Apologia de uma Economia mais humana e inclusiva

FRANCISCO, O PAPA QUE DEU VOZ A ECONOMISTAS, ACADÉMICOS E EMPRESÁRIOS

Apologia de uma Economia mais humana e inclusiva

Em doze anos de Pontificado, Jorge Mario Bergoglio confrontou alguns dos problemas mais profundos da Igreja Católica, mas o seu legado como sucessor de São Pedro ultrapassa em muito os domínios da Fé. O Papa Francisco colocou a Igreja perante os desafios com que se deparam o Mundo e a Humanidade, ao abordar a crise climática, as desigualdades económicas e a justiça social.

Com a morte do Pontífice argentino, aos 88 anos de idade, o mundo despede-se de um incansável defensor de uma economia mais justa e mais humana. Entre as múltiplas dimensões do seu Papado, está uma atenção particular ao desenvolvimento de um novo paradigma económico. Tal perspectiva materializou-se na chamada “Economia de Francisco”, um movimento global que convidou economistas, académicos e empresários de todo o mundo a repensarem o sistema económico a partir dos valores do Evangelho. «Desde o início do seu Pontificado, o Papa Francisco procurou abordar aspectos-chave da justiça económica e social, que são muitas vezes ignorados nos discursos políticos. A percepção, por ele defendida, de que uma economia de tipo predatório mata, constitui uma importante chamada de atenção», argumentou o padre Stephan Rothlin, SJ, director do Instituto Ricci de Macau. «O Papa Francisco procurou, com frequência, afirmar a ligação íntima entre a fé em Cristo Crucificado e Ressuscitado e o compromisso com a justiça. Nos três documentos que dedicou a estas questões – Evangelii gaudium, Laudato si’ e Fratelli tutti – o Papa Francisco explica de forma detalhada e muito concreta aquilo que a Doutrina Social da Igreja tem vindo a advogar desde há mais de um século, ainda que com um novo enfoque no cuidado para com a nossa “Casa Comum” e a forte necessidade de desenvolver um novo paradigma económico erigido com base nos princípios da solidariedade, da subsidiariedade e do bem comum», acrescentou o jesuíta suíço, doutorado em Economia e Filosofia pela Universidade de Innsbruck.

Ao longo do seu Pontificado, Francisco pronunciou-se por diversas ocasiões sobre os problemas da economia global. Em documentos-chave como as Encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti, o Santo Padre criticou “a economia que mata”, em referência a um “sistema centrado exclusivamente no lucro e que exclui milhões de pessoas”. Em fóruns e organizações internacionais, como o G20 e a ONU, o Papa instou os líderes mundiais a adoptar modelos económicos mais humanos, que privilegiem o bem comum, o trabalho digno e a justiça social.

A 1 de Maio de 2019, o Papa apelou aos jovens e às instituições de todo o mundo para que se associassem a um esforço conjunto, com o propósito de dar alma à economia do futuro. O Instituto Ricci de Macau contribuiu para a missão, com o chamado “Manifesto de Macau”. «O “Manifesto de Macau” é uma tentativa de responder ao apelo feito pelo Papa Francisco há cinco anos, quando desafiou, em particular os jovens economistas, a ajudarem a conceber um novo paradigma económico. O objectivo era o de educar não apenas os estudantes, mas diferentes círculos da sociedade, para que pudessem expressar preocupação para com os outros, em vez de estarem apenas obcecados com a maximização dos lucros e com a obtenção de proveitos», assinalou o padre Rothlin. «Os três pilares do “Manifesto de Macau” sintetizam brevemente os aspectos-chave da Doutrina Social da Igreja, nomeadamente a Subsidiariedade Económica, o Empreendedorismo em Prol do Bem Comum e o Bem-estar para todos, através de estudos», explicou.

CONSCIÊNCIA DE QUE TUDO ESTÁ CONECTADO – Assim que foi eleito, em 2013, para a Cátedra de Pedro, Francisco deixou claro que encarava a economia como um campo central da acção cristã. Mas a visão económica do primeiro Papa latino-americano não se cingiu à crítica profunda sobre a lógica do mercado. Aliás, em grande medida, só poderá ser entendida em toda a sua plenitude quando articulada com dois outros preceitos fundamentais do seu Pontificado: a atenção às periferias e o cuidado da “Casa Comum”.

Nos discursos que proferiu e nas cartas encíclicas e exortações apostólicas que escreveu, os princípios da justiça social, do cuidado com os mais pobres e da sustentabilidade ambiental são recorrentes. Conjugados com frequência sob o termo “ecologia integral”, os três conceitos estão entre os principais legados do Pontificado de Francisco, no entender de Peter C. Phan, teólogo norte-americano de origem vietnamita. «A atenção que o Papa Francisco dedicou à Igreja e às pessoas no chamado Sul global, em contrapartida ao Norte global, desviou o foco da Igreja no Ocidente, na Europa e nos Estados Unidos, para a Igreja nas periferias: em África, na Ásia e na América do Sul, onde está a maioria dos pobres do planeta e onde actualmente vivem quatro quintos dos cristãos», recordou o professor catedrático da Universidade de Georgetown, em declarações a’O CLARIM. «Enquanto houver migrantes, pobres e pessoas marginalizadas, o compromisso assumido pelo Papa Francisco para com eles vai perseverar, até porque estão no centro da mensagem e do ministério de Jesus, como o Pontífice bem lembra em Fratelli tutti, sobre a fraternidade e a amizade social», salientou o académico norte-americano.

O fomento de um novo paradigma económico, mais humano e inclusivo, fez-se acompanhar por um esforço abrangente para monitorizar o alcance global da pobreza e compreender como se manifesta em diferentes circunstâncias e regiões. Insatisfeito com os indicadores económicos tradicionais, o Papa Francisco incumbiu a Universidade Fordham, instituição de Ensino Superior privada de tradição jesuíta, de desenvolver um método alternativo para tomar o pulso à pobreza e ao bem-estar globais. O resultado é o Índice Fordham-Francis, uma medida anual que aborda a escassez, ao avaliar tanto as necessidades materiais, quanto as espirituais dos inquiridos.

«A Universidade Fordham respondeu ao seu apelo. Os nossos alunos dos cursos de pós-graduação desenvolveram o Índice de Pobreza Global Papa Francisco, que apresentam todos os anos, inspirados pelo apelo que o Santo Padre nos fez para que o nosso trabalho tivesse impacto na pobreza e no bem-estar. Do mesmo modo, quando o Papa convocou o Sínodo de três anos sobre a Sinodalidade – processo de escuta, diálogo e discernimento que incluiu todas as vozes da Igreja – a Universidade Fordham enviou uma delegação de alunos ao Vaticano», lembrou a’O CLARIM a presidente da Universidade Fordham, Tania Tetlow.

«A ênfase que Francisco colocou na justiça social, na inclusão e na gestão do ambiente, deixa um legado duradouro. Um legado que exige, ainda assim, que cada um de nós continue o seu trabalho. Pessoalmente, a minha grande esperança é que nos possamos continuar a inspirar na humildade do Papa Francisco, na preocupação que ele nutria pelos mais vulneráveis. Espero que possamos continuar a seguir a sua visão ecológica. E espero que possamos manter viva, tanto na mente, como no coração, a insistência que colocava na inalienável dignidade de cada um dos membros da família humana, independentemente do seu estatuto ou da sua riqueza material», rematou a dirigente universitária.

Marco Carvalho

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