Idosos não podem ser prejudicados pelos cortes orçamentais
A Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC) devolveu à Fundação Macau mais de meio milhão de patacas relativas às subvenções financeiras que recebeu para o corrente ano e Jorge Fão está preparado para novos cortes, desde que sejam feitos de forma racional. O presidente da Assembleia Geral do organismo aplaude a decisão do Governo de avançar para a construção de residências exclusivas para a terceira idade, mas defende que ainda há questões a resolver, sobretudo no que diz respeito ao acesso aos cuidados de saúde e à promoção de uma maior qualidade de vida. O dirigente e fundador da APOMAC em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM– Ficou satisfeito com as medidas que foram apresentadas nas Linhas de Acção Governativa por Ho Iat Seng? Os apoios sociais previstos pelo Governo chegam para fazer face às preocupações da população neste contexto de crise amplificada pela pandemia do Covid-19?
JORGE FÃO– Eu li por alto as Linhas de Acção Governativa em todas áreas, mas a área pela qual nutro um interesse mais particular é a da acção social e do tratamento dos idosos. São duas áreas com as quais me preocupo muito, por ossos do ofício. Estou à frente da Assembleia Geral da APOMAC e a APOMAC lida com idosos. Temos cerca de mil associados, todos com uma idade bonita. Eu tenho já 73 anos feitos. Dos nossos associados, poucos têm menos do que 65 anos. São pessoas de idade. De grosso modo, neste primeiro ano, acho que o Chefe do Executivo fez o possível para que as pessoas se sintam satisfeitas. Acho que neste momento não deve existir ninguém, nenhum cidadão, que não esteja satisfeito com as políticas e os incentivos introduzidos por ele ao longo destes onze meses. Como a economia está a perder fôlego, e necessariamente vai ter que perder, dado que estamos muito dependentes do turismo e do jogo que são as nossas grandes fontes de receita, o Chefe do Executivo optou por medidas mais austeras. Eu estive a fazer os cálculos e, no que diz respeito aos aposentados, vamos perder dinheiro. Vamos perder, efectivamente, por volta de umas quinze mil patacas. Este ano, o Governo distribuiu os vales de saúde por duas vezes. Houve apoios que o Governo nunca tinha dado e que este ano deu, como por exemplo o cartão de consumo, no valor de oito mil patacas. Se somarmos tudo isto, os idosos vão receber menos quinze mil patacas, mais coisa, menos coisa. Mas é algo que se compreende. Se as perspectivas não são boas, todos nós temos de arcar com essas dificuldades. Agora, ele fez referência a uma questão que, para mim, é uma questão muito importante…
CL– A questão dos edifícios residenciais para idosos…
J.F.– O Chefe do Executivo disse que ia pedir ao Secretário para as Obras Públicas para acabar a construção de duas torres de habitação para idosos. Esta é uma questão pela qual eu tenho vindo a batalhar ao longo de muitos anos. Eu lembro-me de ter falado com o primeiro Chefe do Executivo e de lhe ter dito que em Macau, de facto, os idosos não têm locais dignos onde possam viver. Temos uma sociedade envelhecida e uma comunidade idosa muito grande. A APOMAC tem para aí trezentos e tal sócios com mais de oitenta anos. Quem diz a APOMAC, diz os Kai Fong e diz muitas outras associações. Noutros países desenvolvidos, pelo menos naqueles que têm algum dinheiro, normalmente existem zonas ou complexos habitacionais destinados apenas aos idosos. Na Austrália existe. Eles chamam a esses espaços “senior citizens villages” ou “senior citizens towns”. Ora, nós aqui não temos, mas devíamos ter: temos dinheiro e nada obsta à construção de algumas torres – ou até podia ser um condomínio fechado – só para aquela gente. Não têm que ser umas torres muito altas, mas é justo que houvesse um condomínio onde houvesse prestação de cuidados de saúde e apoio para isto ou apoio para aquilo. É o que existe no estrangeiro. Os países desenvolvidos têm estas estruturas e eu visitei algumas.
CL– Ho Iat Seng voltou a reiterar a necessidade de fazer com que o dinheiro do erário público seja investido de uma forma mais racional. Teme que a APOMAC seja afectada por estas novas circunstâncias? Ou não?
J.F.– Bom, até ao momento, não sabemos o que pode vir a acontecer em relação às associações que vivem das subvenções da Fundação Macau. Foi-nos dito que estas associações teriam que fazer cortes ainda este ano. A APOMAC, por exemplo, devolveu mais de meio milhão de patacas à Fundação Macau. Eles pediram, nesse âmbito, que as associações devolvessem dez por cento do que receberam. Nós devolvemos mais do que dez por cento. Porquê? Porque calhou ser um ano de pandemia e estas eram despesas que tinham a ver com projectos de entretenimento. Nós acabamos com esses projectos todos e só aí conseguimos poupar umas quinhentas e tal mil patacas. Mas isto tem a ver com a pandemia. São projectos que não podíamos efectivar. Agora, se no próximo ano, eles começarem a cortar à toa, nós vamos ficar prejudicados. Só espero que o Governo tenha a consciência e o juízo suficiente para não fazer cortes dos pés para a mão. Nós aqui funcionamos efectivamente… A APOMAC é uma associação que desde que foi fundada esteve sempre a funcionar. Nós funcionamos de facto. E porque é que temos de funcionar de facto? Porque temos de dar apoio constante aos nossos associados.
CL– Para além dessa questão da residência para idosos de que falava, quais é que deviam ser, no seu entender, as grandes prioridades do Governo face aquilo que é a realidade dos idosos em Macau?
J.F.– Bem, uma das coisas que o Governo vai introduzir é a decisão de que os prestadores de cuidados – as pessoas que apoiam os idosos – vão ter um subsídio. Eu acho que isto também é muito útil. Porquê? Uma coisa é apoiar uma pessoa idosa que não é doente. A outra é dar apoio a uma pessoa idosa que tenha uma doença. Embora o valor seja quase mínimo – duas mil e tal patacas, salvo erro – é melhor que nada. Isto é um bom começo: amanhã um idoso precisa de uma pessoa, contrata-a e o Governo apoia, pagando parte do salário dessa pessoa. Nem todo o mundo pode pagar a uma pessoa para tomar conta de si próprio. Isto é importante. Por outro lado, e para além das casas, eu penso que no que toca à parte hospitalar, no que toca à parte da saúde, há que criar uma maneira de oferecer primazia aos idosos para que sejam atendidos. Eles não deviam ter que continuar a ficar ali à espera, duas horas, três horas para ser atendidos. Eu acho que um idoso – uma pessoa sénior com mais de 65 anos – devia ter esse privilégio, o de ser atendido prioritariamente à frente de outras pessoas. Há que criar um esquema para isto. Mas não é só isso. O Governo também deve facilitar no capítulo do levantamento das receitas dos medicamentos: os doentes recebem uns comprimidos, voltam daí a três meses para ir buscar mais; mas se um doente precisa desses medicamentos para o resto da vida, na minha opinião o Governo devia facilitar o receituário. A APOMAC tem uma clínica, tem uma médica, tem uma fisioterapeuta, tem uma enfermeira. Agora eu pergunto: porque é que o Governo não facilita a vida aos sócios da APOMAC e permite que nós façamos o receituário? Nós podemos ajudar.
Marco Carvalho