BISPO DE HIROXIMA, ALEXIS MITSURU SHIRAHAMA

BISPO DE HIROXIMA, ALEXIS MITSURU SHIRAHAMA

«O ambiente geral não é favorável ao Cristianismo no Japão»

A diocese japonesa de Hiroxima comemora no próximo dia 30 de Junho o 61.º aniversário da sua criação. A revista Boa Nova – atualidade missionariapublicou uma entrevista com o actual prelado de Hiroxima, D. Alexis Mitsuru Shirahama, no passado mês de Fevereiro, que reproduzimos nesta edição.

Diário de Notícias/Boa Nova– Esta é a primeira vez em Fátima?

D.A.M.S.– Primeira vez em Fátima e também em Portugal.

DN/BN– Qual é o significado de Fátima para os católicos de Hiroxima?

D.A.M.S.– Hiroxima foi a primeira cidade destruída pela bomba atómica. Lá apela-se às crianças para rezarem pela paz no mundo. Hiroxima, como a primeira cidade destruída pela bomba atómica, sente que tem o dever de espalhar a paz e de rezar pela paz. A paz é um presente de Deus, portanto devemos rezar para ter este presente para o mundo, para toda a população.

DN/BN– Fátima é especial para os cristãos japoneses?

D.A.M.S.– No Japão, entre os cristãos, a Nossa Senhora de Fátima, mas também a de Lourdes, têm um significado muito especial, elas são conhecidas, oradas. Nós crescemos a ser encorajados a fazer algo pela paz. E os cristãos japoneses, para rezarem pela paz no mundo, muitos vão a Lourdes ou a Fátima. Especialmente Fátima, porque em Lourdes não é tão clara a mensagem de paz no mundo.

DN/BN– O senhor bispo nasceu nas ilhas Goto, refúgio dos cristãos desde finais do século XVI. É descendente dos chamados cristãos escondidos, os kakure kirishitan, evangelizados pelos missionários portugueses?

D.A.M.S.– É difícil provar isso, mas certamente considero-me descendente dos velhos cristãos.

DN/BN– Porque as ilhas Goto, a oeste de Nagasáqui, eram uma espécie de último refúgio durante as perseguições religiosas feitas pelo xógum em nome da unidade nacional

D.A.M.S.– Quando o Cristianismo foi proibido, alguns cristãos esconderam-se e continuaram assim por vinte, trinta, quarenta anos para manter a fé, especialmente naquelas ilhas perto de Nagasáqui.

DN/BN– E é possível que o bispo seja descendente dessas pessoas?

D.A.M.S.– Sim, penso que sim.

DN/BN– Estive em Nagasáqui em reportagem no ano passado [2017], e também em Hiroxima, e fiquei impressionado, especialmente em Nagasáqui, por ver comunidades fundadas pelos jesuítas no século XVI e continuadas pela forte tradição católica ainda lá existente. Quão forte é o Catolicismo no Japão, hoje?

D.A.M.S.– No Japão, a Igreja é muito mino
ritária, mas faz um bom trabalho na
 educação e também no trabalho social. Temos muitas Universidades, escolas secundárias e jardins de infância espalhados pelo Japão.

DN/BN– Há quatrocentos anos havia a perseguição aos cristãos, porque a Cristandade era vista como uma ameaça à cultura do Japão. Hoje em dia é perfeitamente compatível ser católico e ser japonês?

D.A.M.S.– Nos velhos tempos havia esse contraste, mas agora não há contraste, e nós somos livres de fazer trabalho de evangelização; é completamente diferente.

DN/BN– Mas é possível conciliar a cultura japonesa e também a identidade cristã, sem conflito em termos pessoais?

D.A.M.S.– Hoje em dia não é fácil ter fé católica no Japão, porque o ambiente geral não é favorável ao Cristianismo; e isso não acontece por ser perseguido, mas porque não há muito interesse em geral na sociedade. Mas eu sinto que através dos problemas ambientais daqui em diante os japoneses estarão mais inclinados a pensar em Deus e perguntar sobre isso a Deus.

DN/BN– Os primeiros católicos no Japão foram padres portugueses ou enquadrados pela Coroa Portuguesa, como São Francisco Xavier. Qual é a memória de Portugal entre os cristãos no Japão?

D.A.M.S.– É grande e não só entre os cristãos. Até os manuais nas escolas dizem que os portugueses vieram ao Japão, trouxeram religião, muitas coisas culturais, ciência e tecnologia. Como japonês e como católico japonês estou muito grato pela cultura portuguesa.

DN/BN– Por exemplo, nas ilhas Goto onde cresceu, também apreciam “Castela”, o famoso bolo japonês inspirado no pão-de-ló e que é feito em Nagasáqui?

D.A.M.S.– Em todo o Japão. Mais em Nagasáqui, mas noutros sítios também.

DN/BN– Acerca da memória nuclear, Hiroxima é uma cidade diferente das outras do Japão por causa desta experiência da bomba atómica, em Agosto de 1945?

D.A.M.S.– Como a primeira cidade a ser bombardeada pela bomba atómica há um sentimento doloroso especial que nas outras cidades não há. Foi tão devastador o efeito do primeiro dia sentido por Hiroxima, duzentas mil pessoas morreram por causa da bomba atómica. O sentimento em Hiroxima é de que não gostariam que outras pessoas tivessem o mesmo sofrimento que eles tiveram. E para este propósito não se pode estar calado acerca dos efeitos da bomba atómica, é preciso dizê-lo aos outros. Nós não podemos fazer muito, apenas contar às pessoas acerca do efeito terrível e apelar à paz. Hiroxima, depois da Segunda Guerra Mundial construiu uma catedral, que se chama Catedral para a Paz Mundial, esse é o nome, reconhecida como Património Cultural da Humanidade. Foi erguida para este propósito, promover a paz, e também para rezar pelas pessoas que sofreram por causa da bomba atómica.

DN/BN– Recentemente, há algumas notícias acerca do contacto do Vaticano com a China, em termos de permitir uma melhor relação entre as autoridades de Pequim e o Vaticano. Também houve recentemente um convite do líder norte-coreano para o Papa Francisco. Eu sei que na história coreana, Pyongyang, antes da divisão da Península, era chamada a Jerusalém do Oriente, havia tantos cristãos lá como hoje na Coreia do Sul. Existe uma nova oportunidade para o Cristianismo, especialmente o Catolicismo, na Ásia Oriental, com estes movimentos diplomáticos?

D.A.M.S.– Para espalhar o Cristianismo na Ásia é muito importante que este se reconcilie com a China e a Coreia do Norte, para que nós possamos ter uma Igreja melhor e mais forte na Ásia.

DN/BN– Acha que este Papa argentino, sendo o primeiro de fora da Europa está mais bem preparado para este contacto com Igrejas de várias partes do mundo, Ásia, África, América Latina?

D.A.M.S.– Pela providência de Deus, a este Papa foi dada essa vantagem, neste mundo moderno para nós.

LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Entrevista para o Diário de Notíciasde 14 de Outubro de 2018, realizada em Fátima (Portugal).

In Boa Nova – atualidade missionaria

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *