IRENE CHEUNG

IRENE CHEUNG, DIRECTORA DO COLÉGIO MATEUS RICCI

«Gostávamos que os alunos abraçassem os valores dos jesuítas»

Amor, diligência, companheirismo e a capacidade para se colocarem ao serviço do mundo. No início de um novo ano lectivo, o núcleo de valores que o Colégio Mateus Ricci se propõe transmitir aos seus alunos mantém-se intocado. Para 2019-2020, o estabelecimento de ensino conta com cerca de mil e 100 alunos e com um problema em mãos. A remodelação das instalações onde funciona o Jardim de Infância poderá obrigar a escola a ter de reduzir mais ainda o número de alunos nos próximos anos. Há cinco anos à frente dos destinos do Colégio Mateus Ricci, Irene Cheung em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIMDe que forma é que o Colégio Mateus Ricci se preparou para o novo ano lectivo? Quais são os principais desafios que se colocam à direcção por si liderada? E qual o número de alunos?

IRENE CHEUNG– Este ano temos cerca de mil e 100 alunos, do Jardim de Infância ao Secundário. O principal desafio, no que à gestão do corpo discente diz respeito, está relacionado com o Ensino Secundário, onde o número de estudantes é menor. Este ano temos à volta de 370 alunos inscritos no Ensino Secundário. A maior parte dos nossos alunos frequenta o Ensino Primário. Tentamos gerir o número de alunos de forma a encontrar um certo equilíbrio entre as diferentes secções. O nosso grande objectivo é o de ter quatro turmas em cada ano lectivo. Uma vez que o número de salas disponíveis é limitado, não podemos receber um número muito desproporcional de alunos. Temos planos para reconstruir as valências onde funciona o Jardim de Infância e quando as obras se iniciarem teremos que transferir os estudantes para aqui ou encontrar uma solução alternativa. Rezo para que possamos ter um sítio onde colocar estes alunos. Estamos a tentar construir esse equilíbrio para não termos que lidar com eventuais contrariedades nos próximos anos.

CLE no que diz respeito à contratação de professores? Este investimento facilitou a contratação de novos docentes? Este era um problema significativo há meia dúzia de anos…

I.C.– O Governo também concebeu algumas políticas com esse aspecto em mente. Tem vindo a atribuir bolsas de estudo aos melhores alunos, de forma a que possam optar pela via da educação. Ao longo dos últimos anos, as contratações que temos feto têm contado com o apoio do Governo. Recebemos muitas candidaturas todos os anos, mas o volume de candidatos difere de disciplina para disciplina. Não é fácil contratar novos professores para Educação Moral. O número de candidaturas que recebemos para disciplinas como Física ou Química também não é muito significativo, nos antípodas do que acontece com disciplinas como Inglês, Chinês, Matemática ou outros tópicos mais gerais, onde as candidaturas são às dezenas. Temos vindo a trabalhar com a Associação das Escolas Católicas e com a Universidade de São José, de modo a poder realizar cursos e acções de formação para preparar novos professores de Educação Moral. No nosso caso, a maior parte tanto dos nossos alunos como dos nossos professores não são católicos. Diria que 98 por cento são não-católicos. No entanto, trabalhamos de forma a transmitir-lhe o que entendemos ser o núcleo duro dos valores católicos e dos valores pelos quais se caracteriza a educação jesuítica. A maior parte dos professores, como dizia, não são católicos, mas a partir do momento em que são contratados procuramos inculcar neles, através das experiências do quotidiano, este núcleo duro de valores católicos. O nosso capelão faz um trabalho importante. Estes valores de que lhe falo estão intimamente ligados à nossa vivência do dia-a-dia, da mesma forma que Jesus era alguém concreto que vivia no mundo real e que estava ligado aos que o rodeavam. Procuramos usar o exemplo de Jesus para estabelecer uma conexão com os nossos alunos, para tentar perceber os desafios que enfrentam e a forma como vivem no dia-a-dia. Não se trata, ainda assim, de uma abordagem nova. Os desafios que nos assombram e que encontramos nas nossas comunidades sempre existiram e sempre foram muito similares ao longo da história. Introduzimos o exame de consciência de Santo Inácio de Loyola, de modo a que os nossos alunos possam reflectir sobre a sua própria experiência. Acreditamos que é importante que eles tenham consciência das boas experiências, das experiências que os ajudam a crescer. Um dos desafios com que a nossa juventude se depara é esta tendência para dar tudo como garantido. Sentem que os outros têm de os ajudar e são propensos a compararem-se recorrentemente com os outros.

CLE de que forma podem ser ajudados?

I.C.– O exame de consciência é uma das práticas com as quais procuramos ajudar os alunos a estarem mais centrados neles mesmo, a estarem mais cientes das suas experiências. Tentamos fazer com que os nossos estudantes tenham consciência da forma como podem utilizar as dádivas que lhe foram concedidas por Deus, colocando-as não só ao serviço dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros. O nosso objectivo é fazer com que abracem as necessidades do mundo. Este ano estamos centrados neste primeiro aspecto, mas gostávamos de ver os nossos alunos abraçar gradualmente e de forma mais profunda os valores dos jesuítas, os mesmos valores que norteiam as acções dos membros da Companhia de Jesus por todo o mundo. A nossa responsabilidade é a de os ligar à vida real, fazer com que tenham consciência dos desafios que os esperam. Temos consciência do valor da educação que asseguramos e da forma como está alicerçada em valores católicos e na forma de educar dos jesuítas. Cada escola vai leccionar diferentes matérias e para muitas o sucesso dos alunos é determinado pelas notas que obtêm ou a pela performance nas competições em que participam, mas um aspecto importante da educação jesuítica prende-se com o crescimento integral da personalidade, não apenas dentro das quatro paredes da escola. Queremos promover um crescimento saudável e continuado, para que possam assumir um compromisso permanente com eles próprios, com os outros e com o mundo que os rodeia. Esta é a nossa visão.

CLAmor e diligência são dois aspectos importantes desse núcleo de valores de que falava. É fácil fazer com que os alunos acreditem nestes valores num local como Macau? Dizia que os jovens têm, hoje em dia, a tendência para dar tudo por garantido…

I.C.– Muitos dos nossos alunos são, obviamente, influenciados pelas próprias famílias e pelos valores da sociedade em que vivem. No nosso colégio procuramos fazer com que tenham consciência da sua própria experiência e que saibam ler os seus próprios sentimentos. Ao longo dos últimos anos, fizemos um grande esforço para os ajudar a interpretar os próprios sentimentos. Não é fácil. Mesmo para os nossos professores, não é fácil recorrer a este tipo de linguagem, adoptar o tipo de comunicação não-violenta que está a ser introduzida um pouco por todo o mundo. Ajudámo-los a observarem os factos sem emitir de imediato juízos de valor. Deste modo, os nossos alunos terão capacidade para interpretar o que viram, o que experienciaram e só então são convidados a pronunciar-se sobre o que sentiram. Esta é uma boa forma de os ajudar a conviver com as suas próprias necessidades e com os valores em que assentam as expectativas que nutrem.

Marco Carvalho

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