«Apesar do Governo e das instituições promoverem a inclusão, ainda se fala pouco».
O Governo e as Organizações Não-Governamentais de Macau são favoráveis à inclusão de pessoas com deficiência na sociedade, mas há resistências por parte da população, afirma Ana Helena Amaral, para quem é preciso mudar as mentalidades. Em entrevista a’O CLARIM, a psicóloga fala também da perda de qualidade de vida, aliada à falta de espaços de lazer e às dificuldades criadas pelos casinos e pela avalanche de turistas.
O CLARIM – Tirou a licenciatura de Psicologia Clínica na Universidade de São José. De que forma o envelhecimento da população de Macau pode criar grande pressão para a vida da sociedade?
ANA HELENA AMARAL – Cria alguma pressão na questão da empregabilidade e da contribuição da sociedade para a economia. Basicamente, há menos pessoal local qualificado a trabalhar e a contribuir para Macau. Isto gera alguns problemas porque, se há falta de mão-de-obra local, terão que recrutar ao exterior.
CL – A zona norte da Península de Macau é uma das áreas com maior densidade populacional do mundo, por quilómetro quadrado. Nota-se também aqui alguns desequilíbrios…
A.H.A. – Basicamente, é como as cidades em todo o mundo estão organizadas: há o centro da cidade e há depois a periferia, onde as rendas são mais baratas e, porventura, as pessoas têm menos poder económico. Podemos é falar da dimensão do terreno, da menor qualidade de vida, e de muita gente a viver num espaço tão pequeno…
CL – Também se sente cada vez mais a pressão de viver em Macau, pois há edifícios a serem construídos em altura e poucos espaços verdes. A poluição atmosférica é outro grande problema em várias partes da cidade. Como pode este tipo de pressão reflectir-se no comportamento social das pessoas?
A.H.A. – Falo mais por experiência própria: sinto-me algo claustrofóbica (risos). Há coisas boas e más. O facto de tudo isto acontecer em Macau é por ser um território pequeno. Portanto, não há muito espaço para fazer grandes jardins. Se Macau fosse maior, se calhar tal não aconteceria. Há depois a outra parte menos má, mas dá-me a impressão que querem pôr o mundo inteiro aqui em Macau. Isto vê-se, especialmente, com os casinos.
CL – Fala do mundo consumista…
A.H.A. – Exacto. E num espaço tão pequenino… As pessoas perdem qualidade de vida exactamente no seu espaço, que também devia ser de lazer. Aqui a população local não tem grandes opções em termos de lazer ou de ocupação dos tempos livres. Há depois o problema de não se conseguir arrendar uma casa a preços condignos, porque as rendas são demasiadamente elevadas. O turismo, é certo que está a crescer, mas não traz uma mais-valia para quem aqui vive. Traz, isso sim, para o Governo arrecadar receitas, embora o motor da economia seja o Jogo.
CL – O que fazer então?
A.H.A. – Quando as pessoas querem divertir-se ou passar um bom fim-de-semana geralmente vão a Hong Kong, à China continental, à Tailândia ou a outros países asiáticos. Macau devia organizar mais festivais, não apenas de cariz anual, mas com maior frequência para que a população tenha algo para fazer ao longo do ano, e não apenas em determinadas alturas.
CL – Na Universidade de São José foi autora de uma tese de mestrado sobre a visibilidade que as pessoas com deficiência têm na sociedade. A que conclusão chegou?
A.H.A. – A sociedade de Macau não é inclusiva. Ou seja, de certa forma não aceita as pessoas com deficiência. Pelo menos há alguns anos até as rejeitava. Mas tanto o Governo como as associações não-governamentais são pró-inclusão. Fazem os possíveis para que estas pessoas sejam incluídas na sociedade.
CL – É quase um contra-senso. A ideia que passa é que o Governo pouco faz…
A.H.A. – Também tinha um pouco essa percepção. Tinha a impressão que as pessoas com deficiência não eram incluídas na sociedade e que a própria sociedade era mais inclusiva. Pensava o contrário da conclusão a que cheguei. Afinal, não é assim. Apesar do Governo ser pró-inclusivo e das Organizações Não-Governamentais realizarem vários eventos para tentarem promover a inclusão social e, de certo modo, fazerem a parte mais educativa, a verdade é que tudo isto não chega.
CL – Porquê?
A.H.A. – Li cerca de dois mil artigos que saíram ao longo de dois anos em dois jornais para fazer uma comparação e encontrei cerca de vinte no total que só falavam disso [inclusão social]. Apesar do Governo e das instituições promoverem a inclusão, ainda se fala pouco. É pouco o que sai nas notícias da TDM, é pouco o que sai nas notícias dos jornais. Os Órgãos de Comunicação Social são muito importantes para a sensibilização das pessoas. O problema é que no jornalismo, e até mesmo no discurso de algumas pessoas da Administração, utiliza-se muito uma linguagem de médico e uma linguagem paternalista, em vez de mostrarem à sociedade que até as pessoas com deficiência são iguais a nós. Não são diferentes. Não são nem mais, nem menos. São pessoas que conseguem contribuir para a vida em sociedade. A sociedade em geral tem que ser um pouco flexível para que essas pessoas sejam incluídas.
CL – A sua tese foi elaborada com base em artigos publicados em dois jornais de língua portuguesa do território. Será que chegaria à mesma conclusão se o trabalho abrangesse a Imprensa chinesa e inglesa?
A.H.A. – A falta de inclusão acontece em todo o mundo, e não apenas em Macau. Acontece também que há certos tipos de incapacidades que são vistas da pior forma pela sociedade, mais do que outras. O facto da sociedade estar agora a olhar para os direitos das pessoas com deficiência é algo que começou tardiamente, pois já é uma realidade com décadas em vários países ocidentais. Falta mudar a mentalidade das pessoas em Macau.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA