Nicole Azevedo Barros, Directora da “Escola de Dança Nicole”

Cabo Verde quer organizar festival internacional de folclore.

A participação da “Escola de Dança Nicole” na última edição do Festival Juvenil Internacional de Dança deixou boas indicações a Nicole Barros, professora e directora do grupo cabo-verdiano que trabalha com crianças e adultos em várias modalidades. Em entrevista a’O CLARIM, revelou que Macau abriu a porta para voos mais altos. A organização de um festival em Cabo Verde é uma das hipóteses agora em cima da mesa, assim como alargar o âmbito de ensino às escolas e colégios da cidade da Praia.

O CLARIMViajou até Macau para participar no Festival Juvenil Internacional de Dança. Como surgiu o convite à “Escola de Dança Nicole”?

NICOLE AZEVEDO BARROS – Fomos convidados a participar por e-mail. Não estávamos mesmo a acreditar se ia dar certo. Mas fizemos a inscrição para experimentar. Mandámos depois os vídeos da Escola e o nosso historial. Fomos selecionados e estamos aqui.

CLE que recepção tiveram do público?

N.A.B. – Para nós foi espectacular, até porque fomos muito bem recebidos. Ficámos às vezes um pouquinho a pensar se íamos estar a bom nível, mas o público recebeu muito bem as nossas coreografias e gostou imenso. Os países mais fortes também nos elogiaram, o que para nós foi muito bom.

CLQue mensagem quiseram transmitir ao público?

N.A.B. – As coreografias tentaram contar um pouco a história de Cabo Verde, desde a origem vulcânica, da qual surgiu as ilhas, até aos colonos e à escravatura, o que acabou por ser a fusão do cabo-verdiano, mesmo com outros países. Os três números tiveram uma continuidade. No nosso grupo juntámos bailarinos de Cabo Verde, da Praia, para podermos vir aqui actuar. Como a Escola é muito nova, e trabalhamos com crianças, tivemos que ir à “busca” de bailarinos. Cada um tinha o seu estilo próprio. As coreográficas foram dentro do afro, das danças urbanas, do clássico, do contemporâneo, do tradicional. Acabámos por fazer uma fusão de tudo.

CLSentiu o cruzamento entre as culturas ocidental e oriental em Macau?

N.A.B. – Sinceramente, não senti tanto. Pensei que houvesse mais pessoas a falar Português e que conseguíssemos comunicar melhor. Foi uma surpresa para nós, porque chegámos a Macau, um território que já tinha sido português, e quem encontrámos só falava Chinês ou Inglês. Havia muito pouca gente a falar Português. Mas fomos muito bem recebidos. Aquele senhor, da organização do Festival, que fala um bocadinho de Português…

CLPelo que viu do evento, com que ideia ficou da realidade cultural existente em Macau?

N.A.B. – Gostei muito da parte em que valorizam o folclore e o tradicional. O que vi lá fora é que não há muitos espectáculos internacionais de dança deste género. Aqui [em Macau] é uma forma de unir culturas. Chegámos cá e estamos todos a falar a mesma língua. Na dança não precisamos nem de falar Inglês, Português ou Francês. Basta estarmos num “workshop” a dançar. É uma forma de nos unificar, buscando a cultura que está sendo esquecida.

CLQue impressão leva do território?

N.A.B. – Já carrego comigo muitas ideias. Com os contactos que fiz cá, estou a pensar em organizar no próximo ano um festival internacional folclórico em Cabo Verde. A minha ideia é levar para lá um pouco do que vi e do que aprendi aqui. É uma ideia que, tenho a certeza, vai dar certo. Mas infelizmente não temos muitos apoios. Assim é difícil andar para a frente. Este evento foi para nós a primeira porta para muitos outros trabalhos.

CLFale-nos um pouco da “Escola de Dança Nicole”…

N.A.B. – A Escola existe há seis anos. Fica na Praia, a capital. Trabalhamos mais a modalidade do ballet clássico. Temos também outras modalidades – dança contemporânea, dança tradicional, hip hop, fusão oriental, afro-brasileiro, kaizen dance, capoeira, ballet fitness, dança de salão, etc. Tenho dez turmas de ballet clássico. E temos outros professores de outras modalidades.

CLDe onde veio essa paixão pela dança?

N.A.B. – Estudei engenharia civil (risos) no Brasil, mas em Cabo Verde fiz dez anos de ginástica rítmica. Quando fui estudar para o Brasil fiz cinco anos de dança numas companhias de lá; fui fazendo o ballet clássico, o contemporâneo. Nos Estados Unidos fiz um curso de artes visuais, mas fiz também dança de salão e teatro musical.

CLBrasil, Cabo Verde e Estados Unidos… E Portugal, também entra na sua vida?

N.A.B. – Todos os anos vou a Portugal. Aproveito para fazer os cursos do Conservatório. No ano passado frequentei o Conservatório Nacional de Lisboa. Este ano, em Maio, frequentei o Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez, em Leiria. Todos os anos tento sair uma ou duas vezes [de Cabo Verde] para me formar um pouco mais. A falta que sentimos em Cabo Verde é de professores e de formadores para bailarinos. No ano passado levei a minha maestra do Brasil, este ano vou tentar levar um professor.

CLComo é o seu trabalho em Cabo Verde?

N.A.B. – Trabalho com crianças a partir dos dois anos até à idade adulta. Neste momento são 250 alunos. Tento recrutar crianças e adolescentes que estão um pouco atrapalhados. Com a dança conseguem mudar drasticamente. Alguns estão em risco [de exclusão social]. Nestes casos, fazemos mais [ajuda] por “portas fechadas”. Sem as outras crianças ou os outros pais saberem, escolhemos as crianças, as que tenham futuro, recrutamo-las e damos-lhes equipamento. Não pagam mensalidade e ainda pagamos o transporte. O mais importante é que apareçam às aulas e sigam as regras da Escola sem terem que pagar.

CLQue projectos para o futuro?

N.A.B. – As aulas funcionam como se fossem uma disciplina extra-curricular. Estamos a tentar envolver as aulas de dança a outro nível, até mesmo saindo do nosso espaço e irmos dar aulas para as escolas e colégios. A minha ideia, já a partir do próximo semestre, é dividir – vou ter a “Escola de Dança Nicole” e a “Companhia de Dança Nicole”. E vou ter que fazer um contrato com os pais, porque se os filhos quiserem seguir a carreira profissional terão que levar a dança de outra forma, mais a sério.

CLE os apoios?

N.A.B. – A maior dificuldade que temos é conseguirmos os recursos suficientes para ensinarmos da melhor forma. Trabalho muito, porque sou obrigada a isso. Gostaria de ter outra estrutura, mas para isso seria preciso que alguém me apoiasse para que ficasse mais descansada com os meus pequeninos. Enquanto não conseguir um profissional de fora que trabalhe na Escola… Para isso precisamos de dinheiro, precisamos de parceiros, de uma entidade ou de algum filantropo que nos ajude a crescer. Seja de Cabo Verde ou fora de Cabo Verde.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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