Cristo ressuscitou ou foi ressuscitado?
Esta é a experiência da Ressurreição de Jesus como dom de amor
O nascimento de uma menina esta semana, filha de um casal muito meu amigo, encheu-me de alegria. Uma longa jornada trouxe este adorável jovem casal para o casamento. O nascimento da sua filha faz com que agora o seu casamento chegue à plena maturidade. Eu sinto-me verdadeiramente feliz por eles.
É quase impossível vivenciar o nascimento de um ser humano apenas do ponto de vista puramente biológico. Muitas emoções estão envolvidas. A maravilhosa complexidade de todo o processo da gravidez deixa-nos maravilhados, e o doloroso e longo trabalho de parto é um lembrete de que a vida nunca pode ser dada como garantida. A fragilidade de uma vida recém-nascida só aumenta a sua preciosidade. No final, crentes ou não, todos encaramos o nascimento como uma dádiva.
A ressurreição é também um nascimento para uma nova vida, passando pelas dores da morte. Como Jesus experimentou tal facto? Tanto as Escrituras quanto a Tradição podem-nos ajudar a vislumbrar da Sua perspectiva pessoal nos momentos decisivos.
Por um lado, Jesus, enquanto Filho de Deus, ressuscitou da morte em virtude do Seu poder divino. Jesus afirmou, explicitamente: «Ninguém a tira de mim; antes Eu a entrego de espontânea vontade. Tenho poder para entregá-la, e poder para retomá-la» (Jo., 10, 18).
Ao mesmo tempo, como bem explica o Catecismo da Igreja Católica (CIC), o poder do Pai “ressuscitou Cristo seu Filho”. A Ressurreição é “a manifestação do poder de Deus por obra do Espírito, que vivificou a humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor” (CIC nos648-649).
Acho extremamente interessante que ambas as afirmações sejam verdadeiras e correctas. Sim, podemos dizer que Jesus Cristo ressuscitou “activamente” da morte, porque Ele mesmo é Deus, a Segunda Pessoa da Trindade e, portanto, Ele tinha o poder de fazê-lo. A morte não poderia aprisionar o Filho de Deus na tumba para sempre. Mas esta afirmação, embora verdadeira, não expressa plenamente a experiência “humana” de Jesus na Cruz. Lá, Ele foi chamado a confiar no Pai enquanto sentia total dor e abandono. No entanto, o Seu grito na Cruz: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mc., 15, 34), foi recebido com silêncio e totalmente ignorado.
A Ressurreição é a resposta final e completa. Cristo “ressuscitou” pelo Pai, pelo poder do Espírito Santo, tendo sido confirmado como o Filho amado, triunfante sobre os Seus inimigos.
Na sua Carta Encíclica Dives in Misericordia, o Papa João Paulo II escreveu: “o Filho de Deus que na sua ressurreição experimentou em si de modo radical a misericórdia, isto é, o amor do Pai queé mais forte do que a morte” (nº 8).
Naquela primeira Páscoa, Jesus provou que o amor do Pai é realmente fiel e eterno. Por outras palavras, Jesus experimentou a Ressurreição não como um final previsível para a Sua missão terrena, apenas porque Ele era Deus, mas como um verdadeiro dom de amor e misericórdia do Pai, oferecido a Ele por meio do Espírito Santo que permeou o Seu novo corpo ressuscitado. Toda a Trindade estava, portanto, envolvida neste triunfo do amor sobre o mal e a morte.
No Credo, afirmamos que o Filho de Deus é eternamente gerado pelo Pai antes de todos os tempos. Mas na Ressurreição, Jesus experimentou esta geração de uma nova maneira, porque a Sua humanidade, curada de todas as Suas feridas e glorificada, tornou-se definitivamente parte do próprio Deus. Ao ressuscitar Jesus de entre os mortos, “o Pai introduziu de modo perfeito a humanidade do seu Filho – com o seu corpo – na Trindade” (CIC nº 648). Foi de facto uma nova vida e uma nova forma de ser Filho, que se inaugurou na Páscoa.
É sabido que um presente de amor adquire mais significado se for partilhado. Cristo partilha constantemente a Sua nova vida ressuscitada com todos nós e com toda a criação. É assim que o Catecismo, citando as Escrituras, conclui a secção dedicada a este tema: “A ressurreição de Cristo – e o próprio Cristo Ressuscitado – é princípio e fonte danossa ressurreição futura. […] Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram […]. O Cristo Ressuscitado vive no coração dos seus fiéis. N’Ele, os cristãos «saboreiam as maravilhas do mundo vindouro»(Heb., 6, 5)e a sua vida é atraída por Cristo para o seio da vida divina, «para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles»(2 Cor., 5, 15)” (CIC nº 655).
É, pois, um final apropriado. Recebemos a vida para transmitir vida, não só biologicamente, mas também espiritualmente. Através do Baptismo também nós experimentamos o amor fiel de Deus que dá sentido à nossa vida. Como filhos de Deus, somos então enviados como Jesus, para nos tornarmos um dom de amor – frágil, mas precioso – para o mundo inteiro.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ
LEGENDA: Interior da igreja do Santo Sepulcro