«O navio será a Casa de Portugal durante os Jogos Olímpicos de Tóquio».
Após o habitual período de treino, o navio-escola Sagres largou de Lisboa a 27 de Abril com destino à costa leste dos Estados Unidos, fazendo escala no porto do Funchal de 1 a 3 de Maio. Entre 24 e 28 do mesmo mês esteve no porto de Filadélfia onde participou no Tallships Festival 2018 na companhia de outros veleiros convidados. De seguida, o “NRP Sagres” levou a cabo um conjunto de actividades integradas no “Mês de Portugal”, escalando os portos de Newark, Nova Iorque, Newport e Boston, onde recebeu, entre outras entidades, o Presidente da República, nos eventos relativos à comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas e ao Dia de Defesa Nacional. Ainda por ocasião do “Mês de Portugal”, a Sagres visitou o porto de Halifax no Canadá, rumando de seguida para sul com destino à cidade de Miami onde, em 2 de Julho, recebeu os cadetes do segundo ano da Escola Naval, do curso Capitão-tenente Raúl Alexandre Cascais. Já em viagem de instrução, a Sagres fez escala em Curacao (Antilhas Holandesas) e Cartagena das Índias e Santa Marta (Colômbia) – onde se encontra presentemente – juntando-se assim aos eventos do Velas Latino-America 2018, onde entre outros acontecimentos se comemoram os 200 anos da Marinha do Chile e os 50 anos do navio-escola “Gloria” da Armada da Colômbia. A 26 de Julho o navio irá iniciar a travessia atlântica de regresso a águas nacionais, estando previsto atracar na ilha Terceira (Praia da Vitória) a 18 de Agosto, onde irá desembarcar os cadetes do 2º ano e embarcar os cadetes do 1º ano do curso Capitão-de-mar-e-guerra Monteiro de Barros. Depois de escalar Ponta Delgada a Sagres irá ainda participar nas comemorações do dia da cidade de Faro antes de regressar a Lisboa, onde está previsto atracar a 9 de Setembro. A par da instrução dos cadetes da Escola Naval, o navio-escola Sagres leva um pouco de Portugal aos portugueses da diáspora, contribuindo para o estreitar dos laços entre as comunidades e as suas origens. Além dos milhares de visitantes que recebe a bordo, nos portos de escala o “NRP Sagres” cumpre um vasto programa de divulgação e de representação, albergando igualmente diversos eventos promovidos pelos parceiros da Marinha que se associam às viagens do símbolo de Portugal. O CLARIM, que fez a viagem entre os portos de Boston, Halifax e Miami, num total de 25 dias, a maioria dos quais em alto mar, falou com o actual comando da “NRP Sagres”, o Comandante António Manuel Maurício Camilo.
O CLARIM – Pode fazer-nos um ponto da situação da viagem deste ano?
MAURÍCIO CAMILO – Estamos a meio da viagem. Até agora temos correspondido com uma das principais tarefas do navio, e que é o seu papel de “embaixada flutuante”. A missão tem corrido muito bem, pois todas as tarefas e eventos realizados a bordo tiveram, reconhecidamente, da parte das pessoas que cá vieram, um enorme sucesso. Terminada esta fase passamos à seguinte, o treino dos cadetes, tarefa para a qual o navio está vocacionado e que se prolongará o resto da viagem até atracarmos na base do Alfeite em Setembro próximo.
CL – O senhor Comandante conhece bem este navio…
M.C. – Basicamente desempenhei aqui todas as funções inerentes a um oficial. Desde a de cadete, na minha viagem de instrução, à de aspirante, oficial de guarnição, navegador, imediato, e agora à de Comandante.
CL – Pode falar-nos sobre a sua passagem por Macau?
M.C. – Estive em Macau há 25 anos. Se lá voltar agora certamente irei notar enormes diferenças. Era nessa altura 25 anos mais novo, sendo a minha perspectiva do mundo muito diferente. O meu olhar era um olhar de aventura e descoberta. Impressionou-me que nesse lugar tão longínquo de Portugal e de dimensão tão reduzida pudesse subsistir uma comunidade activa de portugueses, quatro séculos depois. É um sítio que apesar de tão longínquo nos parece tão familiar. Foi uma sensação estranha mas muito agradável.
CL – O que é que mais o marcou nesse contacto inicial com a cidade?
M.C. – Foi, sem dúvida, a mistura de culturas ali presente, se bem que Macau não tenha sido o primeiro local da Ásia que visitei. Havia ali algo de Portugal, mas logo depois deixava de haver. E isto, logo ao dobrar da esquina.
CL – Qual foi o objectivo dessa viagem?
M.C. – A viagem de circum-navegação de 1993 pretendia assinalar os 450 anos da chegada dos portugueses ao Japão, daí que ao longo de mês e meio tivéssemos visitado nove portos nipónicos. Obviamente que ao ir ao Japão o navio não poderia ignorar Macau, tal como quando se vai aos Estados Unidos obrigatórios se tornam os portos nos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Fizemos em Macau duas paragens relativamente longas, uma à ida e outra à vinda do Japão, o que permitiu que membros da guarnição se reunissem aí com familiares seus. Estávamos sensivelmente a meio dessa viagem de volta ao mundo e as saudades, como é normal, já apertavam. No fundo, era como se estivéssemos em Portugal.
