PADRE THOMAS BETZ

PADRE THOMAS BETZ, ANTIGO PROVINCIAL DOS FRADES MENORES CAPUCHINHOS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

«Na China, a missão da Igreja é ser um sinal da presença de Cristo»

Teólogo, advogado, bacharel em Psicologia. Antigo provincial da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos nos Estados Unidos da América, o padre Thomas Betz trabalha há mais de trinta anos com os católicos chineses de Filadélfia, uma comunidade que sofreu transformações drásticas ao longo dos últimos anos. A experiência valeu-lhe o convite para ser o pregador no retiro anual para sacerdotes e bispos da diocese de Hong Kong, que hoje termina. O padre Thomas Betz, em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIM – Foi convidado para acompanhar ao longo desta semana, como pregador, o retiro anual da diocese de Hong Kong. Como surgiu esta oportunidade?

PADRE THOMAS BETZ – Foi um convite que me deixou muito honrado. Pelo que me foi dado a perceber, a Diocese estava à procura de alguém que pudesse pregar no seu retiro anual. Eu sei que, por vezes, algumas dioceses ou ordens religiosas tentam encontrar alguém que possa encorajar os participantes quando organizam um retiro. Os retiros, como sabe, são um ajuntamento de sacerdotes, contam com a presença dos bispos, e a Diocese estava à procura de alguém que estivesse disponível para os encorajar. Eles não me conhecem, mas eu creio que o convite – ou a sugestão de que eu pudesse participar – veio daqui, das Publicações Claretianas. Foi o padre Jijo [Kandamkulathy] que sugeriu o meu nome a um sacerdote claretiano que está a trabalhar na diocese de Hong Kong. Trabalhei com o padre Jijo na publicação de um livro em língua chinesa. A obra foi publicada em Macau, Hong Kong, Taiwan, e entre as comunidades chinesas da América do Norte. Por causa desse livro, o padre Jijo conhecia o meu trabalho.

CL – Este convite veio, de certa forma, ao encontro do espírito que ao longo dos últimos anos norteou o último Sínodo. Os objectivos traçados já constituem um pouco do trabalho que tem vindo a desenvolver com a comunidade chinesa de Filadélfia…

P.T.B. – Creio que sim. Há um certo número de aspectos que a Igreja tem procurado enfatizar nos dias de hoje. Um desses aspectos é o de ir ao encontro das periferias, das comunidades que vivem nas margens. Suponho que falar para um grupo de sacerdotes e de bispos não é, propriamente, falar para pessoas que estão na periferia. Pelo contrário, estas são pessoas que estão no centro da vida da Igreja. Por outro lado, parece-me que a Igreja na Ásia, a Igreja na China [continental] – e também em Macau e Hong Kong – está, de certa forma, na periferia. Estamos a falar de uma pequena minoria num imenso oceano de pessoas, de não crentes. A Igreja está a tentar ir ao encontro dessa imensidão de gente. E esse esforço leva a Igreja, de certo modo, até às margens. Essa é a missão da Igreja em todo o lado: Evangelizar. Mas aqui, em Hong Kong, em Macau e na China, a missão da Igreja é ser um sinal da presença de Cristo, um sinal do amor de Deus e uma testemunha credível perante as pessoas. Para mim, poder falar para pessoas que estão na linha da frente deste esforço de evangelização é uma grande honra.

CL – Trabalha há mais de trinta anos com a comunidade chinesa de Filadélfia, nos Estados Unidos. A China e a cultura chinesa sempre foram um desafio para a Igreja, que também sempre se viu obrigada a colocar em diálogo a cultura e a doutrina católica. Como é que este diálogo se processa nos Estados Unidos?

P.T.B. – É uma óptima observação. Não conheço a realidade de Hong Kong, de Macau e da China, mas conheço bem o mundo da imigração chinesa nos Estados Unidos e creio que os católicos na diáspora chinesa na América do Norte olham para si próprios como fazendo parte de uma realidade distinta e não se revêem muito na realidade chinesa. Durante muito tempo, as pessoas convertiam-se ao Catolicismo nos Estados Unidos. Quando chegavam, provenientes da Ásia, não eram católicos. Quando a imigração começou a crescer, na década de 80, começámos a receber imigrantes chineses provenientes do Continente e de Hong Kong, e esses já eram católicos. Não foram evangelizados na América. Quando chegavam procuravam praticar a sua fé dentro de um contexto chinês no país de acolhimento. Isto, por vezes, criava algum atrito nas Igrejas norte-americanas, até porque tivemos gerações de fiéis que se tornaram católicos nos Estados Unidos, muitas vezes depois de terem frequentado escolas católicas. A forma como praticavam a sua fé era muito similar à forma como os próprios americanos praticavam a fé católica, num contexto anglófono. Quando os imigrantes católicos começaram a chegar da China, alguns deles provenientes de famílias que eram católicas há várias gerações, trouxeram consigo um registo cultural e uma forma de serem católicos muito própria. Durante algum tempo tivemos de construir pontes entre os católicos chineses nascidos ou convertidos na América e os que chegavam da Ásia já a professar o Catolicismo. Mas as diferenças foram sanadas e hoje vivemos juntos, em harmonia. A minha vinda a Hong Kong é, para mim, uma forma de compromisso com a universalidade da Igreja, com a Igreja na Ásia e com o reforço dos laços com os Estados Unidos. Parece-me que a Igreja nos Estados Unidos, que as comunidades chinesas católicas dos Estados Unidos, talvez necessitem de uma maior ligação com a Igreja na China. Os sacerdotes chineses com que a determinada altura nós trabálhamos foram uma ligação importante, mas não sei se desenvolvemos essa ligação como devíamos.

CL – Há pouco abordava o recente Sínodo sobre a Sinodalidade. Em termos das deliberações que foram aprovados, o documento foi demasiado longe? Ou não foi longe o suficiente?

P.T.B. – Muitos dir-lhe-ão ou uma a outra coisa. Talvez ainda seja demasiado cedo para perceber o que poderá mudar na vida da Igreja. Parece-me que o Sínodo, astutamente, compreendeu que a Igreja não estava preparada para algumas das coisas que foram discutidas. Esse é sempre um dos problemas quando se cria uma certa aura. O mesmo aconteceu com o Concílio Vaticano II, quando se começou a gerar a ideia de que estava tudo sobre a mesa, estava tudo aberto ao debate e a uma eventual revisão. As pessoas podem julgar que isso significa que a Igreja está a enveredar por um processo democrático, onde se pode votar no que quer que seja; os católicos podem votar e pode mudar tudo na Igreja. Obviamente, não é assim que as coisas funcionam no seio da Igreja. À medida que novos pontos-de-vista vão surgindo, que novas sensibilidades vão surgindo, a Igreja enceta um diálogo com a cultura e, por vezes, as atitudes e os comportamentos mudam, mas mudam devagar e de forma cautelosa. Algumas destas mudanças faziam-se anunciadas e o Papa Francisco procurou dar resposta a estas inquietações, sem, no entanto, dizer que estaria tudo em disputa no seio da Igreja. A Igreja nunca insinuou isso. Creio que o propósito da Igreja é o de envolver os membros da Igreja que foram baptizados e que receberam os Sacramentos. Uma das grandes forças da Igreja Católica no passado foi o poderoso testemunho e o trabalho conduzido por padres e religiosas. De um mesmo modo, uma das fraquezas da Igreja hoje em dia é o facto de as pessoas estarem à espera que o padre, que o frade ou a frei façam tudo para encorajar a Igreja e, na verdade, eles não têm essa capacidade.

Marco Carvalho

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