Português corre o risco de ser apenas decorativo.
Natural do Japão, Airi Oguri quis perceber por que razão pouco ou nada se ouve falar a língua portuguesa na RAEM. Ao abordar a sua tese de licenciatura sobre Macau, que submeteu na Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto (Japão), no âmbito do curso de estudos luso-brasileiros, salienta que a diminuição da população de portugueses e de macaenses pode levar a que o Português seja apenas uma língua decorativa no futuro.
O CLARIM – Em Dezembro de 2016 submeteu a sua tese de licenciatura, “Origem e actividades dos macaenses e presença da língua portuguesa em Macau”, na Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto. Por que razão escolheu esta temática?
AIRI OGURI – Há um programa de intercâmbio entre a Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto e a Universidade de Macau para a aprendizagem de Português. Ganhei esta oportunidade de vir a Macau e inicialmente pensava que todos falavam aqui o Português, porque antigamente a língua oficial era apenas a portuguesa. Quando cheguei tentei falar em Português com as pessoas, mas respondiam-me sempre em Cantonense. Fiquei com duas dúvidas muito grandes: “Por que me parece que não há nenhum português em Macau? Ainda existe quem fale Português?”. E para tirar as minhas dúvidas escolhi esta temática para a minha tese.
CL – Em Março ficou a saber que a sua tese, escrita em Japonês, obteve a classificação de 95 valores. A que conclusões chegou no trabalho de investigação?
A.O. – A população de falantes da língua portuguesa diminuiu, mas o Português ainda continua a ser usado por quem não sabe ler o Chinês. Muitos lugares históricos foram classificados como Património Mundial da UNESCO, razão pela qual Macau é hoje uma das cidades turísticas mais populares da Ásia e onde há o cruzamento das culturas chinesa e portuguesa. Além disso, há muita gente de Macau a desejar que o território não perca o vínculo à língua e cultura portuguesas por serem características locais que não se encontram em mais nenhuma parte da China.
CL – O que abordou em concreto?
A.O. – A RAEM é um destino turístico popular, onde se nota o cruzamento das culturas oriental e ocidental. No entanto, quase nunca se sente a cultura portuguesa na vida quotidiana das pessoas. Geralmente, não se encontram portugueses e ouve-se apenas falar o Cantonense e o Mandarim. A língua portuguesa aparece normalmente só quando lemos documentos oficiais, ouvimos os avisos nos autocarros sobre as paragens e vemos sinais de estrada ou turísticos…
CL – Mas o Português continua a ser falado…
A.O. – Os portugueses chegaram a Macau em meados do século XVI. Daí para cá, desde que Portugal começou a governar Macau, passaram-se mais de 400 anos até o território ser devolvido à China. Apesar disso, há que perceber por que razão a língua portuguesa – diria – até “penetrou” nos residentes chineses… A chave desta resposta são os macaenses. Ou seja, os filhos nascidos entre os portugueses das classes mais altas da sociedade e as mulheres locais. Estes macaenses estavam numa posição muito importante, pois faziam a ligação entre os residentes chineses e os funcionários portugueses dos Governos de então, dado que dominavam as duas línguas, a chinesa e a portuguesa, e entendiam as culturas oriental e ocidental.
CL – Será que a importância dos macaenses se manteve após a entrega de Macau em 1999?
A.O. – Tudo mudou, porque como o Chinês também se tornou numa língua oficial da Administração Pública, os macaenses que não falavam o Chinês começaram a perder postos de trabalho como funcionários públicos. No tempo da Administração Portuguesa era muito comum as macaenses quererem casar com os portugueses, entre várias razões, para terem filhos que herdassem sangue mais português. Assim, os seus filhos “portugueses” podiam ter bons postos de trabalho, como tiveram os portugueses que vieram de Portugal. Depois da devolução do território à China, aumentou o número de mulheres macaenses que casaram com chineses, que até nem estão relacionados com Portugal. Por esta razão o número de falantes de Português também diminuiu rapidamente.
CL – Que percepção tem sobre o estado actual da língua portuguesa no território?
A.O. – A necessidade de usar o Português está a decair gradualmente. Antes da devolução de Macau à China, a língua portuguesa era a mais importante para quem quisesse ser funcionário público, mas as pessoas não precisam mais saber Português para conseguirem bons postos de trabalho em Macau. Mesmo assim há chineses que estudam Português, julgo eu porque muitos deles até podem encontrar mais opções de trabalho nos Países de Língua Portuguesa, tais como em Portugal, no Brasil, em Angola, em Cabo Verde, em Timor-Leste…
CL – E que futuro preconiza para a comunidade macaense?
A.O. – Vai continuar a existir. A definição do que é ser macaense não é simples. Anteriormente, era exigência absoluta “herdar sangue português”, algo que já não se verifica. Existem macaenses que não têm pais portugueses. O mais importante é ter bem presente a portugalidade e uma grande afeição por Portugal.
CL – Os portugueses a residir em Macau são suficientes para manter o uso da sua língua materna?
A.O. – Macau é um território com cultura trilíngue: Chinês, Português e Inglês. No entanto, os portugueses a residir em Macau não são suficientes para manter a cultura trilíngue. É preciso aumentar as oportunidades e a necessidade de se falar e ouvir Português. Por exemplo, caso eu soubesse que o Português não era muito utilizado, mesmo sendo língua oficial, não escolheria Macau para fazer o intercâmbio. Escolhia antes o Brasil ou Portugal. Se continuar a diminuir o número da população de portugueses e de macaenses no território, então a língua portuguesa ficará apenas como algo decorativo.
CL – Como vê o apoio dado pelo Governo Central à língua de Camões após o estabelecimento da RAEM?
A.O. – Não tenho conhecimentos suficientes sobre estudos políticos e económicos para fundamentar convenientemente a minha opinião sobre essa matéria. No entanto, posso dizer que o Português não foi implementado em todas as escolas primárias, preparatórias e secundárias chinesas no tempo da Administração Portuguesa, mas sim nas escolas portuguesas e luso-chinesas, assim como na Universidade [de Macau]. Em 1993, quando o Governo Central da China deu instruções de que o Português seria língua oficial em Macau, o Governo Português da altura poderia ter implementado a língua como disciplina [obrigatória] em todas as escolas chinesas, por forma a garantir a permanência depois de 1999, o que não chegou a acontecer…
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com