CL – Macau fará parte do roteiro da já agendada viagem de volta ao mundo em 2020?
M.C. – Aparentemente, não é permitido atracar aí o navio, devido ao seu estatuto político. Não sei se será possível reverter a situação.
CL – Ponderam então essa hipótese?
M.C. – Sim, tendo em conta que o itinerário não está ainda definido, poderemos encarar essa hipótese. Agora, formalmente e legalmente, neste momento, não é possível. A menos que haja um pré-acordo de forma a ultrapassar algumas cláusulas, nomeadamente a questão do navio ser um navio de guerra e não serem permitidos navios de guerra no porto de Macau.
CL – Há portos asiáticos importantes onde a presença portuguesa foi outrora muito forte, caso do Vietname e da Birmânia, e também portos da Austrália, onde vivem muitos portugueses que ainda não foram visitados pela Sagres. Há alguma razão para isso?
M.C. – Não lhe sei responder. Mas há locais que ficam fora de mão, como é o caso da Austrália. Normalmente temos sempre muitas coisas para fazer, muito sítios para visitar e o tempo é sempre limitado. Uma visita à Austrália implicaria um aumento significativo da duração do tempo de viagem. Há ainda a ter em conta factores meteorológicos, como as correntes, as monções e os tufões.
CL – Fale-nos um pouco mais detalhadamente da viagem de 2020?
M.C. – A viagem de 2020 é uma viagem centrada em dois eventos. Primeiro, os Jogos Olímpicos de Tóquio. Ou seja, a Sagres irá desempenhar o papel que desempenhou em 2016 durante os jogos Olímpicos do Rio, isto é, ser a Casa de Portugal durante toda a competição. Isto está já bem formatado, mesmo em termos de datas, já definidas. O que vai ser feito não há de fugir muito ao que se passou no Brasil. O outro evento, que irá decorrer em paralelo com este, tem a ver com as comemorações dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães. Quanto a isso estão ainda muitas coisas por definir, nomeadamente o itinerário, quais os portos que irão solicitar o navio e a exequibilidade dos mesmos, pois há a questão do tempo e das condições climatéricas. Será, portanto, uma viagem longa, e quase de certeza que será muito exigente em termos logísticos, até pelo condicionalismo imposto pelas datas.
CL – Isso significa que o navio irá necessitar de um período de doca seca…
M.C. – Sim, o navio irá parar cerca de um ano para fazer uma reparação mais robusta de forma a tornar o navio mais resistente, mais capaz de navegar esse tempo todo. Uma viagem de volta ao mundo é sempre muito exigente.
CL – Um navio como a Sagres tem uma durabilidade de quanto tempo?
M.C. – O tempo que nós quisermos. Desde que se continue a fazer manutenção, melhoramentos, etc. Um navio pode durar um eternidade, virtualmente. Claro que daqui a uma décadas, provavelmente, já nada do casco é o original, pois há que substituí-lo à medida que se vai degradando. Mas o navio em si pode manter-se para sempre. No caso da Sagres há uma perentagem razoável que ainda é original, e outra que foi substituída. Mas o navio não perde qualidade devido a isso, a alma do navio mantêm-se. Digamos que veste uma roupagem nova. Haja vontade em o manter.
CL – Isso acontece com todos os navios?
M.C. – Sim. Embora no caso dos navios comerciais haja sempre a questão do custo. Muitas das vezes manter um navio com um determinado tipo de desempenho custa mais do que comprar um novo. No caso da Sagres esta lógica não se aplica. Um navio destes não tem preço.
CL – O que é que o levou a escolher esta sua profissão?
M.C. – Viesse para a Marinha ou não, iria ter sempre uma profissão ligada ao mar. Sempre foi uma coisa mais ou menos óbvia na minha vida. Sempre fiz vela. Dificilmente me veria a passar a vida inteira num escritório, se bem que também faça um pouquinho disso.
CL – Gosta de viajar, então?
M.C. – Claro. Gosto mesmo muito de viajar.
CL – Equacionaria a hipótese de fazer uma viagem de veleiro à volta do mundo, sem ser na Sagres?
M.C. – Claro que sim. Facilmente isso poderia ter acontecido, caso não tivesse entrado para a Marinha.
CL – O que acha das pessoas que fazem viagens em solitário?
M.C. – Sinceramente não as percebo. Respeito o conceito, obviamente, e acho que quem as faz tem de ter uma estrutura psicológica e física muito grande. Mas era incapaz de fazer uma viagem em solitário. Acho que alguma coisa se perdia. O facto de se estar numa equipa e de trabalhar em conjunto faz parte da piada de andar no mar.
Joaquim Magalhães de Castro