«Macau pode ajudar na nossa herança cultural»
Católico e português de coração, Manuel Bosco Lazaroo lamenta que Portugal se tenha esquecido dos luso-descendentes do Bairro Português de Malaca e deseja que Macau retome o intercâmbio cultural com esta comunidade sedeada na Malásia. A’O CLARIM evidenciou também a harmonia e o respeito entre cristãos e muçulmanos.
O CLARIM – No “Kampung Portugis”, Bairro Português de Malaca, explora o “Papa Joe Restaurant & Pub”, onde as paredes estão pintada de verde, encarnado e amarelo, numa invocação à bandeira de Portugal. Que especialidades constam no menu da casa?
MANUEL BOSCO LAZAROO – Tenho pratos portugueses e nyonya.
CL – Fale-nos da segunda…
M.B.L. – É a comida deixada pelos imigrantes chineses que se casaram com malaios (dos Estabelecimentos dos Estreitos).
CL – Ainda vive no Bairro?
M.B.L. – Já cá vivi, mas agora estou a cerca de dez minutos de carro… ou de mota.
CL – E compreende Português?
M.B.L. – Falo Português antigo e compreendo o moderno. Aqui não temos escolas nem livros para aprendermos a língua, mas temos a nossa gramática antiga que ao longo de muitas gerações tem passado de pais para filhos.
CL – O legado ainda é muito forte, apesar de Malaca ter apenas sido colónia portuguesa entre 1511 e 1641…
M.B.L. – Temos o Entrudo e festejamos o Santo António, o São João, o São Pedro e o Natal.
CL – Como celebram o Natal?
M.B.L. – Temos comida em casa, “beberaza” (bebidas) e os amigos vêm todos encontrar-se connosco.
CL – É católico ou muçulmano?
M.B.L. – Católico. No Bairro Português são todos católicos. Em Malaca somos todos camaradas, ninguém briga uns com os outros [entre católicos e muçulmanos].
CL – O “Kampung Portugis” recebe muitos turistas por ano, sejam malaios, asiáticos, do Médio Oriente ou ocidentais. O que pensam eles sobre este bairro de características católicas, num país de maioria muçulmana?
M.B.L. – Sentem que este é um lugar especial porque não temos qualquer tipo de problema. Podemos fazer o que quisermos e até o Governo não nos “chateia”, o que também é bom para o turismo.
CL – Antes de terem o negócio da restauração e bares de que forma as pessoas do Bairro ganhavam a vida?
M.B.L. – A maioria dedicava-se à pesca, mas agora podemos ver cada vez menos pescadores. Perto do Bairro estão a abrir novos hotéis e mais terra está a ser reclamada ao mar. Por isso, os pescadores foram quase todos embora e a maioria dos seus filhos está a trabalhar na Administração local.
CL – Os restaurantes do “Medan Portugis” (Praça Portuguesa) são um meio dos luso-descendentes terem uma vida melhor…
M.B.L. – Este é o único lugar da Malásia onde se come pratos portugueses de marisco. Não há outro Estado, a não ser o de Malaca. No meu restaurante tenho galinha portuguesa, peixe na brasa, camarão com ananás, entre outros. Não tenho bacalhau…
CL – Visto que Macau é um lugar especial na República Popular da China, por causa do legado português, julga que o território pode ser importante para Malaca, ou nem por isso?
M.B.L. – Ainda pensamos em Macau, mas como já não tem mais Administração portuguesa (devido à transferência de poderes em 1999) as coisas estão agora muito lentas. O meu grupo “Rancho Folclórico São Pedro” foi duas vezes a Macau e actuou em frente ao Leal Senado, no Clube Militar e na ilha da Taipa. Havia alguns contactos para nos ajudarem. Por exemplo, o meu filho teve uma bolsa para estudar em Macau.
CL – Será que a situação pode mudar para melhor?
M.B.L. – Poderá. Podemos pensar no intercâmbio do legado cultural. Seria importante para ambas as partes.
CL – O padre Lancelote Rodrigues, também ele malaqueiro…
M.B.L. – Era muito meu amigo. Visitávamo-nos um ao outro, umas vezes ele vinha a Malaca, outras vezes ia eu a Macau. A última vez que fui a Macau foi por altura do seu aniversário em Dezembro de 2012.
CL – As pessoas em Portugal esqueceram-se de Malaca?
M.B.L. – Não sabem [acerca de Malaca] porque quando fui ao “Portugal dos Pequeninos”, em Coimbra, vi um grande mapa do mundo. O director perguntou a minha opinião e disse-lhe: “este mapa é bonito. Podemos ver o Brasil, Moçambique, Angola, Goa (Índia), Timor e Macau, mas Malaca não está no mapa”. Quando depois a minha irmã foi lá verificou que Malaca já tinha sido adicionada.
CL – Que sentimento guarda da visita a Portugal?
M.B.L. – Não estava à espera de ir, mas fui convidado pela Associação Cultural Coração em Malaca (sedeada em Torres Vedras, Portugal) e visitei lugares muito bonitos. Foi muito bom. No meu restaurante tenho a bandeira portuguesa pintada nas paredes e quando os turistas entram canto-lhes músicas do folclore português com a minha viola. Ficam felizes. Tenho 79 canções aqui (aponta com o dedo para a cabeça). E tenho 74 anos.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA