«Os impérios acabam, mas a Igreja continua».
De novo em Macau, o padre José Líbano Monteiro realça a vitalidade da Igreja Católica no território após a transferência de poderes, dando como exemplo as novas vocações e a entrega espiritual de D. José Lai. Radicado em Singapura, o sacerdote do Opus Dei compara as realidades da RAEM e da cidade-Estado, em áreas como o Jogo, o tráfego rodoviário e o planeamento urbanístico.
O CLARIM – Está de regresso a Macau onde participou no encontro anual para sacerdotes do Opus Dei. A que conclusões chegaram?
D. JOSÉ LÍBANO MONTEIRO – Participaram neste encontro dez sacerdotes vindos da Índia, do Sri Lanka, da Coreia do Sul, de Singapura, de Taiwan, de Macau e de Hong Kong. Trocámos impressões e falámos sobre casos relacionados com a moral para se encontrar soluções ao nível das famílias. No fundo, temos esta ideia de fomentar a alegria nas famílias, o que vem a propósito do Sínodo dos Bispos sobre a Família, a decorrer no Vaticano.
CL – Costuma vir com alguma regularidade?
P.J.L.M. – Venho uma vez por ano para participar neste encontro.
CL – Que diferenças encontra sempre que vem ao território?
P.J.L.M. – Encontro diferenças ao nível do tráfego rodoviário, que aumentou muito, e da construção de mais empreendimentos ligados à indústria do Jogo. Em relação à Igreja, sei que houve uma nova vocação diocesana de um “rapaz” novo, de seu nome Cyril [Law Jr., que está a concluir o doutoramento no “Heyhrop College”, em Londres], o que é muito positivo. E temos um bispo que reza! O bispo D. José Lai reza, o que é muito bom.
CL – Tem notado diferenças a nível religioso?
P.J.L.M. – Quando o Opus Dei se estabeleceu cá houve algumas conversões católicas de pessoas chinesas. Estávamos também no tempo do padre Rios e do padre Luís Sequeira, ambos jesuítas. O primeiro trabalhava muito com a juventude portuguesa e o segundo convidava-me para dar as novenas de Nossa Senhora de Fátima, com três missas e três homilias, por altura do 13 de Maio. As procissões também me impressionavam, com a estátua do Senhor na cruz a percorrer as ruas de Macau e a banda da polícia a acompanhar. Tudo isto ficou-me na memória com grande prazer. Desta vez, estou cá cerca de uma semana. Depois de quase quinze anos após a transferência de poderes noto com muita alegria que a missa das 18 horas [na igreja da Sé Catedral] ainda é celebrada em Português. Os impérios acabam, mas a Igreja continua. Fico sempre impressionado, no bom sentido, porque a Igreja Católica poderia ter entrado em declínio após a transferência de poderes, mas é algo que não está a acontecer.
CL – O Opus Dei tem hoje outra visibilidade, não só no contacto com a população, como também pelo facto do director d’O CLARIM ser o capelão da prelatura em Macau…
P.J.L.M. – O trabalho do Opus Dei não se pode contabilizar. O que dizemos às pessoas é que elas podem ser santas através do seu trabalho profissional ou das suas obrigações diárias.
CL – Antes de ir para Singapura esteve em Macau em três períodos – de 1989 a 1991, de 1993 a 1999 e de 2001 a 2010 – intermediados entre permanências em Hong Kong e visitas regulares ao território. Qual a sua presente missão?
P.J.L.M. – Estou no centro do Opus Dei, muito próximo da Universidade Nacional de Singapura. Estão comigo leigos (numerários), alguns dos quais professores do Ensino Superior. Entre outras actividades, organizamos tertúlias e fomentamos a cultura das virtudes humanas nas pessoas.
CL – Nesta mesma edição d’O CLARIM a superiora das Missionárias da Caridade em Macau, irmã Lakra Estaben, afirma que o Jogo e o materialismo estão a destruir as famílias em Macau. Corrobora desta opinião?
