Novos escravos disfarçados de estudantes.
A exploração dos trabalhadores migrantes provenientes dos países em vias de desenvolvimento, ou sub-desenvolvidos, é uma chaga que persiste em muitos países desenvolvidos, sendo particularmente preocupante no Japão. A’O CLARIM o padre dominicano vietnamita Peter Thoai fala sobre o seu ministério pastoral na “Terra do Sol Nascente” e aborda as condições precárias do mercado de trabalho, as agências de recrutamento e os problemas sociais que advêm de toda uma política discriminatória. Aqui e ali, são notadas semelhanças com a realidade de Macau.
O CLARIM – Foi destacado para exercer a actividade pastoral no Japão. Qual é a sua missão?
PADRE PETER THOAI – Como membro da província missionaria de Nossa Senhora do Rosário (cuja história começa em 1587 em Espanha), podia ser enviado para qualquer lugar pelo meu superior. Fui primeiro para a cidade de Matsuyama em 2014, transitando depois para a cidade de Fukuoka em Março do ano passado, a pedido do bispo local, para exercer o ministério pastoral, tanto aos fiéis japoneses, como aos trabalhadores migrantes.
CL – Qual o principal problema que afecta os trabalhadores migrantes com os quais lida? São discriminados pela sociedade?
P.P.T. – Tal como se pode observar em Macau, os trabalhadores migrantes são maioritariamente provenientes de países em vias de desenvolvimento ou sub-desenvolvidos. Uma pessoa que já é pobre torna-a diferente das outras que estão em melhor condição social.
CL – Que agravantes consegue identificar?
P.P.T. – Este facto é ainda mais óbvio num país desenvolvido, tornando-se ao mesmo tempo algo sério, além de outras lacunas existentes, tais como educativas, culturais, linguísticas, modos sociais, etc. Acredito que idêntica experiência também se encontra em Macau. No entanto, também é diferente de Macau, que esteve acostumada a viver com os portugueses quase meio milénio e tornou-se agora numa cidade internacional.
CL – E como descreve a realidade no Japão?
P.P.T. – O Japão é um arquipélago de ilhas que não tem muita experiência de ter sido colonizado, mas sim de colonizar outros países. Apesar dos japoneses serem bem conhecidos após a Segunda Guerra Mundial pela sua humildade, honestidade, paciência, cortesia e forte mentalidade claramente distinta, deixam jovens de países vizinhos em vias de desenvolvimento, tais como das Filipinas, da Indonésia, do Vietname, do Camboja, do Nepal e da China, entre outros, vir através de agências para serem recrutados como fornecimento de mão-de-obra necessária ao desenvolvimento do País. Contudo, garantindo-lhes vistos de estudante, ou de investigador, em vez de vistos de trabalho, pode querer dizer algo… E o que têm à disposição são conhecidos pelos trabalhos 3-K (Kitanai – sujos, Kitsui – pesados, Kiken – perigosos).
CL – Pode elaborar um pouco mais?
P.P.T. – São jovens que têm de trabalhar arduamente para serem pagos à hora de modo a conseguirem fazer face aos encargos escolares, por troca dos vistos de estudante, e para equilibrarem os empréstimos contraídos com as agências. Ironicamente, por vezes a polícia verifica os horários de trabalho e deporta quem labora acima do tempo estipulado para estudantes (24 horas por semana).
CL – Que dificuldades advêm de toda esta política discriminatória?
P.P.T. – Vários problemas sociais emergem aqui: podem ir para casa e terem o fardo da dívida ou permanecem de forma ilegítima, auto-marginalizados e ganhando a vida ilegalmente. O ministério pastoral para os trabalhadores migrantes não é apenas uma questão espiritual. Está centrado no indivíduo, nessas pessoas pobres. Isto é muito mais desafiante quando a Igreja local tem outras prioridades na sua lista de tarefas.
CL – E como resolver o problema?
P.P.T. – Tento confortar o melhor possível os migrantes. Socialmente, unindo-os aos fiéis japoneses; intelectualmente, oferecendo aulas; materialmente, partilhando recursos e, claro, espiritualmente, celebrando os sacramentos. Quanto à Igreja local, sempre que há tempo para isso tento ajudá-los [os fiéis japoneses] a compreender ou a colocarem-se na posição dos migrantes.
CL – De que forma analisa a questão dos trabalhadores migrantes à escala mundial?
P.P.T. – Socialmente falando, prefiro não abordar o assunto para além do âmbito profissional. Espiritualmente falando, os trabalhadores migrantes espalhados à volta do mundo poderão ser a vontade de Deus para que os sensatos e os abastados possam ser reevangelizados por estas pessoas humildes.
CL – O que pode ser feito para minimizar o seu sofrimento?
P.P.T. – Jesus utilizou pessoas rústicas, como André, Pedro, Tiago, João, e as ovelhas espalharam a Boa Nova da salvação. Se foi a vontade de Deus, por que temos que minimizá-la? E por que não ajudarmos, oferecendo a nossa assistência possível, espiritualmente, intelectualmente, socialmente e, até mesmo, financeiramente?
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com