A Igreja na China pertence hoje aos fiéis chineses
A igreja de São Lourenço acolheu, no passado sábado, o encerramento do programa para as comemorações do Ano Jubilar Claretiano na região da Ásia Oriental. A iniciativa, que culminou numa Eucaristia Solene concelebrada entre o bispo D. Stephen Lee e o seu homólogo de Fukuoka, D. Josep Maria Abella, trouxe até Macau cerca de 25 sacerdotes da Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria, entre os quais o superior da Delegação dos Missionários Claretianos na Ásia Oriental. Nascido em Espanha, o padre Francisco Carin, CMF, traçou a’O CLARIM um retrato da realidade da Igreja na região.
O CLARIM – 175 anos é um marco muito significado. Como referiu durante a cerimónia, a evangelização da China sempre teve uma grande importância para a Congregação Claretiana. O quão importante foi encerrar as comemorações do Jubileu em Macau?
PADRE FRANCISCO CARIN – Foi importante porque, como eu disse no final, Macau é a primeira diocese moderna desta região. Foi por causa de Macau que nasceram e se desenvolveram grande parte das dioceses da Ásia Oriental, incluindo algumas na China. E foi importante também porque acredito que, aos poucos, estamos a testemunhar uma maior abertura da Igreja, em particular graças ao Papa Francisco e ao acordo que a Santa Sé firmou com as autoridades chinesas. Espero que a Igreja consiga pregar a boa nova do Evangelho na China, com uma presença mais habitual do que aquela de que usufrui agora.
CL – A divulgação da Palavra de Deus e da Bíblia, com cada vez mais conteúdos traduzidos para diferentes línguas, é um dos aspectos mais importantes dos esforços de evangelização conduzidos pelos Missionários Claretianos. De que forma o trabalho editorial desenvolvido Pastoral Bible Foundation trouxe um novo fôlego à Congregação?
P.F.C. – Penso que para nós, Missionários Claretianos da Delegação da Ásia Oriental, a Pastoral Bible Foundation tem sido uma bênção. Desde o início que a Fundação assumiu o desafio de publicar diferentes traduções da Bíblia Cristã. Com o padre Alberto Rossa surgiu o desafio de traduzir a Bíblia para língua chinesa. Não foi, como seria de esperar, uma tarefa fácil. Já tínhamos uma tradução muito boa. Fazer – ou não fazer – uma nova tradução, quando temos uma tradução que é utilizada há tantos anos, foi realmente um desafio, até porque contou com a associação e a colaboração de muitas pessoas dentro da China continental. O mundo de língua chinesa contempla áreas muito diferentes, como Taiwan, Hong Kong, Macau e a China continental. A forma como cada um fala e se expressa hoje é um pouco diferente. Na minha perspectiva, a Pastoral Bible Foundation, nas suas traduções, tem tentado colocar na Bíblia mais expressões e modos de falar com os quais as pessoas da China continental estão familiarizadas. Apercebi-me que há muitas pessoas a ler a Bíblia e é bom que o façam, mas ao mesmo tempo, para muitas delas, o Chinês que vem escrito na Bíblia não soa exactamente ao Chinês que falam no dia-a-dia. Através deste olhar da Pastoral Bible Foundation sobre a Bíblia “chinesa” – mas também de publicações como o “Evangelho Diário” ou outros projectos relacionados com o Evangelho e com a Bíblia – foi criada uma oportunidade para dialogar com os chineses – e diálogo é a palavra-chave – e com aqueles que estão a trabalhar arduamente para levar o Evangelho até ao povo.
CL – Trabalha em Taiwan desde há alguns anos a esta parte. Como é a realidade da Igreja no outro lado do Estreito?
