Regresso ao passado?
O que reserva 2017 para Macau, para o mundo e para a União Europeia? O CLARIM falou com Carlos Lobo, Francisco Leandro e Rui Flores. As legislativas e o Jogo vão estar na ordem do dia na RAEM, Donald Trump e Vladimir Putin vão tremer o xadrez da geo-política internacional e a União Europeia pode estar em xeque.
O ano de 2017 vai ser marcado por eleições no plano doméstico, primeiro em Hong Kong para o próximo Chefe do Executivo e depois em Macau para a Assembleia Legislativa.
«Será crucial haver estabilidade nas duas Regiões para que as eleições decorram de forma íntegra e pacífica. Apesar de antever algumas picardias, quero acreditar que, no final e no estrito cumprimento do princípio “um país, dois sistemas”, haverá um novo (ou uma nova) Chefe do Executivo que levará Hong Kong a melhores rumos e uma Assembleia Legislativa de Macau equilibrada e com vontade de trabalhar, em especial na área do Jogo», frisou Carlos Lobo, antevendo que os escrutínios vão influenciar sobremaneira, de forma positiva ou negativa, a estabilidade nas RAE.
Sobre a indústria do Jogo, sustentou que «o Governo continuará a trabalhar na regulamentação de questões sensíveis, como o combate ao branqueamento de capitais – lei e respectivo regulamento administrativo, para além da Instrução que entrou em vigor em meados de Maio», sem esquecer «o jogo responsável – proibição a funcionários dos casinos de frequentar e jogar em casino» e «os promotores de jogo – exigindo capacidade financeira séria a quem queira operar em Macau e um maior escrutínio na concessão de crédito a jogadores».
O ano que agora começou vai também ser marcado por «inúmeras incertezas», sendo «a fonte principal delas o novo Presidente americano Donald Trump», vaticinou ainda.
«Mas há mais incertezas no horizonte: a fuga de capitais, em virtude da subida das taxas de juro norte-americanas, o crédito malparado e a bolha imobiliária são três aspectos que poderão sofrer desenvolvimentos significativamente negativos e que, dada a sua importância, podem colocar em risco a estabilidade do desenvolvimento económico da China e consequentemente de Macau», acrescentou Carlos Lobo.
Mundo diferente
Para Francisco José Leandro, coordenador do Instituto de Estudos Sociais e Jurídicos da Universidade de São José, os factos «parecem indiciar uma mudança no paradigma da política internacional que nasceu com o fim da Guerra Fria, em especial no que respeita a um certo regresso ao realismo clássico das relações de poder», assistindo-se agora à «proliferação do vírus da “comodificação política” de todos os valores».
Nesta perspectiva, «para a União Europeia, para a Federação Russa e para a República Popular da China a região da Eurásia vai continuar a ser o grande espaço do xadrez mundial, onde germinam dinâmicas como a política europeia de vizinhança, a iniciativa “uma rota, uma faixa”, o desenvolvimento da Organização para Cooperação de Xangai e o alargamento da União Económica da Eurásia».
«Para os Estados Unidos e para a República Popular da China a região indo-pacífica continuará a ser um espaço geopolítico vital, cujas reservas em relação à construção de consensos fazem recear a escalada [de tensões], a avaliar pelos movimentos do Presidente eleito dos Estados Unidos em relação à Formosa, à Coreia do Sul e ao Japão», referiu Francisco Leandro, adiantando que «a situação de reiterada imprudência nas Filipinas não ajuda».
Em todas as variáveis da equação da ordem internacional, surgem os Estados Unidos de Donald Trump e a Federação Russa de Vladimir Putin, «como agentes desse realismo e cujo disfarce construtivista do discurso político parece ignorar que a única fórmula mágica que admite o avanço é precisamente aquela que permite que todos beneficiem da fatia do bolo global, de modo justo e equilibrado», explicou.
«No centro da agenda do próximo ano estará o Irão e a estranha aproximação Estados Unidos-Federação Russa. Mas estará também um certo isolacionismo americano, que ignora uma das mais triviais lições da geopolítica: a construção de muros separa os outros de nós, mas também desagrega a nossa realidade da deles e, por isso mesmo, nega a capacidade de influência e de construção de jogos de soma positiva», alertou Francisco Leandro.
No seu entendimento, «2017 terá de se notabilizar pela fuga a todos os tipos de isolacionismo e por uma particular sensibilidade constructivista, a bem dos interesses mais profundos da humanidade».
Europa em suspenso
Segundo Rui Flores, os valores europeus estão em xeque, porque depois de um ano em que a União Europeia viu a sua própria existência posta em causa, com o “sim” dos britânicos à saída da União, 2017 vai ser também um ano conturbado para o futuro da Europa.
«A capacidade de resistência daqueles que acreditam no projecto europeu vai ser desafiada até aos limites, com eleições presidenciais em França e legislativas na Alemanha e na Holanda», analisou o gestor executivo do Programa Académico da União Europeia para Macau.
«A crescente onda populista que marcou 2016 vai estar presente nas campanhas políticas do próximo ano. Em Março, na Holanda, o discurso anti-imigrantes vai ser repetido por Geert Wilders, o presidente do Partido da Liberdade, que à semelhança do seu congénere austríaco tem estado a ganhar adeptos de uma forma espectacular», disse.
«Em Abril e Maio, com a primeira e segunda voltas da eleição presidencial, Marine Le Pen vai procurar explorar ao máximo a desilusão dos franceses com a actual situação económica e prometerá uma França que não se dobra a Bruxelas. Uma França sem euro – ou mesmo sem União Europeia –, pois Le Pen já ameaçou também com a realização de um referendo».
«Na Alemanha as hipóteses de vitória do partido Alternativa para a Alemanha são nulas, mas o discurso anti-imigração pode, tal como na Holanda, contribuir para fragmentar o Parlamento e obrigar a soluções governativas mais imaginativas», sublinhou.
«O problema com todas estas eleições e com as mensagens anti-Europa, anti-imigração, anti-solidariedade é que os valores que têm contribuído para o avanço da UE vão estar permanentemente em xeque. O que, num ano em que se celebram os 60 anos do tratado que instituiu a então Comunidade Económica Europeia, não augura nada de bom para aquilo que é hoje a Europa», concluiu Rui Flores.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com