Festival Internacional de Música interessa a Portugal.
Chama-se Carlos Damas, tem uma carreira de violinista consolidada a nível internacional, mas não esquece os anos vividos em Macau, onde regressou em Setembro para dar um concerto no Instituto Politécnico. A’O CLARIM, traçou o panorama da música clássica no território, explicou a relação desta arte com a religião e deixou a garantia que a Orquestra Metropolitana de Lisboa está interessada em actuar neste lado do mundo.
O CLARIM – É violinista desde os cinco anos. Como surgiu essa paixão?
CARLOS DAMAS – Inicialmente foram os meus pais que me puseram a aprender o instrumento. Por volta dos treze anos, como gostava bastante de violino, decidi que queria ser músico profissional. Fiquei realmente apaixonado pelo instrumento, pela música, e quis seguir…
CL – Foi difícil?
C.D. – Se foi difícil? Tudo na vida é difícil, mas “quem corre por gosto não cansa”. O gosto que eu tinha pelo violino fez com que o meu percurso, apesar de difícil, não o visse como tal, porque me agradou sempre o que estava a fazer. E isso ajudou-me a ultrapassar as dificuldades.
CL – Em Portugal?
C.D. – Sim. Estive em Portugal até aos dezassete anos e saí depois para estudar em Paris, onde estive durante cinco anos. Tem havido nos últimos anos um grande investimento na música em Portugal, onde há cada vez mais músicos, orquestras e escolas. No entanto, o País ainda não é visto pela Europa como um centro musical. Há realmente alguns excelentes artistas, como a pianista Maria João Pires, com grande reconhecimento internacional. Tenho tido a sorte de tocar fora de Portugal e de ter feito quase toda a minha formação e também a minha carreira no estrangeiro. Se tivesse ficado fechado em Portugal talvez não tivesse esta visibilidade.
CL – Qual a sua ligação a Macau?
C.D. – Cheguei ao território em 1995, quando foi reformulada a Orquestra de Câmara de Macau. Inicialmente era um quarteto de quatro músicos. Começámos por fazer música de câmara em vários locais do território e, pouco a pouco, foram adicionando mais músicos. Passados dois anos era uma orquestra de câmara com cerca de trinta músicos. Fui também professor no Conservatório de Macau, sob a égide do Instituto Cultural.
CL – Que análise faz ao panorama da música clássica no território?
C.D. – A minha percepção é que as coisas cresceram de forma estrondosa, tal como a cidade. A Orquestra, que tinha cerca de trinta músicos, rondará hoje os setenta ou oitenta elementos, sendo agora uma orquestra sinfónica. Pelo que sei, há uma grande preocupação em tentar levar a Orquestra fora de portas de modo a promover o que se faz no território em termos culturais.
CL – A religião e a música clássica dão um bom casamento?
C.D. – Sem dúvida. Se olharmos para a História da Música, vemos que a música clássica começou nas igrejas. Muitos dos compositores do período barroco também era padres. Por exemplo, o Vivaldi, menino órfão, foi educado num convento e teve uma educação musical. Tornou-se padre, foi violinista e um dos maiores compositores de todos os tempos. Há uma ligação enorme, sobretudo no passado, entre a música clássica e a Igreja Católica.
CL – Em Portugal é membro da direcção da Academia Nacional Superior de Orquestra, que faz parte da instituição cultural metropolitana que também engloba a Orquestra Metropolitana de Lisboa. Têm alunos de Macau?
C.D. – Ainda não, mas gostaríamos muitos que isso acontecesse. Entrámos em contacto com o Conservatório de Macau, mas tivemos grandes dificuldades a nível linguístico e de alojamento. Por isso, não conseguimos ainda levar alunos de Macau para Lisboa.
CL – Haverá planos futuros para que a Orquestra Metropolitana de Lisboa possa actuar no Festival Internacional de Música de Macau?
C.D. – Estamos neste momento a trabalhar num projecto para o Festival do próximo ano. Vamos ver se conseguimos levá-lo a bom porto. Estamos em negociações. Gostaria muito que houvesse uma resposta positiva até porque estamos interessados em participar no Festival Internacional de Música.
CL – Que conselho gostaria de deixar para quem quer seguir uma carreira, numa orquestra ou a solo, na música clássica?
C.D. – Tal como na religião, temos que nos dedicar ao nosso objectivo. Tive um grande conselheiro, também um grande violinista, chamado Yehudi Menuhin, que me disse uma vez: «tens que te preparar porque vais ter que te dedicar à música». A música é precisamente como a religião católica porque temos que nos privar de muito para conseguirmos chegar ao nosso objectivo.
CL – Os professores também são essenciais. Será que a carreira de um jovem músico poderá depender entre ter bons, medianos ou maus professores?
C.D. – Claro que sim. Muitas vezes o bom professor é aquele que consegue orientar espiritualmente o artista. Ou seja, a arte não é matemática, porque não são apenas notas, números. Há um outro lado que passa para além disso, que é o lado espiritual e da orientação em termos de criatividade. Tal como na religião, é algo de espiritual que vai para além. Daí que o professor tenha de saber transmitir esse lado da música e da arte.
O amigo Jack Glatzer (Caixa)
O artista Carlos Damas esteve em Setembro último no território, onde a convite da Casa de Portugal deu um concerto integrado numa apresentação de pintura portuguesa, no Instituto Politécnico de Macau. Foi acompanhado ao violino pelo norte-americano Jack Glatzer, a viver há mais de quarenta anos em Portugal. «Conheci a minha mulher em Portugal e estabeleci-me em Cascais. Vim a Macau por intermédio do compositor e pianista Filipe de Sousa, que foi colega e amigo próximo do padre Áureo Castro quando estudavam no Conservatório de Lisboa», lembrou Jack Glatzer, que deu aulas violino na Academia de Música de S. Pio X. Glatzer já actuou em concertos e recitais, em mais de cinquenta países e em todos os continentes, à excepção da Antárctida. «Até no Ártico já actuei», disse.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA