Pelo ódio os conflitos não vão acabar
A Diocese de Macau vai responder favoravelmente ao apelo do Papa Francisco para que se reze pela paz no Iraque, onde milhares de cristãos estão a ser perseguidos. Em entrevista a’O CLARIM, o bispo D. José Lai sustentou que a «violência não é a solução» para travar os extremistas da ISIS, acrescentando que cristãos e muçulmanos devem encontrar pontes de entendimento, porque são filhos do mesmo Deus.
O CLARIM – O mundo parece estar cada vez mais perigoso. A ISIS, que auto-proclamou o Estado Islâmico e ocupa o norte do Iraque e parte da Síria, tem cometido bárbaras execuções de pessoas que não comungam os seus ideais, entre os quais milhares de membros da minoria étnica Yazidi, e também cristãos e xiitas ou, até mesmo, sunitas…
JOSÉ LAI – Recebi há pouco tempo uma carta da Santa Sé, datada de 7 de Agosto, referindo que o Papa Francisco está muito preocupado com esta situação e pede para que toda a Igreja reze pela paz, sobretudo no Iraque. Vou dizer ao chanceler da Diocese de Macau para fazer uma circular para que párocos e paroquianos rezem pela paz nas missas dominicais.
CL – O que diz a carta?
D.JL – O Papa lançou o apelo da paz quando rezou o Ângelus, a 20 de Julho, na Praça de São Pedro. O Papa convida todas as Dioceses do mundo a promover esta oração pelos cristãos perseguidos no norte do Iraque.
CL – Que análise faz à escalada do fundamentalismo islâmico, que ameaça a estabilidade da Comunidade Internacional e do Ocidente em particular?
D.JL – É difícil dizer, porque não é fácil mudar a mentalidade dos militantes [extremistas]. Não só a mentalidade, mas sobretudo a crença. Temos que rezar, invocando o Espírito Santo para ajudar esta gente a ver o que não é bom.
CL – A ISIS é uma entidade sunita que também persegue muçulmanos xiitas, por considerá-los hereges, além dos sunitas do Curdistão iraquiano. E há sunitas, inclusivamente da Arábia Saudita, desfavoráveis ao modo de actuar dos jihadistas da ISIS. Como vê esta divisão no mundo islâmico?
D.JL – Não é fácil explicar, mas se os muçulmanos são descendentes de Abraão [Ibrahim, em árabe], não sei por que razão ele era de uma forma e os seus descendentes de outra.
CL – Será que devia haver mais tolerância entre muçulmanos e cristãos? Algo que os unisse, em vez de os dividir? Pelo menos vinte e cinco personagens bíblicas estão mencionadas no Alcorão…
D.JL – Sim. Eles [os extremistas] olham para os cristãos como inimigos e traidores da tradição de Abraão. Temos, realmente que ver na fonte se Abraão tinha, ou não, esta mentalidade. Creio que ele não era assim: fazer a guerra entre irmãos. Creio que Abraão não dizia aos seus filhos para fazerem a guerra uns com os outros.
CL – Que preocupação deve ter quem está fora do mundo muçulmano?
D.JL – Creio que enquanto houver o ódio pelo ódio os conflitos nunca vão acabar. A situação só pode mudar com amor, compreensão e solidariedade.
CL – Mas como fazer ver esses valores a um fundamentalista de que o ódio e os actos bárbaros não são o caminho?
D.JL – Fazer a guerra e matar tantos inocentes não é a solução. Sobretudo a lei de Cristo não é matar, nem mesmo os pecadores.
CL – E a lei de Deus (Alá, em árabe)?
D.JL – Se partimos do princípio que somos filhos do mesmo Deus, devemo-nos amar uns aos outros porque somos todos irmãos. Mas por que terá que haver mortos entre uns e outros? Não se percebe…
CL – Sendo bastante difícil fazer ver a qualquer fundamentalista islâmico estes ideais, será que a melhor arma contra eles é “olho por olho, dente por dente”, ou seja, haver uma intervenção militar do Ocidente contra os extremistas?
D.JL – Segundo a lei de Cristo dizemos que não é assim. Não usamos as armas para fazer a guerra, mas sim palavras, paciência, amor e caridade.
CL – Como travar, então, esta força cada vez maior da ISIS? Esperar por uma intervenção divina?
D.JL – Talvez por isso é que devemos rezar para que o Senhor nos ajude e o Espírito Santo ilumine aquela gente. Não temos outra arma, senão rezar e ter paciência.
CL – No voo de regresso ao Vaticano, após visita à Coreia do Sul, o Papa Francisco, embora sem dizer de que forma, defendeu o uso da força para travar a ISIS, deixando ao critério da Comunidade Internacional o modo de intervenção…
D.JL – Não estava presente, por isso não posso comentar.
CL – A humanidade tem passado por privações várias ao longo dos tempos e os massacres no norte do Iraque e na Síria não serão os derradeiros da História…
D.JL – Devemos acreditar que entre estas situações também há a força do diabo, que é muito inteligente e sabe utilizar as pessoas para atingir os seus fins.
CL – Há inclusivamente os que nasceram no Ocidente e estão a deixar as suas famílias para se juntarem à ISIS. O diabo estará aqui a ter uma intervenção muito eficaz…
D.JL – Por isso temos que rezar, acreditando que no final de contas Deus há-de conquistar tudo.
CL – Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, tem estado ao longo das últimas semanas muito renitente em enviar um contingente militar para tentar acabar com o problema, obviamente após aval da ONU. Estará de acordo com os desígnios de Deus?
D.JL – Acho que nada se resolve com a intervenção de armas. É preciso haver um colóquio, um diálogo… Ou através de um bom intermediário para fazer o diálogo entre cristãos e muçulmanos [que não apoiam a ISIS]. Às vezes não é fácil…
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com