viagem do Papa Leão XIV à Turquia e ao Líbano

Por baixo de água

A viagem do Papa Leão XIV à Turquia e ao Líbano comemorou o primeiro Concílio Ecuménico, realizado em Niceia, há mil e 700 anos (ano 325). As perseguições tinham acabado oficialmente uma dúzia de anos antes, ao fim de três séculos intensos, e por isso a Igreja pôde reunir-se novamente, como não acontecia desde o Concílio de Jerusalém, no tempo dos Apóstolos. Participaram no I Concílio de Niceia 318 bispos, quase todos do Médio Oriente, do Norte de África e da Grécia. Parece que apenas cinco eram ocidentais. O Papa Silvestre foi representado pelo bispo Ósio de Córdova e enviou dois presbíteros romanos.

Foi o Imperador quem convocou a Assembleia e decidiu o lugar, como escreveu numa carta aos bispos de todo o mundo: “(…) combinou-se inicialmente que o sínodo dos bispos se realizaria em Ancara, na Galácia, mas pareceu-nos agora, por muitas razões, que seria melhor que se reunisse na cidade de Niceia, na Bitínia: tanto por causa dos bispos que vierem de Itália e de outras partes da Europa, como por causa do bom clima, e porque eu serei de perto um observador e participante nas coisas que estão prestes a acontecer”.

A mudança justificava-se porque Niceia se situa a poucos quilómetros do Mediterrâneo e Ancara fica num planalto no meio da actual Turquia. O Sínodo decorreu realmente sob a presidência do Imperador, no seu palácio de Niceia. Como essa parte da cidade foi submersa pelas águas do lago Iznik, o Papa Leão XIV e os Patriarcas presentes comemoraram o Concílio da margem do lago.

Helena, mãe do Imperador Constantino, esteve presente? Era uma mulher absolutamente extraordinária. Tinha então cerca de oitenta anos de idade, mas uma inteligência invulgar e uma vitalidade inesgotável. Um ano depois do Concílio de Niceia começou a sua viagem mais famosa, uma peregrinação à Terra Santa, onde promoveu obras imponentes que perduram até hoje. De origem humilde, Helena foi primeiro notada pela sua beleza e depois pela generosidade, pela capacidade de liderança e pela piedade. Constantino admirava profundamente a sua mãe, que a Igreja ainda hoje celebra como Santa Helena. Talvez Santa Helena tenha acompanhado o Concílio, presidido pelo filho.

O objectivo do Concílio de Niceia foi restabelecer a unidade dos cristãos, ameaçada pela heresia ariana. Como todas as heresias, o arianismo era uma tentativa de “racionalizar” a fé da Igreja: em vez de aceitar o mistério da Santíssima Trindade tal como Deus no-lo revelou, interpretava-o, para ficar mais simples. Em vez de um só Deus em três Pessoas distintas (Pai, Filho e Espírito Santo), haveria só Deus-Pai e Jesus seria uma criatura intermédia entre Deus e os homens, não a segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

A poucos dias de partir para a peregrinação apostólica à Turquia e ao Líbano, o Papa Leão XIV resumiu na Carta Apostólica In unitate fidei (na unidade da fé) a história e o conteúdo doutrinal deste Concílio: uma carta breve, de leitura imprescindível para qualquer cristão.

A Constituição Lumen gentium do Concílio Vaticano II refere que os cristãos “(…) levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes” e acrescenta que “a Igreja, meditando piedosamente na Virgem, e contemplando-a à luz do Verbo feito homem, penetra mais profundamente, cheia de respeito, no insondável mistério da Encarnação, e cada vez mais se conforma com o seu Esposo. Pois Maria, entrou intimamente na história da salvação, e reúne em si e reflecte os imperativos mais altos da nossa fé (…)”.

Com efeito, a história dos Concílios mostra que muitos problemas se esclareceram definitivamente quando se considerou a sua relação com Nossa Senhora, “que entrou intimamente na história da salvação e reúne em si e reflecte” os grandes temas. Por exemplo, ao Concílio I de Niceia sucedeu o Concílio I de Constantinopla, até que no Concílio de Éfeso, no ano 431, foi definido que Maria era verdadeiramente Mãe de Deus. Finalmente, os hereges compreenderam que Jesus não é uma criatura que começou a existir no momento da concepção, mas é verdadeiramente Deus que assumiu a natureza humana, sem deixar de ser Deus.

O Papa Leão XIV confia que o amor a Nossa Senhora seja também hoje o caminho para a unidade da fé. A Lumen gentium do Vaticano II termina com estas palavras: “Dirijam todos os fiéis instantes súplicas à Mãe de Deus e mãe dos homens, para que (…), também agora (…) ela interceda, junto de seu Filho (…) até que todos os povos (…) se reúnam felizmente, em paz e harmonia, no único Povo de Deus, para glória da santíssima e indivisa Trindade”.

José Maria C.S. André

Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa

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