PADRE FRANCIS CHING, CC, SACERDOTE CANADIANO

PADRE FRANCIS CHING, CC, SACERDOTE CANADIANO, EM ENTREVISTA A’O CLARIM

Olhos que não vêem, coração que se enche de Fé

No Canadá é conhecido como o padre que não vê, mas ensina os outros a ver. Nascido em Hong Kong, Francis Ming Chung Ching notabilizou-se através do programa radiofónico “Pergunte ao Padre Francis” e tornou-se um dos sacerdotes mais conhecidos das comunidades chinesas católicas espalhadas pelo mundo. O missionário da Sociedade dos Companheiros da Cruz esteve na última quinta-feira no Colégio Diocesano de São José nº 6, para falar de um percurso pessoal que ficou, desde muito cedo, pautado pela perda de visão. O padre Francis em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIM – Foram-lhe diagnosticados problemas de visão quando ainda muito novo e esse momento acabou por conduzir a uma conversão profunda. De que forma a perda de visão o levou à descoberta do amor de Cristo?

PADRE FRANCIS CHING – Nasci em Hong Kong e a minha família imigrou para Toronto, no Canadá, depois do fim do meu primeiro ano no Ensino Secundário. Quando estava na Primária foi-me diagnosticado um glaucoma durante um exame oftalmológico, mas à época era demasiado pequeno para ser submetido de imediato a cirurgia. A determinada altura, o problema agrava-se e o procedimento cirúrgico torna-se inevitável. O problema é que após a cirurgia, os tecidos danificados aparecem gradualmente e complicações como hemorragias intraoculares, cataratas e degeneração da retina tornam-se comuns. No entanto, a cirurgia não significa uma cura. O que a cirurgia faz é aliviar e desacelerar o processo de deterioração. Depois de me mudar para o Canadá, a minha visão deteriorou-se mais ainda e eu passei a ver cada vez menos. Continuei, ainda assim, a ler, embora mais devagar. Enquanto estudava na Universidade, passei por uma transformação espiritual muito profunda. Até então, a fé em Deus era para mim apenas uma crença comportamental. Com isto quero dizer que a minha relação com Deus não comportava uma experiência muito profunda. Em grande medida, limitava-se ao eco das doutrinas apreendidas e ao respeito por uma certa moralidade. Por exemplo, tinha noção do que era o pecado e sabia que tinha de me confessar depois de cometer um pecado, mas não sentia que tivesse uma experiência muito real de Deus. Quando me deparava com dificuldades, dependia das minhas capacidades e pedia ajuda a Deus, mas sempre de uma forma muito distante. De qualquer modo, quando cheguei à Universidade apercebi-me que podia optar por não ir à Igreja. Antes disso, ia todos os Domingos com a minha família. Quando deixei de viver com a minha família, deixei de ter a iniciativa de ir e comecei a deparar-me com imensos problemas: tornei-me cada vez mais egoísta, cada vez mais centrado em mim mesmo. Comecei a ficar obcecado com os meus próprios pensamentos. Quando fazemos certas coisas deixamos que a nossa curiosidade e os nossos desejos nos arrastem e se apoderem de nós, e isso leva a todo o tipo de pecados. Quando eles se acumulam, deixamos, pura e simplesmente, de pensar na Igreja. Estive um ano e meio sem ir à Igreja.

CL – O que o levou a reaproximar-se de Deus?

P.F.C. – Deus é tão misericordioso que de mais do que uma maneira me obrigou a lembrar quem eu era, mesmo nas situações mais improváveis, através das pessoas que me rodeavam. A maior parte destes meus companheiros, que tinham tido grandes dificuldades para entrar na Universidade, eram protestantes. Com a ajuda de pessoas oriundas de vários quadrantes, não pude senão interrogar-me: “Há muitas pessoas que se preocupam comigo. Por que insisto em fugir e depender apenas de mim mesmo?”. Depois disto, senti em mim uma forte epifania e disse a Deus: “Deste modo, numa situação aparentemente impossível, foram não-católicos que me lembraram de regressar aos teus braços. Apenas tu podes fazer coisas tão incríveis. Nunca mais te abandonarei”. Descobri mais tarde que quando tomo uma decisão, e essa decisão é partilhada com Deus, uma promessa torna-se um favor. A partir de então, nunca mais procurei escapar. Por mais difícil que fosse, estava determinado a encontrar a presença de Deus no seio da comunidade.

CL – A que comunidade se refere? Que experiência lhe permitiu tomar o pulso à presença de Deus?

P.F.C. – Estava a viver em instalações para a comunidade católica chinesa da Costa Leste. Havia mais de uma centena de pessoas a viver lá, o que foi para mim um choque. O mais chocante foi que entre elas estavam mais de uma centena de jovens, que tinham passado por percalços muito parecidos com aqueles pelos quais eu havia passado. Reunimo-nos todos e testemunhámos a acção do Espírito Santo, que operou façanhas verdadeiramente incríveis. Não houve propriamente um crescimento em termos de fé, mas pelo menos fiquei com vontade de mostrar a minha fé ao mundo. De forma a comungar da experiência de Deus, foi para mim importante passar antes por uma experiência de transformação, de perdão e de fortalecimento; por uma experiência verdadeiramente tocante. Desde então, tenho-me esforçado para servir a Deus da melhor maneira que me for possível. Mais tarde, alguém me perguntou se gostava de ser sacerdote. À época, o sacerdote que servia as instalações também nos encorajou: “Vão! Antes de se apaixonarem, em particular vocês, os rapazes, deviam visitar um mosteiro para que possam perceber o que a vida religiosa vos pode oferecer”. No final, fui o único que se tornou sacerdote. Não é que haja qualquer problema com isso. O importante é que nos tenhamos assumido como católicos. Demos um passo em frente e dissemos a Deus com toda a franqueza: “Não te vou rejeitar”. Sempre que tomamos uma decisão, colocamos Deus acima de tudo. Se dissermos a nós mesmos que Deus está acima de tudo, Ele vai manifestar-se. Vai mostrar-se generoso para connosco e brindar-nos-á com a graça da generosidade.

CL – O que o levou finalmente a dizer “sim” a Deus?

P.C.F. – No início de Setembro de 1995, lembro-me de ter ficado surpreendido quando uma freira me perguntou se alguma vez havia considerado a possibilidade de seguir o Sacerdócio. A minha resposta mais imediata foi a mais circunstancial possível, mas depois disso não conseguia deixar de pensar na pergunta e na questão da vocação sacerdotal. Fui falar com o padre que nos acompanhava, e ele disse-me: “Se é esse o caso, então fala com Deus cuidadosamente, faz da oração um exercício regular”. Foi isso que fiz, mas também negociei com Deus: “Meu Deus, quero mesmo conhecer a tua vontade, mas sou muito lento e não estou seguro das tuas palavras. Vais ter, por isso, de usar os teus métodos para me convencer de que esta é mesmo a tua vontade”. Depois disto, pelo menos uma vez por semana, encontrava pessoas que me diziam que devia seguir a via do Sacerdócio. Cheguei a um ponto em que disse a Deus: “Deus, já chega, já percebi!”. E foi então que percebi claramente que eu não era o único a querer ser sacerdote. Deus também queria o mesmo para mim.

CL – Alguma vez sentiu que a perda de visão se poderia revelar um obstáculo à sua vocação?

P.F.C. – O problema da perda de visão foi-se agravando e com o tempo tornou-se bem pior do que quando eu era criança. A partir de determinada altura comecei a necessitar de usar óculos especiais ou de uma lupa para ler. Deixei de conseguir ver a cara das pessoas com clareza e, naturalmente, acabei por começar a ter algumas dúvidas sobre as minhas capacidades. Comecei a ficar com algum receio de não conseguir conduzir o meu trabalho pastoral e de não conseguir aconselhar e zelar pelo meu rebanho. Comecei a ter receio de ficar demasiado dependente dos outros. Depois de pedir a Deus em oração e de me aconselhar com vários sacerdotes, alguém me apresentou a um sacerdote cego, que se deslocava a diferentes paróquias para participar em retiros. Ele pareceu-me muito feliz e a verdade é que o trabalho que conduzia gerava frutos evidentes. Mais tarde, conheci um outro sacerdote que nasceu cego. Este vivia a vida com muitas limitações, mas tinha também uma vida muito feliz. Ambos me disseram que a perda de visão e a cegueira não eram de todo um problema ou um obstáculo na forma como respondemos à vocação. Era, sim, uma oportunidade. Só tinha que saber escolher a alegria.

Jasmin Yiu com Marco Carvalho

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