa de Sétimo Dia, também na Casa Mortuária Diocesana, seguindo depois o corpo para o Município de Zhuhai, onde será cremado.
Marco Carvalho