Introdução aos Profetas
«Porquanto a Palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante que qualquer espada de dois gumes; capaz de penetrar até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é sensível para perceber os pensamentos e intenções do coração» (Hebreus 4, 12)
Inicio esta série para ajudar a aprofundar a nossa compreensão da Palavra de Deus, fonte da vida da Igreja. Abrir a nossa Bíblia, como católicos, significa reconhecer que uma tradição oral precedeu a palavra escrita e que a mesma tradição – o ensinamento dos Apóstolos – é valorizada pela Igreja. Embora nenhuma palavra possa ser a ela acrescentada, sob a orientação do Espírito Santo a Igreja é desafiada a aprofundar a compreensão da palavra escrita e a descobrir como pode ser aplicada a diferentes contextos e a vários cenários históricos.
Optei por começar com a tradição profética, pois os livros proféticos – compreendem cerca de um quarto do Antigo Testamento – eram considerados pela igreja apostólica primitiva como os mais significativos. A sua importância reside no facto de anteciparem e profetizarem explicitamente a vinda de Cristo, o Messias. No entanto, apesar do seu peso teológico, estes livros continuam a ser dos mais difíceis de interpretar.
Por que razão os profetas são tão difíceis de compreender? As suas mensagens são frequentemente desafiadoras porque estavam profundamente enraizadas nas realidades históricas, sociais e culturais do seu tempo. Os profetas dirigiam-se a públicos específicos que enfrentavam crises particulares – agitação política, decadência moral, ameaças estrangeiras ou corrupção religiosa. Para compreender verdadeiramente o significado das suas palavras, devemos primeiro entender o contexto em que foram proferidas: os eventos, crenças e dinâmicas sociais que moldaram a mensagem.
A profecia não era um fenómeno exclusivo de Israel; era comum em todo o antigo Oriente Próximo, aparecendo em diversas culturas como as Babilónica, Assíria e Síria.
Contudo, a profecia em Israel desenvolveu características distintas que a diferenciavam; em outras nações, os profetas normalmente serviam como conselheiros e apoiantes da elite governante, transmitindo breves mensagens dos seus deuses para reforçar a autoridade real.
Em contraste, os profetas de Israel – frequentemente chamados de visionários – desempenhavam um papel mais confrontador e independente. Eles ungiam reis, mas também os condenavam, desafiavam e até rejeitavam quando aqueles se desviavam da vontade de Deus. Os seus oráculos, preservados tanto em prosa quanto em poesia, formaram a base da literatura profética. Tal culminou nos livros dos “Profetas Posteriores”, que incluem os três profetas principais – Isaías, Jeremias e Ezequiel – e os doze profetas menores.
Outra diferença notável é que alguns profetas fora de Israel entravam em transe por meio de rituais extáticos – muitas vezes envolvendo dança, música e até mesmo ferimentos auto-infligidos – como aqueles enfrentados pelo profeta Elias em 1 Reis 18, 28-29.
Convido os nossos leitores a valorizar a Palavra de Deus e a meditar profundamente sobre ela. Em cada apresentação, compartilharei uma passagem para contemplar e rezar.
O texto a seguir expressa, em termos simples, mas profundos, a essência e a missão de um profeta em Israel:
“Então a palavra do Senhor veio a mim, dizendo: ‘Antes de te formar no ventre, eu te conheci; antes de nasceres, eu te consagrei; eu te designei profeta para as nações’. Então eu disse: ‘Ah, Senhor Deus! Eu não sei falar, pois sou apenas um menino’. Mas o Senhor retorquiu: ‘Não digas: «Eu sou apenas um menino». Porque irás a todos aqueles a quem eu te enviar e dirás tudo o que eu te ordenar. Não temas diante deles, pois eu estou contigo para te livrar’, disse o Senhor. Então o Senhor estendeu a mão, tocou na minha boca e exclamou: ‘Pus as minhas palavras na tua boca’” (cf. Jeremias 1, 4-10).
• Um profeta é alguém chamado por Deus para comunicar a Sua perspectiva sobre a condição de Israel e o estado do mundo. Separado e santificado, o profeta é convidado a ter um relacionamento íntimo e directo com Deus.
• O chamamento de Deus muitas vezes chega com uma força avassaladora, despertando neles (os profetas) um profundo sentimento de inadequação, mas é o Senhor quem os fortalece e os equipa para superar a sua relutância inicial.
• Definido por uma missão divina que transcende as fronteiras nacionais, o papel do profeta tem uma dimensão universal, abrindo a história da salvação a todos os povos.
• Impulsionado pelo zelo, o profeta enfrenta provações e hostilidade, partilhando do “pathos de Deus”, sentindo com Deus e sofrendo profundamente pela rejeição do povo àquele que Ele ama e serve.
• Os profetas surgem de diversas origens: um camponês e pastor como Amós; sacerdotes como Jeremias e Ezequiel; mulheres como Hulda (2 Reis 22, 14) e a esposa de Isaías (Isaías 8, 3); ou mesmo descendentes reais, como no caso de Sofonias.
• Um profeta não é guiado por percepções pessoais, mas é permeado e purificado pela Palavra de Deus. O seu estilo de vida e acções simbólicas tornam-se parte da mensagem que ele é chamado a transmitir.
Orientações para reflexão e oração
Através do Baptismo e da Confirmação (Crisma), cada um de nós participa da dimensão profética da vida e missão de Cristo. Vós fostes escolhidos pelo Senhor e enviados ao mundo com um propósito.
1. Reserve um tempo para ler a oração de Jeremias com espírito de oração e medite sobre o convite pessoal e único que Deus lhe fez. Relembre aqueles momentos sagrados em que sentiu a Sua presença santificadora.
2. Como o leitor responde ao chamamento de Deus? Vós, como muitos antes de vós, sentis serdes inadequado ou indigno de tal chamamento? De que maneira? Permita que o Senhor o afirme e o fortaleça.
3. Que missão específica Deus o convida a abraçar na sua vida de hoje?
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