«O nosso principal serviço é para os idosos».
A propósito do 65º aniversário da Cáritas Macau, O CLARIM esteve à conversa com Paul Pun que falou sobre o presente e o passado da instituição que lidera. Em cima da mesa estiveram o modelo de actuação, os idosos, os sem-abrigo, a relação com a Diocese e as Linhas de Acção Governativa para a área dos Assuntos Sociais e Cultura.
O CLARIM – A Cáritas passa por grandes desafios numa cidade em constantes mutações. Como analisa a actual situação da instituição que dirige?
PAUL PUN – O padre Ruiz fundou a Cáritas Macau há 65 anos. O território passava então por situações de pobreza e o nosso serviço estava maioritariamente direccionado para esse problema. A realidade é agora diferente, dado que estamos mais virados para o serviço comunitário. O nosso principal serviço é para os idosos, mas também ajudamos as famílias monoparentais, as pessoas com deficiência física e mental, as crianças sem apoio dos pais, as famílias carenciadas, etc. No passado, o padre Luiz tentava angariar fundos no exterior para a maior parte dos nossos serviços. Muitos deles são agora financiados pelo Governo de Macau, enquanto alguns serviços comunitários o são pela Cáritas, através do seu bazar ou dos donativos de Natal, entre outros. Uma pequena parte vem dos familiares dos utentes.
CL – Tem-se deparado com mais ou menos dificuldades após o estabelecimento da RAEM?
P.P. – Encontramos dificuldades todos os dias, mas são diferentes do passado. Antes, gastava-se muito tempo com as actividades de angariação de fundos, porque o padre Ruiz tinha que viajar para o exterior para levá-las a cabo. Actualmente não precisamos de fazê-las. Precisamos apenas de gerir os nossos serviços, sendo esta a nossa principal preocupação. O dinheiro é importante, mas não é a nossa maior preocupação. Com a RAEM eles [o Governo] também esperam da nossa parte que possamos disponibilizar serviços adequados e de boa qualidade. Mesmo sem este pedido do Governo, entendemos que a prestação de serviços deve ser a nossa maior preocupação.
CL – Em Macau ainda há pessoas a viver nas ruas. Como é possível?
P.P. – Os sem-abrigo têm o direito de viver fora de “casa” [abrigo]. A maioria dos sem-abrigo de Macau está connosco. Neste momento são apenas cinco ou seis os que dormem nas ruas. A maior parte nem é capaz de dialogar. Os outros estão abrigados no nosso centro da Ilha Verde, onde têm comida e lugar para dormir. Precisamos de ter muita paciência para os convencer a deixar a rua e vir connosco. De qualquer modo acreditamos que não importa o quanto rica é uma cidade, porque haverá sempre sem-abrigo… Em qualquer parte do mundo! Uma coisa boa é que a comunidade se importa com eles. Durante o Inverno recebemos telefonemas ou [os cidadãos] telefonam para o Governo, por forma a ajudar esses poucos indivíduos. Na verdade, há uma pequena proporção de sem-abrigo.
CL – Alguns andam pelo centro de Macau ou até mesmo nas imediações. É bom para um território que pretende ser o “Centro Mundial do Turismo e Lazer”?
P.P. – Os sem-abrigo têm o direito de permanecer dessa forma na cidade. Lembro-me, num dos casos, de alguém com pouca higiene pessoal, em que foram precisos seis anos só para o convencer a ficar noutro lugar. Foi difícil, mas finalmente veio e ficou em nossa “casa”. Uma vez lembro-me de ele ter vindo e dizer: «Oh, é tempo de receber a minha pensão». E lá foi ele, mas não voltou. Apenas para dizer que os sem-abrigo têm esse direito. Lembro-me também de um dia eu dizer a alguém: «Hoje faz muito frio». E de ele replicar: «Não, está muito arejado. É bom, eu gosto muito». Queria dar-lhe um cobertor, mas disse-me que eu deveria ir [embora].
CL – Qual tem sido o envolvimento da diocese de Macau nas actividades da instituição?
P.P. – A Cáritas é parte da missão da Igreja. Trabalhamos em conjunto no serviço prestado aos mais pobres e aos mais carenciados. Muitos dos locais em que trabalhamos pertencem à Diocese, incluindo a nossa sede, junto à igreja de Santo Agostinho.
CL – Que avaliação faz às Linhas de Acção Governativa para os Assuntos Sociais e Cultura apresentadas na Assembleia Legislativa pelo secretário Alexis Tam?
P.P. – Obviamente que o que apresentou não esteve apenas focado no serviço social, porque também abordou as áreas da saúde, da cultura e da educação. Mas a Cáritas, enquanto organização de caridade, presta maior atenção aos necessitados, tais como aos idosos. Um dos pontos principais que ele mencionou foi o complexo de Coloane para os idosos. É uma boa ideia. É uma grande “casa”, mas Macau também precisa de centros pequenos em várias partes da Península para os idosos e pessoas com deficiência. Não apenas para chegar com mais facilidade às pessoas necessitadas, mas também porque se as assistentes sociais estiverem encarregadas desses centros mais pequenos poderão ser treinadas para dirigir uma “casa” maior. Não se pode enviar alguém para uma “casa” maior e esperar que haja uma boa liderança dele ou dela. As “casas” pequenas também são boas para treinar a liderança.
CL – A Cáritas Macau celebra o seu 65º aniversário entre 8 e 11 de Dezembro. O que consta do programa?
P.P. – Temos uma missa de acção de graças na Sé Catedral, a 8 de Dezembro [ontem]. É uma forma de juntos orarmos por um serviço melhor nos próximos anos e de agradecermos às pessoas que ofereceram [a sua vontade] e se sacrificaram, aos trabalhadores e às pessoas que se preocupam com o nosso serviço. Este é o objectivo principal. Entre 9 e 10 de Dezembro [hoje e amanhã] temos as portas abertas para os parceiros do mesmo ramo visitarem os nossos serviços e partilharem connosco os seus pontos de vista.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com