P.J.L.M. – Sim, de alguma maneira. Há dados estatísticos a confirmar que o Jogo pode ser viciante. Suponho que isso acontece mais nos homens do que nas mulheres. As pessoas que vão jogar nos casinos têm a esperança de ganhar dinheiro sem trabalhar. O trabalho transforma-nos em pessoas melhores. Por isso, o Jogo pode sempre estragar a vida familiar. Quanto às pessoas com muito dinheiro que jogam, também deviam lembrar-se dos mais pobres, porque há muita gente com problemas…
CL – Será que o Jogo alterou a estrutura social em Singapura?
P.J.L.M. – Ainda não, ainda não! É preciso ver que há maior controlo no acesso aos casinos a quem é cidadão de Singapura, porque têm de pagar uma taxa de admissão. É uma boa medida. Mesmo assim, não descarto que haja alguns problemas, como há em todos os lados onde o Jogo é legal…
CL – O sistema político continua a ser o mais indicado, se tivermos presente o contexto multicultural da cidade-Estado?
P.J.L.M. – É uma questão muito fácil de responder. Nas eleições parlamentares de Setembro de 2011 o Partido de Acção Popular, no Poder há mais de cinco décadas, obteve 60,1% dos votos, número inferior ao resultado eleitoral do mês passado, que se situou nos 69,86%. Os resultados representam a vontade do povo.
CL – A sensação que transparece para o exterior é de uma sociedade que vive sob grande pressão. Parece que as pessoas se sentem amordaçadas e vivem mediante muitas regras. É verdade?
P.J.L.M. – Há regras e há multas. As pessoas receiam as multas. Na minha opinião são as leis que nos regem em sociedade. Se elas não existirem, fica tudo ingovernável. Poderá haver essa ideia [da pressão], mas pelos resultados eleitorais julgo que de uma forma geral as pessoas estão contentes.
CL – Há documentários sobre Singapura que abordam o fosso cada vez maior entre ricos e pobres, à semelhança do que é notícia em Macau. Que soluções?
P.J.L.M. – Em Singapura a rede de transportes públicos é excelente. Não há necessidade, regra geral, de as pessoas terem veículos automóveis. Quem os tem paga impostos, especialmente nos carros de luxo. Suponho que uma parte seja canalizada para as políticas que abrangem as classes sociais mais desfavorecidas. Por outro lado, Singapura aposta muito na excelência de serviços e, essencialmente, da Educação. Daí atrair os melhores alunos da Indonésia, da China, da Malásia, etc. É claro que nem tudo é um mar de rosas, mas se compararmos com outros países asiáticos penso que essa crítica sobre Singapura não seja assim tão justificada…
CL – Há liberdade religiosa?
P.J.L.M. – Totalmente, totalmente. Lembro-me que houve alguns problemas no passado por causa da política de dois filhos. A Igreja Católica é contra os abortos e as contracepções. A política foi entretanto abandonada. Curiosamente, Singapura debate-se agora com o problema da natalidade ser baixa, tornando-se difícil que as famílias voltem a ser numerosas.
CL – O que Macau pode aprender com Singapura?
P.J.L.M. – O desenvolvimento urbanístico da cidade e o sistema de transportes públicos, assim como de tráfego automóvel, são alguns bons exemplos. Sei que Macau tem novos aterros planeados. Na parte velha da cidade haverá espaço para alguma reconversão urbanística. Os bons exemplos de Singapura podem ajudar, não só na parte velha da cidade, como também nas ilhas e nos novos aterros. Macau pode aprender muito com o planeamento urbanístico de Singapura.
CL – Tem contacto com a comunidade portuguesa?
P.J.L.M. – Sei que há cerca de trezentos portugueses, ou luso-descendentes, a viver em Singapura. Noto que a comunidade é muito discreta. Pessoalmente tenho contacto com uma ou duas famílias.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com