O Pentecostalismo – IV
Os primeiros pentecostais consideraram o movimento como uma restauração dos últimos dias do período apostólico da Igreja. Por outro lado, alguns autores mais apologéticos defenderam que o movimento surgiu a partir dos radicais do reavivamento evangélico do final do Século XIX, na América e na Grã-Bretanha.
Tudo começaria, como vimos, em 1906, na Rua Azusa, naquela manifestação pentecostal de Abril. Mas algo já despontava no evangelicalismo mais radical, que se expressou mais fortemente em movimentos como o “Holiness Movement”, ou “Movimento de Santidade” – de inspiração no Metodismo de John Wesley (1703-1791, talvez o verdadeiro fundador do Evangelismo) –; ou no movimento “Higher Life”, ou “Vida Superior”; ou no de Keswick, fundado em 1858 por William Edwin Boardman (1810-1896), em Keswick, na Inglaterra. Estes movimentos evangélicos preconizavam a santificação do indivíduo. Por outro lado, temas como o restauracionismo, pré-milenarismo, a cura pela fé e a maior atenção na pessoa e nas obras do Espírito Santo, foram centrais e determinantes para o Pentecostalismo que se adivinhava emergente a partir de finais do Século XIX.
Acreditando que a segunda vinda de Cristo estava iminente, muitos desses grupos cristãos aguardavam por um reavivamento do poder apostólico, como no Pentecostes, uma assunção dos dons espirituais e a realização de milagres no fim dos tempos. Entretanto, figuras como Dwight L. Moody (1837-1899), keswickiano e fundador da Moody Church, e R. A. Torrey (1856-1928), mais alinhado com o Keswickianismo, começaram por seu turno a falar de uma experiência disponível para todos os cristãos que poderia capacitar os crentes para a evangelização do mundo. Essa experiência era denominada, por eles e pelos seus sequazes, como o “baptismo com o Espírito Santo”.
UM CONTEXTO FAVORÁVEL
De certa forma, tudo se conjugava cada vez mais, em finais de Oitocentos, para o surgimento de um movimento revivalista como o Pentecostalismo. Com efeito, certos líderes e movimentos cristãos exerceram uma influência importante nos primeiros grupos pentecostais. A crença na continuação de todos os dons espirituais, que era central nos movimentos de Keswick e da Vida Superior, constituir-se-á como um pano de fundo histórico decisivo para o advento do Pentecostalismo. Albert Benjamin Simpson (1843-1919) e a sua “Aliança Cristã e Missionária” (fundada em 1887) foram igualmente muito influente nos primeiros anos do Pentecostalismo, especialmente no desenvolvimento das chamadas “Assembleias de Deus”.
Outra influência inicial importante para a irrupção dos pentecostais foram John Alexander Dowie (1847-1907) e a sua Igreja Católica Apostólica Cristã (fundada em 1896). Simpson, Dowie e respectivos ensinamentos seriam assumidos e seguidos pelos primeiros pentecostais, que também abraçariam as orientações sobre cura espiritual de pregadores evangélicos como Adoniram Judson Gordon (1836-1895) e Maria Woodworth-Etter (1844-1924). Esta última figura viria mais tarde até a juntar-se ao movimento pentecostal.
Outro movimento decisivo foi a Igreja Católica Apostólica, fundada em 1831 por Edward Irving (1792-1834), que deixou marcas mais tarde no avivamento pentecostal.
O Século XIX foi uma centúria espiritualmente activa e fecunda em movimentos. Muitos deles desembocariam noutros movimentos ulteriores, que se tornariam maiores. Outros, ou permaneceram minoritários ou deixaram algumas marcas para os vindouros. Neste sentido, vários grupos cristãos isolados, na segunda metade do Século XIX, afirmavam que experimentavam fenómenos carismáticos intensos, como a cura divina e o dom de falar várias línguas. Eram no fundo como partes de todo um movimento de santidade que se avolumava no mundo evangélico. Todos tinham a sua explicação teológica para o que estava a acontecer a todos esses cristãos e respectivos carismas. O que é curioso é o facto de que grande parte desses movimentos, senão todos, convergiram na adopção da soteriologia de Wesley para acomodar o seu novo entendimento do Evangelismo conforme o viviam carismaticamente. Esta doutrina da salvação de Wesley assenta, recorde-se, no coração e na vida, os pontos da santidade interna e externa.
A salvação sempre foi o tema central nos ensinamentos de John Wesley, nas suas práticas e em toda a sua vivência religiosa. Considerava que o seu zelo pela salvação começava pela sua própria vida, pela sua e a de as almas que Deus criou, dizia. Essas almas, todas, deviam glorificar a Deus. Wesley defendeu sempre que se devia colocar em prática tudo o que se diz sobre a piedade, a misericórdia, a justiça e a caridade, tendo em vista a salvação. Deve haver uma coerência entre o que se diz e entende e o que se pratica e faz. Só assim se luta pela salvação. Mesmo não a sentindo, não a tendo como certa, ou seja, não sentindo a alegria da mesma, mas sempre tendo em consciência que se deve fazer mais, deve-se perceber que falta algo mais sempre, mesmo que os esforços sejam os maiores. A plena confiança e o fervor de estar salvo em Cristo, que ele afirmava perceber noutros contemporâneos, era o que Wesley tanto procurava sentir e viver, inspirando-se nos salmos bíblicos. Wesley defendia e tentava aplicar uma didáctica prática, de encontro às necessidades da sociedade e com o escopo de libertar os crentes, afirmava. A sua soteriologia, ou doutrina da salvação, radicava também na procura da integridade social e do apoio aos oprimidos, defendendo uma integridade social e a libertação espiritual. Mas não faltavam opositores. Depois, viria o calor que a graça produziria em cada indivíduo, na sua comunhão com Cristo. Era aquilo a que chamava de “coração quente”. Adorar, amar e servir a Deus, eis o tridente espiritual de Wesley que influenciou o Evangelismo de Oitocentos e depois o ambiente no qual o Pentecostalismo surgiu. Conversão e santificação, o binómio de acção que Wesley pregava.
É neste contexto wesleyano que se produziriam os avivamentos iniciais que originaram o Pentecostalismo. Antes dos acontecimentos na Rua Azusa, em Los Angeles, em que o protagonista foi o afro-americano William Seymour, temos que recordar a figura do pregador evangélico Charles Fox Parham (1873-1929), um evangelista de santidade independente que acreditava fortemente na cura divina. Parham tornou-se numa figura importante para o surgimento do Pentecostalismo como um movimento cristão distinto, do ponto de vista teológico e na acção de conversão. Começou em 1900, perto de Topeka, no Kansas, naquilo a que chamou de Escola Bíblica Betel. Ali ensinou que falar várias línguas era a evidência bíblica para a recepção da graça do baptismo no Espírito Santo. A 1 de Janeiro de 1901, depois de um culto nocturno, os alunos oraram e receberam o Baptismo com o Espírito Santo, evidente, dizem, nas línguas que começaram a falar. Parham começou a pregar essa experiência nos cultos. O pregador assumiu que aquilo era xenoglossia (falar línguas que não se conhece). Os missionários já não precisavam de estudar línguas estrangeiras. Estava tudo “pronto” para Azusa….
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa