«A igreja é o primeiro local que os filipinos procuram».
Fundada há sessenta anos, nos Estados Unidos, a Sociedade de Nossa Senhora da Santíssima Trindade foi encarregada pela diocese de Macau de responder às necessidades espirituais da comunidade filipina radicada no território. Em Macau desde 1999, a congregação faz do trabalho de equipa – e de um esforço de coordenação entre sacerdotes, religiosas e leigos – o método de eleição para levar a Palavra de Deus a quem dela mais necessita. A queda do número de vocações é um dos desafios com que a Sociedade se depara. Entrevistamos o Padre Alejandre Vergara.
O CLARIM – O que diferencia a Sociedade de Nossa Senhora da Santíssima Trindade das demais congregações e ordens religiosas?
PADRE ALEJANDRE VERGARA – Antes de mais, gostava de lhe falar do nosso fundador, o padre James Flanagan. Morreu há dois anos e antes de fundar a Sociedade integrava o clero diocesano de Boston. Teve a inspiração de fundar uma nova congregação, depois de ter combatido na Segunda Guerra Mundial e de ter testemunhado muitas divisões e ressentimentos. Por ter vivido o que viveu, o padre Flanagan assumiu a missão de procurar unir o mundo, tendo como referência a unidade da Santíssima Trindade. A Santíssima Trindade – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – está unida no amor e o nosso fundador concluiu que essa era única forma de promover uma cura para relações que se encontravam fragmentadas. No entender do padre Flanagan, o que não faltava no mundo eram relações danificadas: relações interrompidas com Deus, relações fragmentadas entre amigos e relações fraccionadas mesmo no interior de nós mesmos. A visão que teve dizia respeito à necessidade de construir uma união entre as pessoas. Mas a única forma de assegurar essa unidade é através de Deus. A visão que teve resumimo-la a um princípio: “Todas as pessoas em unidade com a Trindade, através do discipulado de Jesus e de Maria”. Apenas fazendo de Jesus Cristo nosso parceiro conseguimos trazer unidade ao mundo.
CL – A Sociedade procura atingir essa unidade através de uma abordagem inovadora…
P.A.V. – A congregação abarca três grandes comunidades: temos a comunidade dos sacerdotes, a comunidade das religiosas e a comunidade dos leigos. A nossa intenção passa por formar uma comunidade inteira e funcional, uma vez que há necessidades na Igreja a que não podem ser apenas os padres a dar resposta. O padre James Flanagan sempre entendeu a Igreja como uma comunidade inteira e é por isso que nos referimos ao trabalho de evangelização como “trabalho de equipa”. O nosso fundador foi um atleta. Ele costumava dizer que as vitórias só se atingem quando se trabalha em equipa.
CL – O futuro da própria Igreja poderá passar por uma abordagem deste género ao desígnio da evangelização?
P.A.V. – O grande objectivo do nosso fundador foi poder ajudar a Igreja, considerada num todo. Nas Filipinas esta forma de agir já é um dado adquirido, mas aqui em Macau, uma vez que ainda não temos muitos membros entre as religiosas e os leigos, a nossa congregação decidiu que devíamos trabalhar com os leigos e as comunidades religiosas que já estão presentes no território. Convidámos algumas religiosas para trabalhar connosco, especialmente no campo do aconselhamento e em algumas outras actividades na quais elas nos podem ser úteis. Temos também alguns laicos a trabalhar connosco.
CL – Quais são os principais desafios com que a Sociedade se depara em Macau? Com quem trabalham exactamente no território?
P.A.V. – O bispo confiou-nos o trabalho pastoral com os imigrantes filipinos. Temos cerca de trinta mil filipinos em Macau e é a eles que prestamos assistência. No entanto, somos procurados por outras comunidades que vêm até nós em busca de ajuda. O bispo pediu-nos que focássemos a nossa atenção sobretudo na comunidade filipina, pura e simplesmente porque são muitos. Organizamos muitas actividades e convidados sempre os imigrantes filipinos a marcar presença. O nosso objectivo passa por nutrir, por dar resposta às suas necessidades espirituais. É verdade que há outras necessidades com as quais eles se deparam, sobretudo ao nível do aconselhamento. Procuramos colocá-los em contacto com pessoas que têm experiência nessa matéria.
CL – A Igreja assume um papel importante na integração da comunidade filipina na sociedade local?
P.A.V. – Sim. Creio que desempenha exactamente esse papel. No que toca às actividades que desenvolvemos, procuramos sempre garantir a aprovação da Igreja, e essas iniciativas são o mais das vezes avalizadas pela Diocese. É por isso que as igrejas do território estão cada vez mais cheias de fiéis das Filipinas. Este mês, durante a segunda metade de Setembro, teremos a celebração do “Simbang Gabi”, uma novena com missas de manhã e à noite de preparação para o Natal. A novena arranca a 15 de Dezembro, no caso das missas vespertinas, e a 16 para os que queiram frequentar as missas matinais. É algo que nos deixa muito satisfeitos: poder celebrar o “Simbang Gabi” em Macau.
CL – Dizia que o número de filipinos que participa activamente nas actividades da Igreja em Macau está a aumentar…
P.A.V. – Tenho essa ideia. Quando cheguei a Macau, em 2014, só existiam duas missas em língua inglesa na igreja de Santo Agostinho; havia uma outra na Sé Catedral e uma quarta, ainda, na igreja de Nossa Senhora do Carmo, na Taipa. Agora, há missas em São Lázaro, acrescentámos duas novas eucaristias na igreja de Santo Agostinho e ainda uma outra na Sé Catedral. O bispo perguntou-me se eu queria avançar com mais missas, mas para que tal aconteça teríamos que encontrar igrejas disponíveis.
CL – Quais diria que são os principais desafios que a Sociedade enfrenta nos próximos sessenta anos?
P.A.V. – Quando a Sociedade se instalou nas Filipinas não faltavam vocações. Eram muitas. É agora o principal desafio, na minha perspectiva… Recebemos um número significativo de convites para missionação, mas a verdade é que temos cada vez menos vocações nas Filipinas. Ainda há sacerdotes a serem formados, mas não temos capacidade para responder aos convites que recebemos para enviar missionários para diferentes locais. Nos últimos anos admitimos apenas dois novos sacerdotes na nossa congregação. Antes, costumávamos ter entre seis e oito novos padres ordenados e o número de religiosas consagradas também era significativo. Neste momento é esse o desafio, mesmo para as outras comunidades religiosas.
CL – E em Macau? Quais são os desafios?
P.A.V. – Mantemos um diálogo muito próximo com a Diocese, que nos incumbiu entretanto de procurar fazer chegar a Palavra de Deus aos mais jovens. Fomos convidados pela Diocese para mobilizar os jovens; para convencer a juventude filipina radicada em Macau a participar nas diferentes actividades que vamos promover no próximo ano. A Diocese não nos nega apoio porque percebeu que são muitos os filipinos que frequentam a Igreja. Isto não acontece apenas em Macau. É algo que está a acontecer em diferentes partes do mundo. A igreja é o primeiro local que os filipinos procuram, onde quer que estejam. Disse ao bispo que isto acontece porque os filipinos fazem questão de manter viva a sua fé.
Marco Carvalho