MASSACRE DE CRISTÃOS NA NOVA SÍRIA JIHADISTA

MASSACRE DE CRISTÃOS NA NOVA SÍRIA JIHADISTA

“Actos atrozes, contrários a todos os valores humanos e morais”

Patriarcas de três Igrejas indígenas historicamente enraizadas na Síria assinaram um apelo conjunto para travar os “horríveis massacres” perpetrados nos últimos dias em várias províncias do País por milícias jihadistas, com um impacto particularmente grave nas comunidades da minoria alauita. Denunciam uma “escalada de violência que levou a ataques contra civis inocentes, incluindo mulheres e crianças”.

Segundo fontes da própria comunidade alauita, as vítimas destes ataques ultrapassam as seiscentas, e há quem fale até em “milhares de mortos” às mãos das milícias governamentais lideradas pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), ligado à Al Qaeda. A onda de violência começou nas províncias costeiras de Latakia e Tartous, após emboscadas levadas a cabo por restos do antigo exército leal a Bashar al-Assad contra membros do actual Comando de Operações Militares da Síria. As represálias foram dirigidas especialmente contra Qardaha, cidade-natal do ex-Presidente Assad, e a cidade costeira de Baniyas, levando a massacres e execuções extrajudiciais contra a comunidade alauita, uma minoria religiosa de origem xiita à qual pertencem tanto a família Assad como grande parte dos líderes do regime deposto em Dezembro passado.

O apelo dos líderes das Igrejas na Síria, feito a 8 de Março, foi assinado pelo Patriarca Ortodoxo Grego, Yohanna X; pelo Patriarca Greco-Católico Melquita, Youssef Absi; e pelo Patriarca Ortodoxo Siríaco, Mor Ignatius Aphrem II.

Em nome das respectivas Igrejas, os Patriarcas condenam “os massacres de cidadãos inocentes” e exigem o fim imediato destes “actos atrozes, contrários a todos os valores humanos e morais”. Apelam ainda a que sejam dadas as condições necessárias “para alcançar a reconciliação nacional do povo sírio” e iniciar a transição para um Estado e uma sociedade assentes na “igualdade de cidadania”, longe “da lógica da vingança e da discriminação”. Os Patriarcas rejeitam também as suposições e as tentativas de desmembrar a unidade territorial da nação síria. Contudo, as perspectivas de uma mudança de paradigma são pouco animadoras.

Já em Janeiro deste ano o arcebispo D. Jacques Mourad, monge da comunidade Deir Mar Musa – mantido refém durante meses pelos terroristas do Estado Islâmico em 2015 –, manifestara a sua preocupação com a mudança do regime. O que ele hoje vê e ouve, enquanto arcebispo católico sírio de Homs, não corresponde, de todo, à narrativa dominante nos media, especialmente no Ocidente, que relata “uma mudança de regime bem-sucedida e pacífica” com novos líderes islâmicos “que procuram reconhecimento internacional” após mais de cinquenta anos de domínio do clã Assad no País.

A cobertura mediática dominante, por exemplo, não menciona a violência generalizada e o medo que mais uma vez ofuscam os dias de grande parte da população síria. Uma violência que – como admitiu D. Jacques Mourad à agência noticiosa FIDES – “parece ser uma armadilha na qual caem todos aqueles que aqui chegam ao poder”.

As pessoas continuam a desaparecer, as prisões estão cada vez mais cheias “e nunca se sabe quem ainda está vivo e quem está morto”. Acusadas de conluio com o anterior regime, inúmeras pessoas estão a ser executados nas ruas ou nas suas próprias casas. O arcebispo relata vários casos de jovens cristãos que têm sido ameaçados e torturados publicamente por islamistas fanáticos com o intuito de lhes incutir medo e forçá-los a renunciar à sua fé e a tornarem-se muçulmanos. São crimes que, habitualmente, ocorrem bem longe de Damasco.

Contudo, nas igrejas, desde a queda do regime de Assad, em muitos aspectos tudo parece continuar como antes: serviços religiosos, procissões, orações e obras de caridade acontecem como é habitual. Os novos governantes não emitiram qualquer regulamentação obrigatória que tenha afectado de alguma forma a vida quotidiana da Igreja. O homem forte do novo regime, Ahmed al-Sharaa, também conhecido por Abu Mohammad al-Julani, líder do HTS, antigo membro da Al-Qaeda e do ISIS, que se declarou “presidente interino” da Síria a 29 de Janeiro, chegou inclusivamente a reunir com o padre Ibrahim Faltas e com os franciscanos no final de 2024, tendo-lhes endereçado palavras de elogio ao Papa Francisco e até apelado ao regresso à Síria dos cristãos que emigraram durante e após a guerra civil.

Mas a verdade é que, como denuncia o prelado de Homs, “quando se deu início à confiscação de armas na posse dos civis”, depressa foram desarmados os soldados cristãos e alauitas; em contrapartida, ninguém tirou as armas aos sunitas… Em boa verdade há que perceber que, na Síria, “não há propriamente um Governo”. Existem diferentes grupos armados. Alguns são fanáticos, outros não. E cada um tem o seu próprio poder e impõe o seu próprio governo nas áreas que controla. E todos têm muitas armas.

Tal como os demais bispos, D. Jacques Mourad reuniu-se com representantes das novas forças no poder. Deles ouviu palavras reconfortantes, mas não só as coisas não mudaram como têm vindo a piorar, assim o comprovam os recentes massacres, que os media ocidentais omitem e os líderes europeus sancionam.

 “O regime de Bashar al-Assad”, explica D. Mourad, “apresentava-se como defensor dos cristãos. Sempre disseram: se sairmos, os fanáticos regressarão”. E, de facto, é o que agora acontece. Muitos dos clérigos sírios estão pessimistas em relação ao futuro e os seus fiéis, agora mais do que nunca, não vêem outra alternativa senão abandonar o País.

Joaquim Magalhães de Castro

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