A quem enviaremos? (Isaías 6, 1–13)

ABRA A SUA BÍBLIA – 11

A quem enviaremos? (Isaías 6, 1–13)

UMA VISÃO EM TEMPOS DE CRISE

Isaías 6 marca um momento decisivo na vida do profeta e na História de Israel. A visão ocorre no meio de uma agitação nacional: a morte do rei Uzias, a guerra entre a Síria e Efraim em 734 a.C., a queda de Samaria em 722, e o cerco assírio a Jerusalém sob Senaqueribe em 701. Neste contexto desolador, «o Senhor dos exércitos» revela-se a Isaías em glória avassaladora – «a aba do seu manto preenchia todo o templo» (versículo 1).

A VISÃO DO TEMPLO: SANTIDADE E TERROR

O templo, semelhante ao trono celestial, não pode conter a plenitude da majestade divina. Somente a glória de Deus – o Seu “Nome” – habita ali, no Santo dos Santos. Os serafins proclamam: «Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da Sua glória» (versículo 3). A tripla repetição de “santo” é o superlativo hebraico, expressando a santidade máxima. Este tema da santidade divina está intimamente ligado ao povo; Deus é «o Santo de Israel» (Is., 10, 20), um título que aparece 25 vezes em Isaías como uma antífona. A palavra hebraica “kadosh” denota a alteridade e transcendência de Deus. A Sua glória (“shekinah”) é a manifestação visível desta santidade e permanece no templo de Jerusalém.

Esta glória, intensificada pela presença dos serafins – seres alados e ardentes – e das hostes celestiais, causa terror no coração do “vidente”. O contraste entre a santidade de Deus e a impureza do povo é tão gritante que marca um ponto de viragem decisivo no livro de Isaías.

Deus toma a iniciativa; Ele se revela a Isaías. Este encontro avassalador com a santidade e o poder divinos leva o profeta a uma profunda consciência de sua própria miséria e pecaminosidade. Uma tradução fiel do versículo 5 diz: «Ai de mim, não tenho voz! Porquanto sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros; e os meus olhos contemplaram o Rei, o Senhor dos Exércitos!». A visão da majestade de Deus é insuportável, e Isaías fica sem palavras. Ele experimenta uma profunda revelação: o reconhecimento da sua própria indignidade e da do povo. Agora ele sente-se inadequado para proclamar a palavra de Deus. O seu ministério entra em profunda crise, pois um profeta é, por definição, um homem da Palavra.

OUVIR COM UM CORAÇÃO PURO

Esta passagem, frequentemente apresentada como a vocação de Isaías, é na verdade uma segunda chamada – uma nova missão. O que ele havia proclamado anteriormente nos capítulos 1 a 5 resume a mensagem do Primeiro Isaías: a pecaminosidade e ingratidão de Judá para com o Senhor e as consequências disso, que culminam nesta visão. Aqui, o profeta identifica-se com o povo; como eles, ele é um homem de lábios impuros. “Humildade é caminhar na verdade”, diz Santa Teresa de Jesus, e Isaías permanece honesto diante de Deus e do povo. Ele reconhece a sua inadequação. A sua humildade convida à intervenção divina: um ser seráfico (ardente) toca os seus lábios com uma brasa ardente, e ele é purificado.

Até esse momento, ele permanecia em silêncio. Somente depois de ser purificado pelo fogo é que ele ouve a voz do Senhor: «Quem hei de enviar? Quem irá por nós?» (versículo 8). Ele escuta o coração de Deus, percebe a Sua preocupação pelo povo e partilha do Seu amor. Esta escuta não é passiva – é uma comunhão nascida da reverência e da transformação. A autoridade do profeta para falar surge desta intimidade. Ele responde: “Eis-me aqui, envia-me”.

A MISSÃO PROFÉTICA:

ENVIADO A UM POVO ENDURECIDO

Um profeta é uma pessoa que foi convidada a habitar na intimidade do Senhor e que aprendeu a ouvir as Suas preocupações. Ele está diante da santidade e majestade de Deus e, numa postura de humildade, recebe o poder purificador que transforma – muitas vezes através da dor e do sofrimento. Inflamado pelo amor divino, o profeta é enviado ao mundo para confrontar um povo teimoso – aqueles que não estão dispostos a ouvir.

Isaías é encarregado de proclamar a Palavra de Deus a um povo resistente à compreensão:

«Vai e dizei a este povo: Podeis ouvir constantemente, mas não haveis de compreender; podeis ver e continuar a ver sempre, contudo jamais percebereis» (versículo 9).

Jesus ecoa-o na Sua explicação das parábolas:

«Porque eles olham, mas não vêem. E ouvem, mas não escutam e muito menos compreendem» (Mt., 13, 13).

Confrontado com esta difícil missão, Isaías pergunta: «Até quando, Senhor?» (v. 11) – uma pergunta repetida no Apocalipse como um clamor por justiça e redenção (cf. Ap., 6, 10). A resposta é clara: o povo deve suportar a desolação.

«Até que as cidades estejam em ruínas e sem habitantes, até que as casas fiquem abandonadas e os campos estejam absolutamente destruídos» (v. 11).

Jerusalém cairá, o templo será destruído e o exílio se seguirá.

No entanto, a esperança perdura:

«A semente santa é o seu toco» (v. 13).

Um remanescente sobreviverá – um novo e santo rebento de quem virá o Messias, o Salvador de toda a Humanidade.

DISPONIBILIDADE

O chamamento de Isaías revela o cerne da profecia: estar diante de Deus, receber a purificação, ouvir profundamente e responder com amor. Um profeta não é apenas um mensageiro, mas uma testemunha – alguém transformado pela santidade divina. Ele habita na intimidade de Deus, ouve as Suas preocupações, suporta a Sua majestade e aceita humildemente o fogo purificador que o prepara para a missão, mesmo quando isso traz sofrimento.

A resposta de Isaías após a sua purificação – «Eis-me aqui, envia-me» – reflecte uma plena comunhão com a vontade de Deus. A sua prontidão não está enraizada na autoconfiança, mas na confiança naquele que o envia. Ele aceita a missão de falar a um povo impuro na fala e distante no coração:

«Este povo aproxima-se com a boca e honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim» (Isaías 29, 13).

Embora a tarefa seja difícil e o resultado incerto, Isaías segue em frente. O seu zelo provém da comunhão, não do sucesso. Ele confia que o Deus que purifica também sustenta. No meio da rejeição e da destruição, um remanescente permanecerá – uma semente santa da qual virá o Messias, o Salvador de todos.

REZAR COM A PALAVRA DE DEUS

. Leiamos e meditemos Isaías 6, 1-13.

. Que o Senhor nos conceda uma experiência profunda da Sua santidade e uma verdadeira consciência de quem somos – os nossos dons, as nossas limitações e a nossa necessidade de graça. Como Isaías, que possamos conhecer-nos como realmente somos diante do Todo-Poderoso e passar por uma conversão e purificação mais profundas. Cresçamos cada vez mais na intimidade com o Senhor, permitindo que o Seu amor penetre nos nossos corações e renove a nossa missão.

. Rezem ao Coração de Jesus, para que Ele nos torne profetas do amor, ardentes de zelo e prontos para cumprir a missão que Ele nos confia.

. Rezemos também pelos jovens, para que possam ouvir o apelo do Senhor e ter a coragem de responder, mesmo que sejam enviados como ovelhas entre lobos.

Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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