…e o presépio já está iluminado!
Esta é, como verão, uma crónica agridoce, escrita simbolicamente a caneta e tinta, como antigamente… mas só para significar algo: que na tinta se combina a nostalgia suave de natais passados e as asperezas do tempo presente.
No lugar tradicional da Praça de São Pedro foi montada a árvore de Natal e o presépio já está iluminado. Olho para ambos, através da janela improvisada de um pequeno vídeo no YouTube, e penso em como as rotinas são tranquilizadoras, reconduzindo-nos aos caminhos seguros do que é habitual. Todavia, sabe Deus que quase nada foi habitual, no ano que passou!
Olho inevitavelmente para trás, a procurar o relevo particular de acontecimentos que se tenham salientado, nos últimos doze meses, e dou comigo quase espantado com o que vejo: ruas desertas de cidades há pouco buliçosas, efervescentes de juventude, de animação, e os poucos transeuntes uniformizados da forma mais surpreendente – a inevitável máscara, duplo símbolo de protecção e de… servidão, nos novos tempos que correm.
Se não soubesse antecipadamente o que está a acontecer, perguntaria aflito ao primeiro que passasse: – Mas o que é isto? Algum perigo iminente? O que está para se abater sobre a humanidade? Ou já se abateu?
E alguém, pressuroso, explicar-me-ia as razões do temor, generalizado, pelo tal bichinho invisível que, só nos Estados Unidos, já fez mais mortos do que a totalidade das vítimas do País, na Segunda Guerra Mundial!
VIVER À DISTÂNCIA
E inaugurou-se assim a civilização da distância, “online”. Vemo-nos quase só através dos ecrãs do telemóvel, do “tablet” ou do computador, reduzimo-nos (em legítima defesa) aos espaços exíguos das nossas casas. A vida é a que nos é transmitida pelas notícias da televisão; desaparecidos os vizinhos, as conversas do mundo são agora quase só as do Facebook e as do Twitter…
…daí que possa garantir estar incluída, no meu círculo de amigos, gente “conhecida” como Boris Johnson ou Emanuel Macron, pessoas ocupadíssimas mas que, imitando o primo americano, de vez em quando “twitam” só por… desfastio! É verdade que, quanto ao primo americano, o desfastio é ininterrupto…
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Até a geografia e a linguagem diplomáticas tiveram que mudar. Agora já não se toma o avião oficial, rumo a qualquer capital do mundo, nesse rodopio de cimeiras e de conferências, de visitas de Estado e de seminários de alto nível que constituem a agenda internacional cansativa de qualquer líder, mas vai-se à sala ao lado ou fica-se sentado no lugar de trabalho habitual e um ecrã gigante põe-os em contacto imediato com os outros membros desse clube exclusivo de decisores máximos das questões do planeta.
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Mais, muito mais sinistro, neste mundo de distâncias calculadas, de separações obrigatórias, também se mata cada vez mais impunemente e com telecomando! Com “drones”, pois claro. Mas abre-se também agora um novo capítulo na nossa história colectiva de horrores. Refiro-me ao modo como foi liquidado o cientista nuclear iraniano. Ninguém estava no local, senão a vítima e alguns companheiros de infortúnio. O projéctil mortífero atravessou os céus.
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Tempo estranho este, tempo bizarro. A senhora de idade, que vive só, foi dar uma volta no seu bairro, na manhã ensolarada. Talvez se sentasse depois no seu banco favorito do jardim. Mas… esqueceu-se mais uma vez da máscara! A cabeça já não dá para tudo! E o polícia foi ter com ela. E, firme mas carinhosamente, mandou-a regressar a casa.
E a senhora de idade regressou ao seu mundo vazio, tão vazio que já nem as memórias do passado viviam com ela. Abriu maquinalmente a televisão e mais uma vez confirmou que milhares de pessoas, no seu país e no planeta inteiro, viviam no mesmo abandono, na mesma solidão. E teve pena. De si, dos outros, do mundo.
Houve tempo em que a senhora de idade tinha um mundo cheio à sua volta. Agora só a tristeza de uma solidão sem remédio, com um rótulo que anda em todas as bocas. Covid-19. Malfadado vírus!
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O Papa Francisco dizia há dias que o confinamento a que somos obrigados priva-nos do essencial que os seres humanos têm, como formas privilegiadas de comunicar, de estar juntos, de conviver; é o tocar, no abraço, no aperto de mão, na carícia. E a provar que o novo normal (da distância como regra) é completamente ANORMAL – lá está o presépio, o do Vaticano e o de todos os outros lados, a concentrar toda a grandeza da VIDA na realidade humana a mais essencial – o Menino e a sua Mãe (e, neste caso particularíssimo, também o pai, guardião daquele milagre oculto – de que só eles conhecem o segredo).
O Menino e a Sua Mãe. Dois intérpretes singulares da mais profunda linguagem dos afectos!
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De novo as igrejas fechadas porque vem aí a terceira vaga… a quarta vaga!? O Papa Francisco diz também que não há Cristianismo sem comunidade(s), não há Igreja com templos vazios, mas o que fazer? Como evitar a propagação da pandemia, sem estas medidas extremas?
E o próprio Pontífice faz como todos os outros líderes religiosos, políticos, económicos: fala à distância, cumprindo através de vídeo conferências e de vídeo-mensagens o seu calendário de contactos internacionais que a governação do mundo cada vez mais exige.
Nos continentes europeu e americano, as autoridades de cada Estado temem os resultados – que antecipam catastróficos – da próxima quadra festiva.
Sim, muitos presépios já estão iluminados, mas será um Natal diferente! E todavia… regressando às origens, voltando à gruta de Belém e à sua extrema humildade, muitos se interrogam se não será esta a oportunidade de uma regeneração do Natal, da sua des-comercialização, do híper-consumismo que o foi progressivamente abafando, sufocando.
De resto, com as economias doentes, assistidas in extremispor subsídios excepcionais às famílias e às empresas, mas na perspectiva assustadora de desemprego em massa, na Europa e nos Estados Unidos, como não olhar de modo diferente este tempo muito concreto em que se vive e que, para a maior parte, deixa pouca margem à ilusão fugaz de poucos dias felizes, depressa engolidos pela depressão geral?
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– Pai, Mãe, ainda não me perguntaram o que quero como prenda de Natal e no outro dia vi uma coisa muito bonita que gostava muito de ter!…
Pai e Mãe olharam um para o outro, visivelmente atrapalhados, e depois para o filho pré-adolescente, já a dar passos decididos no mundo da Internet. Bom menino, aquele querido filho, uma espécie de versão próxima do bem amado Carlo Acutis, tão pouco comum, nos dias de hoje, a sua manifesta sensibilidade para as coisas do espírito!
Pronto, já percebi, não me podem dar nada porque com a pandemia o pai não tem vendido quase nada lá na loja e não temos dinheiro… Mas não faz mal… vou eu inventar uma prenda original para os meus pais!
E sentou-se animado em frente do computador, com a cabeça já a fervilhar de ideias! Querido filho!
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Mas Natal é Natal. o Menino encarnará de novo, no milagre renovado do Deus que se faz Homem para habitar entre nós. E talvez as vacinas que aí vêm não sejam as prendas menos importantes no sapatinho….
Carlos Frota