P.F.C. – Creio que cresceu muito nos anos sessenta, setenta e oitenta e estagnou nos anos noventa. Agora, penso que se está a tornar uma Igreja cada vez mais madura, na qual o foco é colocado no diálogo religioso e na evangelização dos adultos. Antes, podemos dizer que a Igreja cresceu muito com algumas conversões, muitas directamente relacionadas com o crescimento das famílias católicas, por via do Baptismo. Mas na minha perspectiva é uma Igreja vibrante. Como se sabe, havia alguns estudantes da China que iam estudar para o Seminário de Fu Ren e, recordo-me, nessa altura havia algumas dúvidas entre algumas pessoas, sobretudo entre os Bispos, que não queriam deixar estes seminaristas fazer qualquer ministério. Eu escrevi um pequeno artigo numa revista em que argumentei que se havia algo que Taiwan pudesse oferecer à Igreja no Continente era uma Universidade. Não Harvard, não um grande Seminário que pudesse ser visto como famoso, mas que pudesse pregar o Evangelho. Não nos preocupamos apenas em construir uma comunidade e comunicar o Evangelho às pessoas. Os sacerdotes, as religiosas e os seminaristas poderiam estudar algo que pudesse ser valioso: como, por exemplo, o modo de levar o Evangelho à sociedade, numa situação menos constrangida, digamos assim. Penso que as coisas estão a mudar e a avançar na China. Mas, como sabemos, às vezes as coisas estão melhores, outras vezes estão mais restritas. Em Taiwan, como também falam Mandarim, é mais uma oportunidade para que os servidores de Deus possam praticar. A Igreja em Taiwan “fala” Inglês, Francês e Espanhol, mas é sobretudo uma Igreja que oferece a experiência de pregar o Evangelho na sua própria língua às pessoas que lá estão.
CL – É um bom laboratório para a evangelização no Continente?
P.F.C. – Acho que nos pode oferecer algumas pistas, até porque em Taiwan nem tudo foi um sucesso. Também aprendemos, principalmente com os nossos erros. Devemos estar cientes de que em Taiwan foram tentadas soluções que não tiveram o sucesso esperado. Mas oferece uma oportunidade para tomarmos o pulso ao trabalho que é necessário conduzir. Talvez seja mais fácil versar o esforço visto como necessário para a sociedade chinesa. Embora, tanto de um lado como do outro, estejamos perante “huaren”, ao mesmo tempo a realidade de ambas as áreas é diferente. Acho que não se trata apenas de transplantar conhecimentos de um lugar para o outro, mas o que Taiwan oferece é a possibilidade de testar experiências e práticas que podem, posteriormente, aplicar-se no Continente. Muitos deles estão a aprender, por exemplo, a trabalhar nos hospitais ou com pessoas desfavorecidas. Taiwan oferece a oportunidade de praticar e aprender nestes sectores.
CL – Cerca de 25 Missionários Claretianos estiveram em Macau no último fim-de-semana, a fim de participarem no encerramento das comemorações do Ano Jubilar Claretiano nesta zona da Ásia Oriental. Este pequeno número de missionários é suficiente para uma área tão significativa do planeta?
P.F.C. – A minha posição é muito similar à de Lei Ming Yuan: a China é para os chineses. Penso que a primeira força motriz, no âmbito da Evangelização da China, deve ser a Igreja na China e o Povo Chinês. Na cerimónia estiveram também alguns irmãos provenientes da China continental, de Huangshan. Nos dias que correm, os missionários são chamados a ajudar e – podemos dizê-lo – a apoiar em algumas situações que são especialmente difíceis para a Igreja local; a ajudar em algumas iniciativas que são por vezes difíceis ou complicadas, especialmente em termos de dinheiro. No passado, a China estava dividida entre as diferentes Congregações: este lugar pertence-me a mim, aquele pertence-te a ti. Este cenário é algo que já não existe e desde o Concílio Vaticano II o panorama é muito claro: a Diocese é dirigida pelo Bispo e as Congregações religiosas são convidadas pelo Bispo, de acordo com as necessidades das Dioceses, para ajudar a levar o Evangelho às pessoas. Há muitas Congregações por todo o lado – em Taiwan, Hong Kong, Macau, Singapura… – que trabalham com os “huaqiao”, os chineses ultramarinos, e que aguardam o momento em que possam dar o seu contributo às dioceses locais. Penso que a Igreja tem mudado muito; espero que o Governo chinês continue a percepcionar que a Igreja é muito diferente do que era nas décadas de 1940 e 1930, onde por vezes as Congregações estrangeiras exerciam muita pressão. Hoje, a Igreja na China pertence aos [fiéis] chineses e à hierarquia [eclesiástica] local. É a hierarquia local quem manda e nós somos apenas ajudantes, que esperam poder ajudar com o que trazemos de novo. Às vezes não é mais do que um conhecimento limitado da língua e nosso desejo de ajudar.
Marco Carvalho