PORQUE O PAPA É O BISPO DE TODOS

PORQUE O PAPA É O BISPO DE TODOS

Lição de amizade

Neste momento de saudade pela partida do Papa Francisco, em que os jornais recordam os momentos transcendentes do Pontificado, quero sublinhar a dimensão pessoal, que também vai marcar de forma duradora a memória deste Papa no coração da Igreja.

Mariano Fazio, o vigário auxiliar do Opus Dei (o número dois do Opus Dei, digamos assim), publicou na revista Omnes (23 de Abril de 2025) alguns momentos da sua amizade com o Papa, “uma mistura de proximidade paternal e de bom humor típico de Buenos Aires”.

Conheceram-se em 2000 em Buenos Aires, mas a intimidade começou propriamente durante a Assembleia de Aparecida, em 2007. Desde então, trocaram muitas cartas escritas à mão e encontraram-se pessoalmente muitas vezes. Quando era cardeal em Buenos Aires, juntava santinhos às cartas, Nossa Senhora “Que Desata os Nós”, São José, Santa Teresa de Lisieux. Não faltavam comentários de bom humor. A propósito de o padre Fazio o ter citado num livro, escrevia-lhe o cardeal que aquilo “era um passo mais para ser ‘citado’ na necrologia do La Nación [um jornal de Buenos Aires em que muitas famílias anunciavam a partida dos seus]”.

Depois da eleição do Papa Francisco, Mariano Fazio teve a surpresa enorme de receber quatro vezes num ano um envelope da Nunciatura contendo outro mais pequeno escrito pelo próprio Francisco. Depois da eleição, o padre Fazio dizia-lhe que não ia continuar a tratá-lo por tu, por respeito ao Vigário de Cristo. Resposta do Papa: “Achei graça a isso de que deixaste de ser um atrevidote… vais acostumar-te [a tratar-me por tu]. Afinal, baixei de categoria: antes era cardeal, agora sou um simples bispo”. E continuaram a tratar-se por tu, como até aí.

Embora o artigo não publique integralmente o epistolário, apreciam-se algumas confidências íntimas, por exemplo quando Francisco lhe escreve que foi ordenado padre há 44 anos e lhe parece que foi ontem. Nunca faltava o pedido de orações: “Peço-te, por favor, que continues a rezar por mim e a pedir a outros que rezem por mim”.

A propósito de uma pequena biografia do Papa que Mariano Fazio publicou, Francisco escreveu-lhe: “…recebi o livro que te atreveste a escrever sobre a minha pessoa. É preciso descaramento! Prometo que o vou ler e desde já estou convencido de que encontrarás nos meus escritos categorias metafísicas e ontológicas que nunca me passaram pela cabeça. De certeza que me vou divertir. Também estou convencido de que fará bem a muita gente. Muito obrigado”. E, sempre, o pedido de orações: “Por favor, não te esqueças de rezar e de fazer rezar por mim. Que Jesus te bendiga e a Virgem Santa te cuide”.

A correspondência manteve-se e retomaram-se os encontros pessoais sobretudo quando Mariano Fazio foi escolhido em 2014 para vigário auxiliar do Opus Dei e passou a residir em Roma. Além disso, telefonavam-se. Por exemplo, Francisco telefonava-lhe todos os anos a dar os parabéns. Em 2017, telefonou quando o padre Fazio estava a celebrar a Missa; no final, tinha no telemóvel uma mensagem gravada a dizer que rezava, a pedir orações e a dizer que voltaria a ligar mais tarde. Ao princípio da tarde, demorou uns segundos a atender e perdeu a chamada. Ligou para o secretário do Papa a pedir-lhe que transmitisse o seu agradecimento e que estava comovido por o Papa ter telefonado pela segunda vez. Passados cinco minutos, liga o Papa pela terceira vez. Mal atende, Francisco exclama: “Que difícil que é falar contigo!”.

No ano seguinte, o esperado telefonema não aconteceu. No dia seguinte, o Papa telefonou a explicar que não tinha tido tempo nenhum.

No final de 2019, o Papa soube que a mãe do padre Fazio tinha partido a bacia. Telefonou-lhe logo a informar-se mais, a enviar-lhe a sua bênção e a dizer que rezava por ela. Quando o informaram de que a cirurgia tinha corrido bem, o Papa escreveu imediatamente uma carta muito amiga ao padre Fazio.

O artigo da Omnes dá exemplos muito mais completos de encontros, de cartas e de telefonemas. O autor conclui:

“Animei-me a partilhar estas coisas porque tenho a consciência de que não sou um caso singular. Horas e horas do seu pontificado – da sua vida – gastaram-se neste tipo de gestos e de conversas, de proximidade e amizade. Em momentos difíceis e em oportunidades alegres, sempre com bom humor e confiança na oração. (…) Recordo-o como um amigo que esteve em todas, que viveu comigo o que pregou pelo mundo inteiro”.

José Maria C.S. André

Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa

LEGENDA: O Papa Francisco com o Padre Mariano Fazio, no Vaticano

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