Padre Alejandro Salcedo, Director da Escola de São Paulo

«A Educação tem de passar por uma grande mudança, a começar pelo jardim-de-infância».

A poucas semanas de deixar o cargo de director da Escola São Paulo, o padre dominicano Alejandro Salcedo Garcia tece o balanço do seu trabalho de 21 anos à frente de uma instituição que tem vindo a adoptar novos métodos de ensino. Diminuir os trabalhos de casa e reduzir cada vez mais o número de testes são duas medidas de sucesso que promovem o autoconhecimento e a autodescoberta no chamado modelo das aulas invertidas.

O CLARIMÉ director da Escola São Paulo há 21 anos. Em Setembro vai deixar o cargo. Que balanço faz do seu trabalho nestas duas décadas?

Pe. ALEJANDRO SALCEDO – É verdade, vou deixar o cargo. Ou se quisermos dizer, transferir a responsabilidade para outra pessoa. Penso que parte de ser um bom gestor e ter boas políticas de gestão é saber quando sair. Para mim chegou esse tempo, para que outra pessoa lidere a escola. Não me arrependo sequer um minuto destes 21 anos em que estive à frente da escola. Tenho a dizer que trabalhei com um fantástico grupo de pessoas, que desde o princípio acreditou e confiou em mim, caminhando juntos e passando por muitos desafios. Posso dizer que não tive queixas dos professores. É claro que houve preocupações e inquietações…

CLQuando se deu isso?

P.A.S. – Por exemplo, quando iniciámos o programa ESOS, que quer dizer “Capacitar os Alunos para uma Escola Aberta” [em Português]. Os professores estavam preocupados com o facto de darmos poder aos alunos e abrirmos as portas aos pais.

CLQue resultados alcançaram?

P.A.S. – Há agora outras escolas a fazer o mesmo. Julgo que fomos a primeira a abrir as portas aos pais para que viessem à escola, se sentassem nas salas de aula e passassem o dia com os filhos sem precisarem de nos informar, nem mesmo aos professores. O balanço que fizemos apontou para o grande sucesso do programa, o que nos surpreendeu.

CLO vosso método é bastante diferente do método conservador…

P.A.S. – É diferente do modo conservador de ver a escola, onde o poder está todo do lado da administração e os pais não têm uma palavra sobre o assunto, nem o direito de entrar de forma assim tão livre na escola. Todos os dias temos cerca de vinte pais que entram na nossa escola e assistem às aulas para verem os que os filhos fazem e o modo como os professores ensinam. Temos também pais que vêm cá como professores.

CLDe que forma tal acontece?

P.A.S. – Por exemplo, se numa turma é chegado o momento de ensinar os alunos a matéria sobre o coração humano, e um dos pais até é cardiologista, pode vir cá e dar uma ou duas aulas sobre o tema. No inicio do ano [académico] damos-lhes todo o currículo escolar…

CLE qual é a opinião do Governo sobre o método?

P.A.S. – Não há problema por parte do departamento de Educação [DSEJ]. Não têm nada contra. Pelo contrário, sempre que podem elogiam o facto de abrirmos a escola aos pais e de os envolvermos na educação dos filhos. Há que lembrar que estamos aqui para ajudar os pais a educar os seus filhos. Não somos o principal educador. O principal educador são os pais. Por isso, os pais têm o direito de saber que tipo de educação [escolar] recebem os filhos.

CLContudo, em termos gerais, as crianças não só passam muitas horas na escola, como também são sobrecarregas com trabalhos de casa…

P.A.S. – É fácil mudar quando lidamos com computadores ou com máquinas. Mas quando lidamos com pessoas, lidamos com cultura, com tradição e com pontos de vista diferentes. É verdade que as crianças passam a maior parte do tempo na escola, mas acho que isso não é um problema. O mais importante é a forma como passam o tempo na escola. Se gostam de frequentar a escola, de aprender e do ambiente, julgo que não há problema. Mas se não gostam da escola e sentem que é como uma prisão então é uma tortura, um inferno. Há depois o período pós-escolar com explicações, trabalhos de casa, aulas de piano, de dança ou de violino. São precisas mais três ou quatro horas…

CLE na Escola São Paulo?

P.A.S. – Estamos a tentar diminuir os trabalhos de casa. Já fomos elogiados por alguns pais, mas também já fomos criticados por outros. É muito difícil fazer o equilíbrio. Na minha opinião pessoal, a escola termina quando as crianças acabam o dia de aulas. Não quer dizer que acabem de aprender. As crianças devem continuar a aprender, mas de maneira diferente. É por isso que estamos a tentar fazer a mudança para as aulas invertidas. Ou seja, o que antes se fazia na escola, faz-se agora em casa, e vice-versa. É mais interessante para as crianças.

CLPode dar-nos um exemplo?

P.A.S. – Por exemplo, amanhã a aula é sobre as Ruínas de São Paulo… Os alunos preparam a lição em casa, o seu “PowerPoint” e o material. Fazem a sua própria investigação e no dia seguinte apresentam o que descobriram na sala de aula. Tentamos fazer com que as crianças sejam responsáveis pela sua aprendizagem, e não os professores. Acredito realmente do fundo do meu coração que não sinto que as crianças não gostem de aprender. São os professores que não sabem ensinar. As crianças têm uma mente e inteligência esfomeada que deve ser preenchida por conhecimento.

CLO que deve mudar então?

P.A.S. – Acho que a Educação tem de passar por uma grande mudança, a começar pelo jardim-de-infância. Não podemos ensinar da forma como temos feito. Tem que ser mais no sentido do autoconhecimento, da autodescoberta. Estamos também a tentar acabar com os testes na escola. Há cerca de três ou quatro anos iniciámos esta política de tentarmos acabar com os testes. Estamos agora numa percentagem de quarenta por cento por meio de testes e de sessenta por cento por meio de avaliação diária feita pelos professores. Acredito que é muito injusto avaliar os alunos somente através de uma folha de papel. Imaginemos que há quem tivesse trabalhado arduamente o semestre inteiro, que é sabedor e tem muito conhecimento, mas no dia anterior ao teste teve problemas em casa, ou havia muito barulho em casa, ou não se sentia bem. E que o teste não correu bem e teve negativa. Por outro lado, aquele que é muito bom a decorar, mas pouco sabe da matéria, teve nota positiva. Não é justo!

CLO seu sucessor vai continuar com este modelo inovador?

P.A.S. – O novo director, o padre Athanasius Chan, irá provavelmente continuar, pois concordou com este projecto. Está na escola há muitos anos e conhece muito bem a escola. Estou certo que levará a escola a novos horizontes.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

 

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